O racismo está arraigado
nas profundezas do passado evolutivo e é um dos grandes responsáveis
pela violência no mundo.
Seres humanos dividem o mundo em "nós"
e "eles".
Criadas por razões religiosas,
étnicas, preferências sexuais, futebolísticas ou
de outra natureza, as tensões e suspeições intergrupais
são as grandes responsáveis pela violência no mundo.
O preconceito que resulta dessas divisões
não é consciente, está arraigado nas profundezas
do passado evolutivo, na tendência universal de formarmos coalizões
que nos ajudem a enfrentar os desafios que a vida impõe.
Experimentos conduzidos nos últimos
30 anos mostram que nos reunimos em grupos, mesmo em torno de objetivos
fúteis: o fã-clube de uma cantora, um time ou um piloto
de corrida. E que, ao nos incluirmos em tais agrupamentos, passamos
a acreditar que nossos companheiros são mais inteligentes, espertos,
generosos e dotados de valores morais superiores aos dos membros de
outros grupos.
As pesquisas hoje estão dirigidas
para as razões que nos levam a enxergar o mundo sob essa perspectiva
do "nós" e "eles". Que fatores em nosso passado
evolutivo forjaram a extrema facilidade com que formamos coalizões
e reagimos de forma preconceituosa contra os estranhos a elas?
Para muitos psicólogos, o ódio
dirigido a "eles" tem origem na generosidade manifestada em
relação a "nós" mesmos. Seres humanos
são os únicos animais capazes de cooperar tão intensamente
com pessoas que não fazem parte de seu clã.
Essa característica se deve ao
fato de que a adaptação à vida grupal foi decisiva
à sobrevivência da espécie. Isolados, não
escaparíamos dos predadores ao descer das árvores nas
savanas da África, há cinco ou seis milhões de
anos.
Como consequência, esperamos encontrar
acolhimento e solidariedade quando estamos entre "nós",
porque somos mais amigáveis, altruístas e pacíficos
do que os de fora. Valores morais dessa magnitude nos autorizam a agir
com violência contra inimigos que julgamos não possui-los,
em caso de disputas por territórios, prestígio social,
empregos ou acesso a bens materiais.
Nossos parentes mais próximos
têm uma visão maniqueísta do mundo semelhante à
nossa. Chimpanzés se juntam em bandos que atacam e matam membros
de outras comunidades. Agressões por disputas intergrupais são
descritas também em gorilas, bonobos e orangotangos, grandes
primatas como nós.
O grupo de Laurie Santos, da Universidade
Yale, estudou macacos rhesus, primatas que divergiram dos ancestrais
que deram origem aos humanos 25 a 30 milhões de anos atrás.
Colocados diante de fotografias, eles passavam muito mais tempo encarando
as fotos dos macacos de outras comunidades.
A conclusão é de que nossas
reações diante de estranhos fazem parte de um mecanismo
neural de detecção de ameaças, que nos permite
distinguir rapidamente amigos de inimigos.
Milhões de anos de seleção
natural engendraram um sistema de segurança que erra menos ao
disparar alarmes falsos do que se deixasse passar despercebida uma ameaça
real. Nem todos, porém, reagem às sensações
subjetivas de perigo da mesma maneira. Aqueles que apresentam reações
exacerbadas e desproporcionais são justamente os mais sujeitos
a exibir comportamento preconceituoso.
O preconceito contra "eles"
se manifesta de forma mais clara contra os homens (hipótese do
homem guerreiro). À luz da evolução, foram eles
que fizeram as guerras e atacaram nossos ancestrais.
Talvez por essa razão, homens
negros sofram mais preconceito do que as mulheres da mesma cor, sejam
tratados com mais violência pela polícia, recebam condenações
mais longas, paguem alugueis mais altos e sejam ofendidos nos estádios
de futebol.
Temos ímpetos inatos para levantar
fronteiras intergrupais que separam raças, línguas, comportamentos
sexuais, religiões ou times de futebol. Uma vez que a linha fronteiriça
esteja demarcada, discriminamos automaticamente os que estão
do lado de lá.
Embora o preconceito esteja alojado
em áreas arcaicas do sistema nervoso central, sua expressão
não é inevitável. Nosso córtex cerebral
já evoluiu o suficiente para reprimi-lo, de modo a abandonarmos
a bestialidade do passado e adotarmos condutas racionais centradas na
tolerância e na aceitação da diversidade humana.
Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/racismo-artigo/