Rita Amaral

>    Cidade em Festa: o povo-de-santo (e outros povos) comemora em São Paulo

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Rita Amaral
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Sentidos do festejar

A diversidade e uma das características marcantes da Cidade. É o que lhe imprime contorno e ritmo únicos. Nela convivem todas as possibilidades de expressão criadas pela cultura, seja em termos concretos, como os espaços físicos construídos em formas e materiais distintos, seja em termos simbólicos, como as estéticas, religiosas, arquitetônicas e outras. A dificuldade em se estabelecer uma idéia da metrópole como totalidade, devido à sua extrema heterogeneidade, tem dado origem a diferentes sentimentos e abordagens desta oferta de alternativas. Em poucas palavras, os que analisaram a cidade dividiram-se em dois grandes grupos: o dos autores que viam no modo de vida urbano um fator de desintegração dos valores tradicionais (como a família e a religião) e o dos que viam este modo de vida não como desintegrador, mas gerando um novo padrão cultural, surgido da diversidade: o da sociedade secular, racional, cujas relações se baseariam em interesses práticos e onde os valores tradicionais seriam substituídos por outros, mais adequados a esta formação social moderna, que substituíra o teocentrismo pelo antropocentrismo.

Apesar de ainda muito aceitos atualmente (basta lermos os jornais: a vida nas cidades é sempre apontada como a causa da violência, da solidão, das neuroses, da alienação, dos comportamentos desviantes etc.), os pressupostos destes autores não resistiram a uma análise em profundidade, como mostraram pesquisas posteriores. Notou-se, também, que "toda a atmosfera [das análises da cidade] era fortemente reminiscente do mito da expulsão do homem do paraíso" e do começo da vida social e histórica. O homem não poderia voltar a uma "doce vida rural" e deveria suportar as durezas da vida urbana "no suor do seu rosto", apesar de o desejo inconsciente de retornar ao edênico mundo do campo emergir constantemente. Ruben Oliven observa que na Bíblia o surgimento da primeira cidade está diretamente ligado ao primeiro homicídio, portanto à violência, à transgressão, à infelicidade (OLIVEN, 1982: 22). A vida nas cidades ocidentais, marcadas pela cultura judaico-cristã, é vista então, simbolicamente, como o afastamento do homem de Deus e do Paraíso (sempre descrito como bucólico, campestre, imagem logo associada ao meio rural). Este "afastamento de Deus" encontra seu correspondente no pressuposto da secularização. Quase todos os autores que estudaram a cidade viram nela a tendência ao afastamento da religiosidade, especialmente quando o capitalismo e sua consequente racionalização do tempo e das relações sociais impregnassem o modo de vida de seus habitantes. Mais ainda nas cidades industriais. No Brasil, contudo, em termos empíricos, as coisas não se passaram absolutamente assim. A cidade brasileira mostrou-se profundamente religiosa, festeira e criativa em termos de alternativas de convivência com a tendência homogeneizante da cidade.

(...)

Grupos religiosos também fazem grandes festas: os umbandistas festejam no Ginásio do Ibirapuera o orixá guerreiro Ogum (São Jorge) e, em várias ruas da periferia, São Cosme e São Damião. São universais as festas católicas de São Judas Tadeu, Santa Rita de Cássia e Santo Antonio nos bairros de São Judas, Pari e Centro, respectivamente. E há muitas festas mais, de grupos ou não, que seria impossível indicar aqui, como o Carnaval, as Micaretas, o Dia da Pátria, a Páscoa, Reisados, Festa do Divino etc.

Se a festa nega a submissão do povo ao poder instituído, ao prover suas próprias necessidades ela usa, quando possível, este mesmo poder para conseguir realizar-se. Pede-se ao Serviço Viário que interdite ruas, às Administrações Regionais, à Companhia de Energia Elétrica e às empresas, que divulguem ou financiem alguma coisa. Muitas vezes até mesmo a presença de políticos é bem vinda, pois dá ao evento uma importância maior perante os grupos "adversários" ou perante o público em geral.

Como fato social total que é, a festa engloba as esferas de sentido, transcendência, política, lazer, estética, tradição, trabalho etc. Em alguns casos pode ser também uma forma de resistência sob a aparência de alienação. É o caso da festa de candomblé. Para o povo-de-santo, grupo formado em sua maior parte por uma população menos favorecida economicamente e mais fechado, ela chega mesmo a definir os contornos de um estilo de vida que distingue, pelo gosto particular que o informa (o amor à dança, à música, a sensualidade, o ludismo, o "desperdício", o excesso, elementos definidores da Festa), aqueles que aderem a ele do restante da sociedade, como veremos agora.

A Festa de Candomblé em São Paulo
Desde os primeiros estudos, os autores que investigaram os cultos afro-brasileiros nas diferentes regiões do país, como o candomblé baiano, o xangô pernambucano, o tambor de mina maranhense, o batuque gaúcho e a macumba carioca, constataram a realização de festas onde os grupos religiosos se reuniam para a louvação a seus deuses, que nestas ocasiões possuíam em transe aqueles que para eles eram iniciados.

 

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- A pesquisa que embasa este artigo publicado originalmente em Magnani, J.G. & Torres, L. L (orgs.) Na Metrópole Textos de Antropologia Urbana (EDUSP, 1996) foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Ver, também: Amaral, Rita, Xirê! o Modo de Crer e de Viver do Candomblé (Pallas 2002) e Povo-de-Santo, Povo de festa. O estilo de vida dos adeptos do candomblé paulista. Dissertação de Mestrado. USP, 1992.

Rita Amaral é antropóloga do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, doutora em antropologia social, Ph.D em etnologia afro-brasileira pela USP

 

 

Fonte: http://www.n-a-u.org/Amaral-1996-a.html

 

 

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