Se você só tem filhos
homens, não tem mãe nem irmãs, reze para morrer
antes de sua esposa. Se acontecer o contrário, meu amigo,
é provável que seus últimos dias sejam passados
com estranhos.
Vá aos hospitais. A probabilidade
de ver um acompanhante do sexo masculino é mínima,
ao lado de um doente internado haverá sempre uma mulher,
seja filha, esposa, irmã, mãe, nora ou amiga.
Sem pretender ofendê-lo, leitor
sensível, capaz de cair em pranto convulsivo só de
pensar no dia em que seus pais partirem, lamento prever que ao ficar
gravemente enfermos eles pouco poderão contar com você.
Não me interprete mal, não
digo que vá abandoná-los num leito qualquer, à
espera da morte. Você irá visitá-los quase todos
os dias, na hora do almoço. Perguntará se estão
bem, se precisam de alguma coisa, se as dores melhoraram, tomará
providências práticas, mas infelizmente precisará
voltar para o escritório.
Em dias mais corridos, você
deixará para ir no fim do expediente. Pedirá desculpas
pelos três dias de ausência motivada pelo excesso de
trabalho, repetirá as mesmas perguntas, reclamará
do tempo perdido no trânsito, sentará no sofá
durante 15 minutos, dirá que está exausto, morto de
fome e que as crianças o esperam para o jantar.
Pode ser que você não
se identifique com o personagem que acabo de descrever. Talvez você
seja do tipo ultrassensível, que gosta tanto do papai, que
se mortifica ao vê-lo naquele estado, e que na hora de visitá-lo
não encontra forças. Aquele que não vai à
casa da mamãe velhinha que perdeu o juízo, para não
ter o coração despedaçado cada vez que ela
o confunde com o verdureiro.
Talvez, ainda, você seja do
tipo durão, acostumado a agarrar o boi pelos chifres. Nas
visitas-relâmpago, você fará o possível
para animá-lo. Insistirá que é preciso reagir,
que esmorecer é desmerecer, que o pessimismo é metade
do caminho para a sepultura, além de outras pérolas
retiradas dos calendários seicho-no-ie.
Irá embora irritado, decepcionado
com a passividade do progenitor, convencido de que ele se acha naquela
situação porque é - e sempre foi - antes de
tudo um fraco.
Existe uma característica
comum a esses cavalheiros, sejam sensíveis, ultrassensíveis
ou durões: são cidadãos responsáveis,
tão dedicados ao trabalho que não lhes sobra tempo
para nada. Se não passam uma noite sequer com a mãe
hospitalizada é porque precisam correr atrás do ganha-pão.
Por incrível que pareça,
os circunstantes aceitam e repetem essa justificativa, como se as
mulheres não passassem de um bando de desocupadas, à
disposição dos doentes.
Mesmo quando ela é arrimo
de família, casada com um daqueles cidadãos que esganaria
o inventor do trabalho, fosse-lhe dada a oportunidade de encontrá-lo,
é ela que passará a noite ao lado do sogro acamado.
A explicação? Os homens são desajeitados para
essas coisas.
Em mais de 40 anos de medicina,
assisti a tantas demonstrações de empatia e solidariedade
feminina com as pessoas doentes que aprendi a considerar as mulheres
seres mais evoluídos do que nós. São capazes
de esquecer da própria vida, para lutar pela saúde
de um ente querido. Nem falo no caso de um filho, já que
o amor materno é instinto visceral, mas de gente mais distante:
tios, primas e amigas, que se dependessem de nossa companhia estariam
solitárias.
Apesar de me render à grandeza
da alma feminina, reconheço a parcela de culpa que cabe às
mulheres na gênese do egocentrismo masculino nessas situações.
No afã de proteger o filhinho,
as mães procuram mantê-lo distante de tudo que lhe
possa trazer tristeza. Tão naturais e inevitáveis
como o dia e a noite, a doença e a morte são entendidas
por elas como experiências extremas das quais o pimpolho deve
ser poupado.
Estranhamente, a filha não
é educada da mesma maneira. Desde pequena é estimulada
a cuidar das bonecas doentes, a ajudar a mãe quando o irmãozinho
está gripado. Essa exposição precoce às
vicissitudes de nossa existência interage com o espírito
feminino, deixando marcas que se refletirão na forma peculiar
como as mulheres lidam com o sofrimento humano.