Espiritualidade e Sociedade





Astrid Sayegh

>     Kardec filósofo?

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Astrid Sayegh
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Kardec estruturou a Terceira Revelação partindo dos fatos, dos fenômenos mediúnicos, os quais revelavam uma causa inteligente. Ao ocupar-se das causas dos fenômenos, estruturou a filosofia espírita, que buscava desvelar a causa oculta ou invisível. Desta forma, O livro dos espíritos é uma obra filosófica que parte das causas primeiras, à semelhança de Descartes, que descreveu as três substâncias. Tal raciocínio lógico revela-se na codificação como sui generis, uma vez que a exigência dos fatos constituiu toda uma teoria.

Os homens de sua época exigiram de Kardec que sua palavra fosse clara e concisa, por isso a simplicidade da obra. Não apenas como codificador, mas como coadjuvante de uma obra, estudioso e metódico, Kardec revelou grande sabedoria ao escrever a teoria dos Espíritos, formulando axiomas e corolários que lhes eram revelados pela pátria espiritual. Dedicou-se assim à filosofia espírita, bastante debatida, dada a controvérsia dos partidários de axiomas científicos que ficariam inalterados.

Henri Sausse, em 31 de março de 1896, por ocasião do 27° aniversário do decesso de Allan Kardec, nos traz o seguinte perfil do sábio educador:

"Pensador arrojado e metódico, esse filósofo sábio, clarividente e profundo, trabalhador obstinado cujo labor sacudiu o edifício religioso do Velho Mundo, preparou os fundamentos que serviriam de base à evolução e à renovação de nossa sociedade caduca, impelindo-a para um ideal mais são, mais elevado, para um adiantamento intelectual e moral seguros."

Efetivamente, Sausse cita Kardec como filósofo, e não como codificador apenas, o qual preparou as bases que dariam início a um processo de transformação da humanidade.

Seu Espírito protetor, Z, deu-lhe, por um médium, uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao tempo dos druidas, viviam juntos nas Gálias. Kardec tinha afinidade pessoal com os Espíritos que se comunicaram na codificação. Isto demonstra sua autoridade moral e intelectual, não podendo ser assim considerado apenas como revelador passivo da doutrina dos Espíritos. O fato de ser druida, também, não significa somente que pertencia à sociedade celta, mas que era reconhecido por seus conhecimentos filosóficos e, portanto, dotado de sabedoria.

Teve convivência com a filosofia de sua época, traduzindo para o alemão as obras de Fénelon, filósofo francês do século 17, e um dos autores de mensagens de O evangelho segundo o espiritismo. Escreveu na Revista Espírita uma crítica a Hegel, filósofo alemão do século 19, o que não seria possível sem a compreensão de seu pensamento, considerado como um dos mais complexos da história da filosofia.

Kardec exaltou ainda o positivismo, embora o superasse em direção ao racionalismo, também tendência filosófica do iluminismo. Por positivismo entende-se doutrina filosófica segundo a qual o conhecimento autêntico é apenas o de natureza observável, e Kardec respeitou essa tendência, partindo rigorosamente dos fatos para então compor a teoria. Pelo racionalismo, por sua vez, o verdadeiro conhecimento se dá a priori, a partir de princípios lógicos. Kardec respeitou ambas as concepções, partindo de uma realidade empírica, compondo a ciência espírita, a qual abalizou a filosofia espírita, pautada toda sobre a lógica, o grande critério dado pelos Espíritos. Não poderia fazê-lo sem conhecimento de gnosiologia, ou seja, a parte da filosofia que se ocupa com a estruturação e os métodos da ciência.

Estudou e conheceu lógica para dar aulas de gramática e matemática; tanto conhecia que seus textos têm um encadeamento, desenvolvendo-se em uma cadeia dedutiva – como também O livro dos espíritos – método filosófico por excelência. Para tanto, supõe-se que tenha estudado Aristóteles.

Escreveu A gênese – e não apenas revelou – a partir de raciocínios a priori, portanto lógicos, sem apoio no método experimental. A gênese constitui, pois, uma obra essencialmente filosófica, dada a natureza da sua temática, assim como o método dedutivo aplicado, próprio da filosofia. Eis o Kardec filósofo, intuitivo e lógico, e não apenas observador passivo dos fenômenos exteriores. Reabilita assim a metafísica e não só a reflexão teológica, como na escolástica.

O fato de Kardec partir de A gênese, ou seja, da parte metafísica, já é um ponto de partida para explicar de forma lógica O livro dos espíritos, que se inicia com as causas primeiras. Ele escreveu A gênese por si mesmo e nisto se revela sua verve filosófica. Participou dos textos da codificação e, portanto, não foi apenas um codificador, mas um Espírito de luz, como disse o irmão Z, e que viria secundá-lo. Portanto, não resta dúvida sobre a personalidade de Kardec, que se não é filósofo acadêmico, sua visão sim é filosófica. Coisas diferentes, mas que diferem na alma e não no título acadêmico.

Esta é a visão de Kardec nas próximas décadas, quando perceberem-no como filósofo em magnitude e não por títulos do mundo. Ele foi um homem singular de elevado senso ético, amplos e diversos saberes que soube utilizar o novo conhecimento que se estruturava para aplicá-lo no aperfeiçoamento moral das pessoas e contribuir para uma vida melhor em nosso mundo.

 

Astrid Sayegh é filósofa e coordenadora do Instituto Espírita de Estudos Filosóficos, em São Paulo.

 


Fonte:

Publicado no jornal Correio Fraterno - edição 459 setembro/outubro de 2014
http://www.correiofraterno.com.br/nossas-secoes/108-artigo/1610-kardec-filosofo

 



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