A solidão crônica
interfere na qualidade do sono, causa fadiga e reduz a sensação
de prazer
O ISOLAMENTO social aumenta o risco de morte
tanto quanto o cigarro, e mais do que o sedentarismo ou a obesidade.
A relação entre vida solitária, doenças
cardiovasculares, depressão e incidência de infecções
foi demonstrada em mais de cem estudos epidemiológicos publicados
a partir dos anos 1980.
Esses estudos, no entanto, não explicam os mecanismos através
dos quais o isolamento aumenta a mortalidade.
Nos últimos dez anos, os efeitos biológicos da solidão
se tornaram mais conhecidos graças ao trabalho inovador de
um grupo da Universidade de Chicago, dirigido por John Cacciopo.
Por meio de questionários para avaliar o grau de isolamento
social dos participantes de testes psicológicos e de exames
laboratoriais, o grupo de Chicago concluiu que embora episódios
passageiros de solidão sejam inevitáveis e desprovidos
de repercussões orgânicas relevantes, quando o isolamento
persiste de forma crônica, suas consequências se tornam
especialmente nocivas.
Algumas pessoas que vivem isoladas não se sentem solitárias,
enquanto outras têm a sensação de estar sozinhas
apesar da vida social intensa. A percepção subjetiva
da solidão é mais importante para o bem-estar individual
do que qualquer medida objetiva do número de interações
sociais.
Numa escala criada para avaliar o grau de isolamento pessoal, aqueles
com escore mais alto apresentam alterações bioquímicas
sugestivas de que seus dias são conturbados. Neles, por exemplo,
estão elevadas as concentrações urinárias
de cortisol e epinefrina, moléculas associadas aos níveis
de estresse.
Esse dado ajuda a explicar porque os solitários crônicos
ficam estressados diante de situações que outros enfrentam
com naturalidade, como falar em público ou conversar com
desconhecidos.
Na evolução de nossa espécie, a ansiedade provocada
pela solidão funcionou como sinal de alerta para que o indivíduo
procurasse a proteção do grupo. Num mundo povoado
por predadores, que chance de sobrevivência teria um animal
fraco como nós perambulando sozinho?
Nesse sentido, o sofrimento que a solidão traz é faca
de dois gumes: de um lado, colabora para a adaptação
ao meio porque favorece o agrupamento; de outro, prejudica o organismo
quando se torna crônico.
O grupo de Chicago investigou as repercussões imunológicas
do isolamento prolongado. Nos solitários estão mais
ativos os genes que promovem inflamação, enquanto
aqueles envolvidos na resposta imune contra os vírus exibem
atividade diminuída. Por essa razão, eles apresentam
maior susceptibilidade às infecções virais
(da gripe ao HIV) e à doença cardiovascular, enfermidade
associada aos processos inflamatórios.
A solidão crônica interfere com a qualidade do sono,
é causa de fadiga e reduz a sensação de prazer
associada a atividades recreativas. Para agravar o isolamento, os
já solitários tendem a reagir negativamente aos estímulos
e a desenvolver impressões depreciativas a respeito das pessoas
com as quais interagem.
A avaliação das funções cerebrais por
meio de ressonância magnética funcional, mostra que
a solidão crônica afeta o córtex pré-frontal,
área localizada na parte da frente do cérebro, crucial
para a tomada de decisões racionais, como as de planejar
o melhor caminho para o trabalho ou a hora de ir ao banco.
O comprometimento do córtex pré-frontal ajuda a entender
por que as pessoas que se sentem isoladas correm mais risco de comer
mal, fumar, abusar do álcool, ganhar peso e levar vida sedentária.
Estudos com irmãos gêmeos revelam que a solidão
crônica não depende exclusivamente das características
do meio, mas apresenta aspectos hereditários. É como
se existisse um "termostato genético" para a capacidade
de lidar com a solidão, ajustado em níveis diferentes
em cada um de nós.
Isso não quer dizer que nossos genes nos condenariam à
vida solitária, mas que estão por trás da intensidade
da dor sentida quando estamos sós.
Com o celular e a internet criamos possibilidades ilimitadas de
interações sociais, num único dia podemos entrar
em contato com um número de pessoas que nossos antepassados
levariam anos para conhecer. Contraditoriamente, o contingente dos
que se queixam da falta de alguém com quem compartilhar sentimentos
íntimos aumenta em todos os países.