O Espiritismo representa um
patrimônio intelectual de alto valor. Comprova, por meio de
suas investigações científicas, a natureza
espiritual e imortal do ser humano e as leis que regulam sua evolução.
Elaborado filosoficamente, esse conhecimento possibilita a fundamentação
de um corpo de princípios morais capazes de colocar o homem
no caminho seguro de sua felicidade. Um exame do Movimento Espírita
atual revela, no entanto, que ainda falta muito para que a atuação
espírita reflita, de forma mais fiel e completa, a nobreza
do Espiritismo. Os objetivos do Movimento – estudo, desenvolvimento,
divulgação e vivência do Espiritismo –
encontram-se parcialmente comprometidos por aberrações
da prática espírita, propagação de teses
incompatíveis com os fundamentos teóricos do Espiritismo,
divulgação de material de má qualidade, assim
como pelas polêmicas irracionais, pelos ataques a pessoas
e instituições, e, de um modo geral, por comportamentos
anti-fraternos entre os próprios espíritas.
Nós, espíritas, precisamos fazer uma reflexão
isenta, madura e aprofundada sobre essa situação,
contribuindo para que o Movimento se torne verdadeiramente digno
do Espiritismo. Apresentamos em seguida algumas sugestões
preliminares para direcionar essa reflexão.
Aspectos Intelectuais:
1. Preservação do núcleo teórico espírita.
O Espiritismo, como toda disciplina científica, tem um núcleo
de princípios teóricos básicos que fornece
os elementos essenciais para a explicação dos fenômenos
de que a teoria trata. Esse núcleo foi estabelecido por Allan
Kardec. É em torno desse núcleo que o natural desenvolvimento
da teoria deve realizar-se, por complementações e
ajustes na parte menos central da malha teórica. Estudar,
divulgar e priorizar as obras básicas de Allan Kardec, eis
nossa diretriz metodológica central.
2. Tolerância intelectual. Por definição,
o espírita é alguém que, recorrendo à
evidência racional e experimental fornecidas pelo Espiritismo,
já se convenceu acerca da verdade dos aludidos princípios
básicos. No entanto, à semelhança do que ocorre
com as disciplinas acadêmicas, o Espiritismo tem áreas
de fronteira, onde estão se dando os desenvolvimentos teóricos.
Nessas áreas há, naturalmente, questões ainda
não resolvidas, que aguardam o concurso do tempo e dos esforços
de pesquisa para o seu esclarecimento. Faz parte essencial de toda
atividade de pesquisa, tanto na ciência como na filosofia,
a pluralidade de vistas acerca dessas questões em aberto.
Sem tolerância intelectual, a criatividade científica
e filosófica ficaria impedida de contribuir para o avanço
das disciplinas. No meio espírita, há que se cultivar
essa tolerância, aprendendo-se a conviver pacífica
e construtivamente com opiniões divergentes acerca de problemas
teóricos periféricos. O direito ao livre exame deve
ser respeitado sempre.
3. Prudência intelectual. Por outro lado, as pesquisas
nas áreas de fronteira devem ser conduzidas com grande prudência
e equilíbrio, a exemplo do que fez Kardec, a fim de que o
desenvolvimento teórico assente em bases seguras. Muitas
das questões debatidas no Movimento revelam-se, à
luz de análises filosóficas rigorosas, serem questões
mal formuladas, que não são, portanto, passíveis
de solução. Quanto às genuínas, seu
esclarecimento é importante, porém não apressado.
Temos de ser pacientes intelectualmente, e não apenas em
nossa vida comum. O máximo cuidado deve ser exercido para
se separar aquilo que já possui evidência cabal daquilo
que constitui mera especulação ou opinião pessoal.
A exemplo dos fundadores de nossa tradição intelectual,
os filósofos gregos da Antigüidade, devemos isentar
nossas investigações de qualquer interesse pessoal;
o único interesse legítimo deve ser a busca da verdade
como um fim em si.
Aspectos Morais:
4. Fraternidade. Nenhum espírita poderia, sob pena
de agir de forma incompatível com seu conhecimento, resvalar
para o campo da ironia, da indiferença, da discriminação,
e muito menos da inveja, do ciúme, da rudeza e da calúnia
contra quem quer que seja, e especialmente contra companheiros de
ideal espírita. A necessidade de uma elevação
no padrão comportamental espírita é imperiosa
e urgente, para que o valioso patrimônio intelectual de que
somos guardiães não seja dilapidado. Embora a correção
de nossos velhos hábitos não seja tarefa fácil,
a abstenção de agir com animosidade e desamor relativamente
aos espíritas que não pensam exatamente como nós
está ao alcance de todos, com um pouco de reflexão
e esforço. Fraternidade já! Paz no Movimento Espírita!
Tratar todo e qualquer espírita como um irmão querido,
independentemente de existir ou não divergências entre
suas idéias e ações e as deles; perdoar unilateralmente
toda ofensa recebida; exercitar a indulgência. Esses são
nossos lemas morais de aplicação urgente.
5. Sinceridade. A falta de sinceridade é um dos
fatores mais danosos ao relacionamento humano. Especialmente aqueles
que partilham um ideal superior, como nós os espíritas,
temos de ser inteiramente transparentes relativamente às
nossas preocupações, motivos e intenções.
Cada um poderá, assim, agir com maior segurança, e
os projetos coletivos poderão ser desenvolvidos com racionalidade
e previsibilidade. Deve inspirar-nos aqui o exemplo de Paulo de
Tarso, que adotou para si essa regra de conduta e esforçou-se
sempre para que vigorasse na comunidade cristã.
6. Humildade. Complemento indispensável a essa regra
de transparência é a humildade com que devemos receber
toda apreciação de nossas idéias e atos partida
de co-idealistas que interagem conosco com espírito de sinceridade
plena. Partindo do fato inconteste de nossas imensas limitações
intelectuais e morais, devemos receber as opiniões de nossos
companheiros de doutrina com atenção e tranqüilidade,
aproveitando-as no que tiverem de bom para o aperfeiçoamento
de nós próprios e de nossa obra coletiva. Quanto ao
que não houver consenso, confiemos no concurso do tempo e
do desenvolvimento natural do conhecimento espírita para
o devido esclarecimento. Temos suficientes pontos em comum para
nos unir. Melindre nunca! Eis outro princípio fundamental
para aplicação imediata.
Sugestões de leitura:
Sobre os primeiros tempos do Movimento Espírita e a postura
de Kardec diante de suas dificuldades:
• Thiesen, F. e Wantuil. Z. Allan
Kardec (3 vols.) 1ª ed., Rio, FEB, 1979/80.
• Kardec, A. Obras Póstumas. Trad. L. O. Guillon Ribeiro,
18ª ed., Rio, FEB, 1981.
• –––––. Viagem Espírita
em 1862. Trad. W. L. Rodrigues, 2ª ed., Matão, O Clarim,
1981.
Sobre o cuidado com as publicações espíritas:
• Kardec, A. “Deve-se publicar
tudo o que dizem os Espíritos?” Revista Espírita,
novembro 1859.
• –––––. “Exame das comunicações
mediúnicas que nos são endereçadas” Revista
Espírita, maio 1863.
• Cintra, J. C. A. e Castilho, J. A. “Deve-se publicar
tudo? E divulgar tudo o que se publica?” Reformador, abril
de 1988, pp. 104-106.
• Nazareth, J. Z. “Critérios de seleção
e divulgação do livro espírita” Anuário
Espírita 2002, pp. 17-21.
Sobre a ciência espírita, suas relações
com as ciências acadêmicas e suas implicações
morais:
• Chibeni, S. S. “A excelência
metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro
de 1988, pp. 328-333, e dezembro de 1988, pp. 373-378.
• –––––. “O paradigma
espírita”, Reformador, junho de 1994, pp. 176-80.
• –––––. “O Espiritismo
em seu tríplice aspecto: científico, filosófico
e religioso”, Reformador, agosto 2003, pp. 315-319, setembro
2003, pp. 356-359, outubro 2003, pp. 397-399.
Sobre a nossa condição de espírita:
• Chibeni, S. S. “Ser espírita”,
Mundo Espírita, julho 2003, caderno especial.
Sobre as personalidades e missões singulares de Francisco
Cândido Xavier e Yvonne Pereira, bem como suas relações
de estima e colaboração com instituições
espíritas que desempenharam papel histórico importante
na consolidação e preservação do Espiritismo:
• Schubert, S. C. Testemunhos
de Chico Xavier. 1ª Ed., Rio, FEB, 1986.
• Pereira, Y. A. À Luz do Consolador. 1ª ed.,
Rio, FEB, 1997.