O presente trabalho foi apresentado
por Milton Medran Moreira durante o II Encuentro Espírita
Iberoamericano, que aconteceu na cidade de Salou, Espanha, entre
os dias 1º e 4 de maio de 2014, promovido pela Confederação
Espírita Pan-americana (CEPA), pela Asociación
Internacional para el Progreso del Espiritismo (AIPE) e pelo
Centro Barcelonés de Cultura Espírita (CBCE),
cujo tema central foi "O Espiritismo do Século XXI".
I - ÉTICA – O QUE
É?
Para tratarmos daquilo que poderemos
denominar como “ética espírita”,
é importante, prefacialmente, conceituar o que se pode entender
por “ética”. Recorde-se, para
início destas reflexões, que Allan Kardec, em sua vasta
obra, provavelmente nunca tenha utilizado essa palavra. Usou, entretanto,
com frequência, e com valoração central de todas
as suas reflexões, o termo “moral”.
Poderíamos
dizer que “ética” e “moral” são
sinônimos?
Etimologicamente, as duas palavras são equivalentes. Ética
provém do grego – ethos – que significa “modo
de ser”, e moral deriva do latim – mos-moris
– que tem o significado de “costume”.
Contemporaneamente, tem se buscado distinguir os dois termos, a partir
dos seguintes parâmetros:
Moral seria definida a partir
dos costumes, das regras de comportamento adotados pelos povos, de
conformidade com suas tradições, com suas crenças,
com os ensinos transmitidos e os códigos adotados.
Ética seria a reflexão filosófica
sobre a moral.
Dessa forma, a moral seria normativa, enquanto a
ética seria especulativa.
Mesmo assim, os conceitos ainda se confundem. É corrente, por
exemplo, usar-se a expressão ética
para designar o comportamento normativo de determinadas classes, de
grupos ou segmentos corporativos que se autoprotegem e fazem sua regulamentação
“interna corporis”. Há, assim, uma ética
médica, uma ética empresarial,
uma ética cristã, uma ética
partidária, e, mesmo, uma “ética”
que regula organizações criminosas.
Diferentemente das religiões, Allan Kardec e os espíritos
que entrevistou em sua obra, evitaram prescrever códigos de
conduta. Analisaram, com bastante profundidade, a evolução
do espírito humano, elemento inteligente integrante da Natureza,
desde seus estágios de barbárie, ainda próximos
da animalidade irracional, até o que se convencionou denominar
civilização. Nos estágios mais atrasados da humanidade,
onde predominava a presença de espíritos “simples
e ignorantes”, o ser humano agia fundamentalmente a partir de
suas necessidades materiais, ligadas à sua sobrevivência
física, sem noções mais aprimoradas de moral.
A convivência com o outro e o desenvolvimento da inteligência
é que foram despertando nele a necessidade de ir, paulatinamente,
abrandando o egoísmo e o orgulho, sentimentos que dominavam
o espírito primitivo.
A percepção da existência do outro e da necessidade
da convivência conduziu, necessariamente, à formulação
de regras de sociabilidade.
Para a filosofia espírita, há uma Lei do Progresso,
regendo todo o processo evolutivo do espírito e da qual, necessariamente,
entre outras, deriva uma Lei de Sociedade, cuja vivência
conduz à plenitude da Lei de Justiça, Amor e
Caridade (Terceira Parte de O Livro dos Espíritos,
Leis Morais).
A abordagem espírita é, pois, eminentemente especulativa
e não normativa. Logo, é bastante apropriado falar-se
em uma ÉTICA ESPÍRITA, com características muito
próprias, pois parte de princípios filosóficos
como os da imortalidade do espírito; da evolução
que se dá através das vidas sucessivas;
da lei de causa e efeito; e da imprescindibilidade
da prática das leis naturais, presentes na
própria consciência do ser, para atingir estágios
de perfeição e de felicidade.
Podemos afirmar, assim, a partir disso, que é mais apropriado
falar-se em ética espírita do que em
moral espírita.
Embora a doutrina espírita trate, com propriedade, da lei
natural como sendo “eterna e imutável como
o próprio Deus” (O
Livro dos Espíritos, questão 615),
reconhece que a prática da mesma resulta de um processo evolutivo
lento e gradual. Admite, dessa forma, que
“o
que era outrora um bem, porque era uma necessidade de sua natureza
(do espírito) transforma-se num mal, não só
porque já não constitui uma necessidade, como porque
se torna prejudicial à espiritualização do
ser”.
(A Gênese, Cap.III, Origem do Bem e do Mal).
Fundamentada
na lei natural, eterna e imutável, o espiritismo, notadamente
O Livro dos Espíritos, defendeu valores que, mesmo
ainda não presentes nas leis ou nos costumes dos povos do Século
XIX, poderiam já ser teoricamente antecipados como conquistas
a serem consolidadas pelas sociedades do futuro.
II - O ESPIRITISMO E A ÉTICA
DA MODERNIDADE
Exatamente pelas características
de universalidade e de atemporalidade da ética apregoada pelo
espiritismo, foi possível a Allan Kardec , com base nos diálogos
e questionamentos propostos aos seus interlocutores espirituais, defender,
no Século XIX, a implantação de normas legais
ou consuetudinárias que só seriam consolidadas na pós-modernidade
dos Séculos XX e XXI.
Convém recordar que o espiritismo é um produto genuíno
da Modernidade. O Professor Rivail, discípulo de Pestalozzi,
tinha sólida formação humanista e iluminista,
fundada especialmente no pensamento de Jean Jacques Rousseau (1712/1778).
Em toda sua vida, mesmo antes de se interessar pelo fenômeno
das “mesas girantes”, o educador francês que, mais
tarde, passaria a ser conhecido como Allan Kardec demonstrou sempre
um amor incondicional às ideias novas que modificavam a sociedade,
a partir do Iluminismo e que começaram a produzir frutos mais
concretos na América, com a Declaração de Direitos
da Constituição dos EUA (1791) e, na Europa, com a Revolução
Francesa (1789).
Para a intelectualidade europeia, na qual se inseria Rivail, o pensamento
racional deveria substituir as crenças religiosas e o misticismo
derivado das antigas teocracias medievais. A força da razão
deveria levar a um novo tempo, implantando uma sociedade mais justa,
com direitos iguais capazes de produzir felicidade. Por isso, combatiam
as imposições de caráter religioso e posicionavam-se
contra o absolutismo e os privilégios dados à nobreza
e ao clero. Daí o lema legado pela Revolução
Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Caberia à sociedade
do Século XIX, onde, na prática, perduravam ainda sistemas
absolutistas ligados ao poder civil e religioso, implantar concretamente
essas mudanças.
O Livro dos Espíritos
(1857), tendo como bases filosóficas a existência de
uma“Inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”,
a imortalidade do Espírito e sua vocação permanente
para o progresso (evolução, que se daria pelas vidas
sucessivas), e a comunicabilidade entre a Humanidade encarnada e a
Humanidade desencarnada, defendia concretamente todas as ideias do
Iluminismo racionalista. Mais do que isso, antecipava conceitos que
só seriam normatizados ao curso dos Séculos XX e XXI.
Entre muitos outros, podemos arrolar os seguintes conceitos presentes
em O Livro dos Espíritos que, para a época,
estavam muito avançados e eram ainda veementemente rejeitados
pela religião e ainda não incorporados nos costumes
e legislações vigentes na época. Todos eles compõem
uma ética moderna, praticamente indiscutível nos países
mais democráticos e progressistas, no contexto do Século
XXI, mas que, quando enunciados, em meados do Século XIX, receberam
forte reação da Igreja e/ou do poder civil. Assim:
a) O reconhecimento de direitos trabalhistas,
dando dignidade do trabalhador, nas relações patrão/empregado
(Limite do Trabalho – Repouso – em “Lei do Trabalho”,
O Livro dos Espíritos). Recorde-se que, na Europa,
o liberalismo do Século XIX pregava a não intervenção
estatal nas relações trabalhistas. No Brasil e, em geral,
nos países da América, ainda vigorava o trabalho escravo
e não se falava em Direito do Trabalho, hoje com estatutos
altamente protetores do trabalhador.
b) A outorga de direito ao homem e à mulher de regularem
sua prole, limitando-se a reprodução: “Deus
concedeu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder de que ele
deve usar para o bem, mas não abusar. Pode, pois, regular a
reprodução de acordo com as necessidades, mas não
deve entravá-la desnecessariamente. A ação inteligente
do homem é um contrapeso instituído por Deus para restabelecer
o equilíbrio entre as forças da Natureza...”
(Questão 693-a de O Livro dos Espíritos –
Lei de Reprodução). Devemos considerar que, até
nos dias de hoje, a Igreja Católica posiciona-se contra a quaisquer
meios de limitação de filhos, inclusive o uso de preservativos,
só admitindo como meio contraceptivo a ausência de relações
sexuais em períodos férteis.
c) A aceitação do divórcio.
O Livro dos Espíritos consignou que a indissolubilidade
do casamento, até hoje pregada pela Igreja, se constituía
em “lei humana, muito contrária à lei da Natureza
(“Lei de Reprodução”, Questão 697).
Na época, a institucionalização do divórcio,
nos países de tradição cristã, era tida
como inaceitável. No Brasil, por exemplo, o divórcio
só foi permitido legalmente no ano de 1976, com oposição
ferrenha da Igreja.
d) A rejeição à pena de morte.
Quando da publicação de O Livro dos Espíritos
praticamente todos os países do Ocidente tinham como legal
a pena capital que era aplicada largamente, especialmente por motivos
políticos e ideológicos. A obra fundamental da doutrina
espírita, no entanto, prognosticava a sua total extinção:
“A pena de morte desaparecerá incontestavelmente
e sua supressão assinalará um progresso da Humanidade”
(Questão 760).
e) A globalização – Tendência
da pós-modernidade, a globalização é antecipada
em O Livro dos Espíritos que classificou como impossível
a “reunião de todos os povos da Terra numa só
nação” (Questão 789 – Lei do Progresso),
mas proclamou: “Quando, por toda a parte a lei de Deus servir
de base à lei humana, os povos, como os indivíduos,
praticarão entre si a caridade; então viverão
felizes e em paz, porque ninguém fará mal ao vizinho,
nem viverá à sua custa”. Trata-se de um projeto
de globalização, a partir de uma ética de amor
e de serviço que atinja todos os povos. No longo comentário
trazido por Kardec à questão, consta: “Quando
todos os povos estiverem no mesmo nível, quanto ao sentimento
do bem, a Terra será ponto de reunião exclusivamente
de bons Espíritos, que viverão fraternamente unidos...”.
A novel doutrina aderia, assim, aos desejos da paz mundial, reconhecendo-se
todos os povos e nações, independentemente de suas crenças
e características culturais, como partícipes de uma
única ordem mundial.
f) Igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Dos novos direitos, consagrados na Modernidade, o da igualdade de
sexos talvez seja um dos de mais lenta evolução. Está
na raiz da teologia judaico-cristã o desprezo à mulher.
O Livro dos Espíritos traz também razões
históricas e sociológicas para o tratamento de inferioridade
moral conferido à mulher e derivado “do domínio
injusto e cruel que o homem assumiu sobre ela. Resultado das instituições
sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens
moralmente pouco adiantados, a força faz o direito”,
diz a questão 818. Na sequência do mesmo capítulo,
a questão 822-a defende que “uma legislação,
para ser perfeitamente justa, deve consignar a igualdade de direitos
do homem e da mulher”. É verdade que a mesma questão
de O Livro dos Espíritos faz uma distinção
entre “direitos” e “funções”,
recomendando que “o homem se ocupe do exterior e a mulher
do interior, cada um de acordo com sua aptidão”.
Trata-se de um conceito cultural que também tem se transformado,
na pós-modernidade, onde as mulheres têm avançado
na ocupação de funções antes reservadas
apenas ao sexo masculino. De qualquer sorte, ficou bem evidenciada
a posição da doutrina espírita relativamente
aos direitos da mulher, todos os direitos, políticos e sociais.
Um tema que avança muito especialmente neste Século
XXI.
g) Repúdio à escravidão. Na
época em que foi escrito O Livro dos Espíritos
em vários países, tanto da Europa como da América,
ainda vigorava a escravatura. A Espanha havia abolido a escravidão
no país, em 1837, mas em Porto Rico e Cuba, que eram colônias
suas, a escravidão ainda era legal, só sendo abolida,
respectivamente, nos anos de 1873 e 1879. Portugal só decretaria
a total abolição da escravatura no ano de 1869. No Brasil,
a abolição só se daria em 1888. Nos Estados Unidos,
a luta pela abolição foi desenvolvida, de forma desigual,
nas diferentes regiões e estados, mas somente em 1863, com
a Declaração da Emancipação, Abraham Lincoln
acabava legalmente com a escravidão em todo o país.
O Livro dos Espíritos, anteriormente a todas essas
datas, proclamava claramente na questão 829: “A escravidão
é um abuso da força e desaparecerá com o progresso,
como desaparecerão pouco a pouco todos os abusos”.
(Capítulo “Lei da Liberdade”).
h) Absoluta liberdade de pensamento. Finalmente,
ainda em Lei de Liberdade, e, em tempos onde a França era governada
por um regime absolutista comandado por Napoleão III, na Espanha
bispos ainda tinham poderes para queimar livros e, em Roma, a Santa
Sé combatia com encíclicas a liberdade de pensamento
e a separação da Igreja e do Estado, O Livro dos
Espíritos, corajosamente proclamava: “A consciência
é um pensamento íntimo que pertence ao homem, como todos
os outros pensamentos” (questão 835) e “a
liberdade de é uma das características da verdadeira
civilização e do progresso”. O espiritismo
nascia, assim, totalmente comprometido com a ética de liberdade,
do humanismo e do progresso. Assumia um perfil laico e livre-pensador,
em sentido oposto às posições da religião,
mas fundado em uma filosofia claramente espiritualista.
III – O ESPIRITISMO
E A ÉTICA DA FELICIDADE
Moral, Ética e Direito são conceitos afins. O Direito
dos povos, na mesma medida em que reflete a cultura e os costumes
(moral) de um determinado agrupamento humano, também é
influenciado pelo sentimento de Justiça (lei natural), presente
na consciência do ser humano.
Por isso mesmo, e com muita propriedade,
a questão 795 de O Livro dos Espíritos registra:
“No tempo de barbárie
são os mais fortes que fazem as leis e eles as faziam para
si. Contudo, à proporção que os homens foram
compreendendo melhor a justiça, foi preciso modificá-las.
As leis humanas são tanto menos instáveis quanto mais
se aproximam da verdadeira justiça, isto é, à
medida que são feitas para todos e se identificam com a lei
natural”. (“Lei do Progresso” – Terceira
Parte do L.E.).
A Modernidade, com a qual conquistamos o Estado de Direito se caracteriza
por uma busca incessante de Justiça para todos,
diante do poder do mais forte, considerando-se assim
o fisicamente mais forte, o economicamente
mais forte ou o politicamente mais forte.
O lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade,
Fraternidade – é apontado como um roteiro que se projeta
no tempo e que, nos dois últimos séculos, propiciou
algumas conquistas, mas que oferece, ainda, sérios desafios
na busca de justiça para todos. A conquista dos chamados Direitos
Fundamentais do Homem é um processo, visto hoje através
de uma escala que divide esses direitos em três gerações,
como se expõe a seguir:
a) Direitos de Primeira Geração
(ou Direitos de Liberdade). Eles surgiram nos séculos XVII
e XVIII e foram os primeiros reconhecidos nas Constituições
modernas. São os direitos civis e políticos que o Estado
de Direito arrolou como inerentes ao ser humano. O Estado, até
então, era visto como o grande opressor das liberdades individuais.
No tempo do surgimento do espiritismo – pós-Revolução
Francesa – esses eram os direitos que ainda desafiavam o cenário
político e econômico do Ocidente. Incluem-se nessa geração
o direito à vida, à segurança, à justiça,
à propriedade privada, à liberdade de pensamento, à
expressão, à crença, entre outros. Allan Kardec
arrolou cada um desses direitos entre o que denominou como Lei Divina
ou Natural, na Terceira Parte de O Livro dos Espíritos.
b) Direitos de Segunda Geração (ou
Direitos de Igualdade). Normalmente, esses direitos são chamados
direitos econômicos, porque surgiram após a 2ª Guerra
Mundial, com o chamado Estado Social. Aí estão incluídos
o direito à saúde, ao trabalho, à educação,
ao lazer, ao repouso, à habitação, ao saneamento,
à greve, à associação sindical, etc. Como
já referimos, também aí O Livro dos Espíritos,
antes ainda do advento do Estado Social, já pugnava por eles,
especialmente em Lei do Trabalho, Lei de Sociedade e Lei de Igualdade.
c) Direitos de Terceira Geração (ou
direitos à fraternidade e à solidariedade). De maneira
geral, esses direitos contemplam a Humanidade como um todo, reclamando
processos de globalização, de desenvolvimento solidário,
de preservação do meio-ambiente, de comunicação,
e especialmente o direito à paz mundial. Mas,
avançam também na proteção de minorias
historicamente discriminadas por motivo de raça, de gênero,
de opção sexual. Aí surgem demandas novas como
a do reconhecimento de uniões homoafetivas e inclusive do casamento
entre pessoas do mesmo sexo e de adoção de filhos por
casais homossexuais.
Englobando todos esses direitos e a busca de garantias de sua exequibilidade
no mundo pós-moderno, fala-se, sinteticamente, em Direito
à Felicidade. Diferentemente da tradição
cristã, onde a noção do pecado original e da
redenção pela graça condenava o indivíduo
ao estado de infelicidade terrena para que a felicidade fosse um prêmio
a ser concedida ao cristão após a morte, a sociedade
pós-moderna reconhece o direito intrínseco do ser humano
a ser feliz: psicologicamente feliz, economicamente feliz, familiarmente
feliz, socialmente feliz. Alguns países até já
dispõem de um ministério denominado Ministério
da Felicidade.
É a busca do resgate da dignidade humana, que foi sonegada
ao homem pela opressão do mais forte, incluindo-se aí
a força bruta, ou a dominação religiosa, política
ou econômica. O espiritismo tem compromisso filosófico
com isso. Mas, à luz do espiritismo, a felicidade está
intrinsecamente ligada ao cumprimento da lei natural, fundada na máxima
de Jesus de Nazaré: “Não fazer aos outros o que
não desejamos que nos façam”. A busca da felicidade,
vista dessa forma, leva em conta, essencialmente, a existência
do outro. Ela não é uma tarefa apenas do Estado como
gestor das leis que regem uma Nação. Ela não
deve ser vista como um bem estatal a ser outorgado ao cidadão.
É um dever de todos, governantes e governados, inspirados pelo
sentimento de solidariedade.
Na questão número 614 de O Livro dos Espíritos,
ao definir a lei natural, como aquela que nos diz “o que
devemos fazer ou não fazer”, também está
dito que o ser humano “somente é infeliz quando dela
se afasta”. Ou seja, o ser humano é destinado à
felicidade, e a lei natural traça-lhe o caminho para ser feliz.
Felicidade é regra. Infelicidade é exceção
que resulta, justamente, do descumprimento da lei natural. A felicidade,
a partir dessa visão, só se constrói a partir
da prática da virtude. Não existe a verdadeira felicidade
senão aquela baseada no bem comum, a que não resulta
da violação de direitos de terceiros. Prazer não
é sinônimo de felicidade. Aquele é fugaz e passageiro,
esta é conquista paulatina do espírito e da própria
humanidade no longo aprendizado das vidas sucessivas.
A partir dessa filosofia, na base da qual estão a imortalidade
do espírito e sua evolução, será natural
a integração do espiritismo aos anseios universais de
paz, de equidade, de respeito ao outro, independentemente de sua raça,
de sua cor, de suas preferências políticas, de suas crenças,
ou de suas opções ou tendências sexuais.
Em “A Gênese”, Allan Kardec analisa com
muita propriedade a natural inserção do espiritismo
nessa nova ordem de ideias que começou no Século XVIII,
que amadureceu no Século XIX, que ganhou forma concreta no
Século XX e que avança com propostas desafiadoras neste
Século XXI:
“O Espiritismo não
cria a renovação social; a madureza da Humanidade é
que fará dessa renovação uma necessidade. Por
seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela
amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que
abrange, o Espiritismo é mais apto do que qualquer outra doutrina,
a secundar o movimento de regeneração; por isso, é
ele contemporâneo desse movimento. Surgiu na hora em que podia
ser de utilidade, visto que para ele os tempos são chegados”.
(Cap.XVIII, item 25).
A inserção social do espiritismo, como se vê pelo
posicionamento de Allan Kardec, não está destinada a
ser de vanguarda. Nem devem movê-lo interesses de conquista
de poder, como procedem as ideologias e as religiões. Como
filosofia, o espiritismo está destinado a secundar
os movimentos progressistas e lhes dar sustentação,
a partir da generosidade de suas ideias e de sua visão de homem,
de mundo e de universo.
A ética buscada nesse período da humanidade é,
fundamentalmente, de resgate da dignidade humana e de seu direito
à felicidade. A filosofia espírita se sustenta em pilares
que respaldam esse direito fundamental do ser humano, como espírito
imortal, em processo contínuo de aperfeiçoamento intelectual,
moral e social.
Milton Medran Moreira é
Advogado, Escritor, Jornalista, Colunista do Jornal Diário
Gaúcho, colaborador do jornal Zero Hora, ex-Presidente
da CEPA e atual Presidente do Centro Cultural Espírita
de Porto Alegre.
Texto originalmente publicado
em 21 de junho de 2014