Qualquer estudante de sociologia sabe
que a família é a célula principal da sociedade.
Sua influência é decisiva na formação do
indivíduo. Desajustes de comportamento costumam envolver lares
desajustados.
Desequilíbrios emocionais,
vícios, violências, cada vez mais frequentes no relacionamento
social guardam, quase sempre, uma história de agressividade,
desrespeito e falta de amor no lar. Raros escapam aos condicionamentos
do ambiente em que se situam nos primeiros anos de vida.
No lar está a maior influência.
É ali que o indivíduo passa a maior parte de seu tempo
durante a infância. Estudos de comportamento demonstram que
se a criança não é abraçada com frequência
será um adulto incapaz de acariciar.
Se não é amada experimentará
problemas para exercitar amor.
Se cresce em ambiente de palavrões
tenderá ao exercício de uma linguagem obscena.
Se os pais se agridem física
e verbalmente terá dificuldade para superar divergências
com ponderação.
***
O maior problema do relacionamento
familiar é a razão de cada um – sua maneira de
ver as coisas, sob a ótica de suas imperfeições,
gerando atritos entre o homem e a mulher, pais e filhos, irmãos
e irmãs.
Diz a esposa, enfezada: – Meu
marido é doutor em tudo. Está sempre certo. Não
admite contestações.
Enfatiza o marido – Minha mulher
é muito impertinente. Gosta de confusão. Faz tempestade
em copo d'água.
Reclama o filho: – Os coroas
são uns quadrados. Estão totalmente por fora e querem
governar minha vida.
Se todos os membros do grupo familiar
julgam-se donos da verdade fica difícil sustentar uma convivência
saudável. A pretensão de superioridade azeda qualquer
relacionamento e desagrega a família.
Por isso Teresa D'Avila ensinava:
Toda pessoa que quer ser perfeita fuja mil vezes de dizer "eu
tinha razão", "fizeram-me uma injustiça",
"não teve razão quem fez isso".
E acentuava: De más razões
livre-nos Deus.
***
O passo mais importante, no empenho
por decifrar o enigma de nossa personalidade está no reconhecimento
de que nem sempre estamos certos em nossos julgamentos.
Ao admitir que não somos infalíveis
habilitamo-nos a maravilhosas iniciativas que põem água
na fervura dos desentendimentos. Há expressões mágicas
em favor da harmonia doméstica:
– Cometi um erro.
– Você tem razão.
– Fui indelicado.
– Peço perdão.
– Prometo mudar.
Parece simples, não é mesmo, caro leitor?
Puro engano. Quando foi a última vez que pedimos
desculpas ao cônjuge, ao filho, ao genitor, por uma palavra
ou um gesto desrespeitoso? Há pessoas que jamais o fazem.
Por quê? Porque as medidas de nossos raciocínios
no exercício da razão chamam-se orgulho, egoísmo,
inspirando-nos a olímpica ideia de que estamos sempre certos,
com a prerrogativa de dizer a última palavra.
Falta, talvez, um pouco de amor para iluminar o relacionamento
afetivo e nos inspirar raciocínios menos egocêntricos.
Alguém diz: – Amo minha esposa e meus
filhos. No entanto, vivemos às turras.
Ocorre que amar é algo subjetivo. Não
vale grande coisa se não é expresso em ações.
Conta o escritor Tom Anderson que certa feita ouviu
alguém dizer que o amor deve ser exercitado como um ato da
vontade. Uma pessoa pode demonstrar amor através de gestos
bem simples.
Aquilo o impressionou. Admitiu que vinha sendo egoísta
e que o amor familiar havia sido obscurecido por sua insensibilidade.
Não que vivessem mal, mas poderiam melhorar
muito o relacionamento afetivo se, por exemplo, parasse de repreender
sua esposa Evelyn e os filhos; se não ligasse a televisão
no canal de seu interesse, contrariando as expectativas do grupo familiar;
se deixasse de se concentrar na leitura do jornal, sem dar atenção
aos familiares.
Resolveu fazer uma experiência. Durante as
férias de duas semanas, em que estariam juntos na praia, faria
tudo para ser um marido e um pai carinhoso.
Logo de saída beijou a esposa e disse:
– Esse suéter amarelo fica muito
bem em você.
Feliz e surpresa a esposa suspirou:
– Oh! querido, você reparou!
Logo que chegaram à praia Tom pensou em descansar.
Mas a esposa sugeriu que dessem um passeio pelas imediações,
andando junto ao mar.
Ia recusar, mas lembrou da promessa que fizera a
si mesmo. Foi com ela, enquanto os garotos brincavam empinando papagaios.
No dia seguinte Evelyn o convidou para visitar o
museu das conchas. Tom confessa que sempre detestou museus. Mas aceitou
de boa vontade, surpreendendo-se depois ao constatar que havia gostado
do passeio.
Numa das noites não reclamou quando a esposa
demorou para se aprontar e chegaram tarde a um jantar programado.
Assim passaram-se doze dias, que Tom considerou muito
felizes. Prometeu a si mesmo que continuaria com a disposição
de expressar amor. Na última noite, quando se preparavam para
dormir, Evelyn estava muito triste.
– Que há meu bem? Algum problema?
– Tom – disse com voz hesitante
– você sabe de alguma coisa que ignoro?
– Por que pergunta isso?
– Bem, fiz aqueles exames rotineiros
há duas semanas. Segundo o médico estava tudo bem. Disse
algo diferente para você?
– Não querida, não disse
nada. Está tudo ótimo. Por quê?
– É que está sendo tão
bom para mim que imaginei estar com uma grave doença, que ia
morrer...
– Não, querida – respondeu
Tom sorrindo – você não está morrendo. Eu
é que estou começando a viver.
Diz Pascal que o coração tem razões
que a própria razão desconhece. Poderíamos interpretar
de várias formas suas palavras. Fundamentalmente diríamos
que toda a razão do mundo está num coração
capaz de demonstrar amor.