Em modesta residência, na periferia,
uma mulher, médium em transe, transmite a manifestação
de um “guia” que atende a aflita jovem:
– Vim pedir-lhe ajuda. Sou casada
há cinco anos. Tenho dois filhos. Vivíamos relativamente
bem, mas ultimamente nosso relacionamento é péssimo.
Meu esposo anda muito nervoso. Brigamos com frequência. Noutro
dia afirmou que se arrepende de ter constituído família.
Creio que se envolveu com alguma aventureira...
– Minha filha – diz a entidade –, seu lar está
ameaçado. Vejo muitas vibrações de pessoas que
não querem sua felicidade e há uma mulher seduzindo
seu marido...
Seguem-se orientações
relacionadas com defumações, velas, banhos de defesa,
rezas... A jovem retira-se confiante. Suas suspeitas estavam confirmadas
e receberia ajuda espiritual.
A médium prossegue no atendimento: um homem com crônica
conjuntivite, o vendedor com dificuldade para colocar seus produtos,
a mulher dominada pela depressão, a adolescente que brigou
com o namorado...
Embora sejam atribulações diversificadas, aparentemente,
segundo a palavra do Espírito, parecem originar-se de fontes
comuns: inveja, perseguição, influência negativa,
vingança...
* * *
Especialistas em atividades
dessa natureza multiplicam-se. Alguns chegam a fazer propaganda de seu
trabalho, em folhetos e anúncios classificados nos jornais, prometendo
prodígios.
Assim como muita gente comparece ao Centro Espírita como se fora
um hospital, há os que frequentam assiduamente esses “consultórios”,
em prática tão antiga quanto o mundo. No tempo de Moisés
era tão disseminada e ocorriam tantos abusos que o eminente patriarca
judeu decidiu proibir a evocação dos mortos.
Oportuno ressaltar que essas atividades nada têm a ver com o Espiritismo,
nem são espíritas aqueles que as desenvolvem. Quando muito,
se não mistificam, são médiuns, cumprindo fazer-se
uma distinção entre mediunismo e a doutrina codificada
por Allan Kardec:
Mediunismo é o intercâmbio
com o Além. Pode ser exercitado por qualquer pessoa dotada
de sensibilidade psíquica, independente de sua condição
social ou religiosa. Há médiuns no seio de todas as
classes sociais e religiões.
O Espiritismo é uma filosofia existencial com bases científicas
e consequências religiosas. O simples enunciado desse tríplice
aspecto impõe uma atitude séria na sua apreciação
e a disposição para o estudo e a análise de seus
postulados, acima dos interesses imediatistas, para que possamos entender
sua grandiosa mensagem.
Destaque-se o empenho a que somos convocados
em favor de nossa própria renovação, sem o
qual jamais seremos espíritas autênticos, como deixa
bem claro Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ao
afirmar: Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação
moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações
más.
* * *
Importante frisar sempre, embora possa
parecer repetitivo, que não devemos procurar os Espíritos
para a solução de problemas que decorrem de nossas próprias
mazelas. Sempre que comparecermos aos consultórios do Além
estejamos conscientes de que dificilmente seremos atendidos por mentores
autênticos. Eles têm assuntos mais importantes a tratar.
Normalmente, os Espíritos que se dedicam a essa atividade, principalmente
quando o médium cobra pelos seus favores, são orientadores
sem orientação, que nada sabem das necessidades reais
dos consulentes e que, para ganhar sua confiança, limitam-se
a dizer o que eles querem ouvir:
A mulher desconfiada da fidelidade
do marido será alertada de que há uma sedutora; quem
não gosta dos vizinhos ouvirá que são invejosos
e lhe desejam o mal; aquele que não se ajusta a empregos será
informado de que sofre perseguições...
Sem a mínima condição
para definir caminhos mais acertados, atuam como palpiteiros, sugerindo
providências e tratamentos que até podem dar certo, como
todo palpite, mas jamais resolvem em definitivo os problemas de seus
protegidos, tornando-os, não raro, mais complexos.
A propósito, vale lembrar a história daquele homem viciado
em pedir favores a um guia, em consultório
nas imediações de sua residência, na mais estreita
dependência. Não dava um passo sem a ajuda do protetor,
que estava mais para palpiteiro, orientando-o precariamente. Certo dia
o protegido pediu amparo mais efetivo:
– O senhor precisa dar um jeito
na minha situação. Cansei de ser pobre...
– O que quer que eu faça, meu filho?
– Quero ganhar uma bolada no jogo do bicho.
– É difícil...
– Mas sei que pode conseguir. Por favor... Preciso muito!...
O Espírito silenciou por alguns
momentos, como quem consulta os alfarrábios do futuro. Depois
recomendou:
– Está bem. Amanhã jogue no número 23.492.
O protegido, todo animado, reuniu seus haveres, vendeu o televisor
e um jogo de sofás; emprestou bom dinheiro de amigos, apropriou-se
do salário da filha mais velha e fez o jogo recomendado, considerando,
em feliz expectativa, que jamais voltaria a passar por aperturas econômicas.
À tarde acompanhou, trêmulo, o sorteio pelo rádio.
O locutor anunciava pausadamente os números sorteados. Quando
chegou a vez do primeiro prêmio, onde repousavam suas esperanças,
a tensão era enorme:
– Vinte e três mil...
– Meu Deus! Vai dar! Vai dar!...
– Quatrocentos e noventa e...
– Estou rico! Já ganhei!...
– ...três.
– Três? Está errado! É dois!
O locutor repetiu:
– Vinte e três mil, quatrocentos e noventa e três.
Pateticamente ele sacudia o rádio:
– Não é três, idiota! É dois! Dois!...
Houve engano!...
Telefonou para a emissora. Não havia erro. Perdera por um algarismo,
enterrando-se em dívidas e aperturas. Correu ao guia.
– Uma desgraça! Joguei o que não possuía
e perdi! O que houve? O senhor recomendou 23.492. Deu 23.493.
O Espírito respondeu cheio de animação:
– Ah! Meu filho! Fico feliz. Quase acertamos! Talvez dê
certo na próxima!
Fora apenas um palpite...
Nossa existência não pode
ser orientada por palpites. É preciso ter certezas. E a certeza
fundamental foi enunciada por Jesus: O Reino de Deus está
dentro de vós! (Lucas: 17-21).
O estado íntimo de serenidade, alegria e bom-ânimo, alicerces
de uma felicidade legítima e duradoura, é uma construção
pessoal, que devemos realizar com o esforço por entender o que
a Vida espera de nós.
Nesse particular a Doutrina Espírita tem muito a nos oferecer,
se nos dispusermos a estudá-la buscando sua orientação
objetiva e segura, sem recorrer a palpiteiros.