Espiritualidade e Sociedade



Milton R. Medran Moreira

>     E por falar em fim do mundo...

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Milton R. Medran Moreira
>  E por falar em fim do mundo...

 

"Somos seres em construção permanente, e a Terra, esse ainda jovem planeta em que vivemos, oferece imenso potencial de serviços a serem prestados aos espíritos que aqui aportam para mais uma experiência evolutiva."


E, por falar em fim de mundo, me perguntam o que penso a respeito.

Penso que não existe um fim. Nem da gente, nem do mundo. O que existe é um eterno recomeço. Cecília Meireles, poeta de sensibilidade ímpar, disse isso em inspirados versos:

"Tu tens um medo: acabar: Não vês que acabas todo o dia. Que morres no amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que te renovas todo o dia. No amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que és sempre outro. Que és sempre o mesmo. Que morrerás por idades imensas. Até não teres medo de morrer. Então serás eterno".

O cristianismo, ao qual devemos significativo avanço na compreensão da ideia da imortalidade do espírito, também nos legou um profundo desprezo pela vida material. Isso gerou em nós esse mórbido desejo pelo fim da existência. E pelo fim do mundo também, pois nosso planeta foi classificado pela teologia cristã como o "vale de lágrimas", a "sociedade dos ímpios", no dizer de Santo Agostinho.

Os primeiros cristãos, diante dessa visão que tinham do mundo terráqueo, alimentaram a ideia de que seu fim se daria logo ali adiante, pouco depois da vinda de Jesus, tido como salvador. Não passaria da geração seguinte o final dos tempos e somente quem houvesse aceito a boa nova e sido batizado estaria salvo.

Com essa herança no nosso inconsciente coletivo, construímos uma cultura do medo. A crença no fim do mundo, sempre a acontecer proximamente, nos perseguiu por esses 2.000 anos de civilização cristã. Se não acontecia, interpretava-se isso como uma moratória concedida por Deus para que nos emendássemos e, então, merecêssemos ficar por aqui por mais algum tempo. Sempre, porém, com um prazo previamente definido. Ultimamente, místicos de diferentes matizes têm buscado fundamentos para essa crença, além das fontes cristãs onde se sobressai o Apocalipse, em outras culturas. Agora, todas as previsões nesse sentido, até com dia certo, para acontecer, estariam em velhas previsões maias.

Filosofias humanistas, como o é o espiritismo que concilia admiravelmente humanismo com espiritualismo, alimentam outra visão de homem e de mundo. A ideia do fim é substituída pela da mudança permanente. Essa visão contempla o ser humano como uma espécie em contínuo processo de evolução. A lei de evolução, embora formulada como aplicável ao campo da biologia, pode ser vista como fenômeno a atingir todos os setores da vida. Não se aplica exclusivamente ao vasto universo dos átomos, células e compostos orgânicos de que somos feitos. Preside também a formação e o desenvolvimento da consciência que se situa nos domínios do espírito e sua interação com a matéria. Na terceira parte de O Livro dos Espíritos essa visão se faz muito clara em todas as dez leis morais formuladas por Allan Kardec, mas especialmente nas leis de conservação, de destruição e de progresso. Sem se falar na lei de sociedade, que contempla a civilização como um bem a conduzir o homem a comportamentos mais solidários e éticos. Uma visão diametralmente oposta tanto ao materialismo niilista como ao misticismo fatalista.

Enfim, na visão filosófica espírita, não cabe se falar em fim de mundo. Somos seres em construção permanente, e a Terra, esse ainda jovem planeta em que vivemos, oferece imenso potencial de serviços a serem prestados aos espíritos que aqui aportam para mais uma experiência evolutiva. É preciso, isto sim, que aprendamos a tratá-la bem, para que a Terra nos devolva esses cuidados através dos frutos que pode produzir. Daí essa preocupação, crescente em nossos dias, pela ecologia, uma consciência que avança.

Enfim, tudo em nós, e em torno de nós: as células, os átomos, os sentimentos, os sonhos e desejos...Tudo está em constante mutação. O planeta que nos abriga e o universo que nos contém, também se transformam permanentemente. O que acontece, talvez, é que as mudanças ocorrem hoje com mais rapidez. Num ritmo com o qual ainda não nos acostumamos. Por isso, às vezes assustam.

Penso, simplesmente, que estamos um tanto quanto assustados com as mudanças. Daí realimentarmos, ressuscitando-os, os tantos mitos que já não se compatibilizam com nosso tempo.

Dezembro passará sem sobressaltos. Ou, simplesmente, com os sobressaltos compatíveis com o processo de transformação que se acelera. Desde que o mundo é mundo transformações geológicas e sociais, físicas e culturais, se sucedem em processos mais ou menos rápidos. Nós, espíritas, repito, chamamos isso simplesmente de evolução. Mudanças, em qualquer circunstância, pedem tempo, exigem correção de rumos e, quando envolvem atitudes humanas, requerem conscientização. "Natura non facit saltus" - a natureza não dá saltos – já diziam os romanos.

Aprendamos a ler o mundo e a nós próprios com esses olhos. E, então, perderemos o medo do fim, o medo de morrer. Como sugeriu Cecília, está na hora de assumirmos nossa verdadeira identidade, de seres eternos.

 

 

Milton Rubens Medran Moreira é advogado, jornalista, orador espírita e escritor. Reside em Porto Alegre-RS. Foi presidente da Confederação Espírita Pan-Americana no período de 2000 a 2008; dirigente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, onde atuou como secretário e diretor de comunicação social de 1983 a 1986 e do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, do qual é diretor de comunicação social. É autor dos livros "Se Todos Fossem Iguais" (Editora Imprensa Livre, Porto Alegre, 2002), "Direito e Justiça, Um Olhar Espírita" (Editora Imprensa Livre, 2004), "O Espírito de um Novo Tempo ou Um Novo Tempo para o Espírito" (Editora Imprensa Livre, Porto Alegre, 2009).

Fonte: Revista Espírita Harmonia, nº. 190 - http://www.revistaharmonia.com/site/
http://www.abrade.com.br/site/index.php?pag=prod&show=79

 

 

 

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