O objetivo desta matéria é observar
diferentes pontos de vista sobre o “preto-velho” no Espiritismo
(aqui chamado popularmente de “Kardecismo”) para uma reflexão
umbandista sobre tais conceitos.
Muitos de nós, umbandistas, temos amigos e parentes kardecistas
e passamos “saias justas” quando não paramos para
pensar nestas questões antes que elas venham à tona,
no que diz respeito a “evolução” dos espíritos
que trabalham na Umbanda.
DIVALDO E OS PRETOS-VELHOS
Abaixo vemos algumas linhas do irmão Divaldo
Pereira Franco, que é muito respeitado no meio kardecista,
portanto formador de opinião, também nós o respeitamos
e admiramos seu esforço, trabalho e dedicação
a obra espírita de Allan Kardec no plano material.
“Na cultura brasileira, remanescente do africanismo,
há uma postura muito pieguista, que é a do preto-velho.
E muitas pessoas acham que é sintoma de boa mediunidade ser
instrumento de preto-velho. Quando lhes explicamos que não
há pretos-velhos, nem "brancos-velhos" (?!), que
todos são Espíritos, ficam muito magoadas, dizendo
que nós, espíritas, não gostamos de pretos-velhos.
E lhes explicamos que não é o gostar ou não
gostar. Se tivessem lido em O Livro dos Médiuns, O Laboratório
do Mundo Espiritual, saberiam que se a entidade mantém determinadas
características do mundo físico, é porque se
trata de um ser atrasado.
Imagine o Espírito que manquejava na Terra, porque teve uma
perna amputada, ter de aparecer somente com a perna amputada. Ele
pode aparecer conforme queira, para fazer-se identificar, não
que seja o seu estado espiritual.
Quando, ao retornar à Pátria da Verdade, com os conhecimentos
das suas múltiplas reencarnações anteriores,
pode apresentar-se conforme lhe aprouver.
Então, a questão do preto velho é um fenômeno
de natureza animista africanista, de natureza piegas.
Porque nós achamos que o fato de ter sido preto e velho,
tem que ser Espírito bom, e não é. Pois houve
muito preto velho escravo que era mau, tão cruel quanto o
branco, insidioso e venal. E também houve e há muito
branco velho que é venal, é indigno e corrompido.
O fato de ter sido branco ou preto não quer dizer que seja
um Espírito bom. Cabe ao médium ter cuidado com esses
atavismos, e quando esses Espíritos vierem falando errado,
ou mantendo os cacoetes característicos das reencarnações
passadas, aclarar-lhes quanto à desnecessidade disso”.
[...]1
1 - Encontramos
este “fragmento de texto” ou “recorte”, acima,
nos sites: www.abadeesp.hpg.ig.com.br/requisitosmediuni.htm
Como parte de um texto intitulado “Requisitos
para Educar a Mediunidade” por Divaldo Pereira Franco. No site:
www.scribd.com/doc/6670433/Divaldo-Franco-mediuns-e-Mediunidade encontramos
o mesmo texto como a segunda parte de uma apostila, 10 páginas,
intitulada “Médiuns e Mediunidade”.
Esta postura e ponto de vista de Divaldo Pereira Franco
também pode ser observada no: http://www.youtube.com/watch?v=jiSlMMCtSlE
- Conferido na data de 02/04/2009, onde podemos ouvir a seguinte gravação:
“O Espírito que se apresenta para o
grupo como preto-velho ou preta-velha e se diz orientador de sofredores
e amigo ou amiga do grupo pode ser levado a sério?
Não pode. Esse espírito pode ser muito bom, mas é
muito ignorante. E a nossa tarefa é retirar a ignorância,
os amigos notem bem, porque que ele tem que ser um “preto-velho”?
“Ah! Eu sou um Preto-velho!” Dr. Bezerra é velho,
mas não é um “branco-velho”, notem uma
discriminação, está no nosso inconsciente discriminar.
“Ah! Eu sou um “preto-velho”.
- Não meu irmão, você foi, você agora
não tem cor, você superou, esta encarnação
foi muito benéfica para você, desenvolveu sua humildade,
mas você agora, note você é um espírito!
Espírito não tem cor! Você pode reassumir outras
reencarnações, então tire de sua mente esta
sua condição de escravo”. [...]
Vejamos agora a postura de Chico Xavier:
CHICO XAVIER E OS PRETOS-VELHOS
Chico Xavier também foi questionado sobre "Preto-velho"
no programa Pinga Fogo, onde foi entrevistado, em 28 de Julho de 1971
na extinta TV Tupi:
Reali Júnior — O senhor acha que os
espíritos que se manifestam nos Terreiros de Umbanda, dizendo-se
guias de cura, pretos velhos, índios, caboclos, são
espíritos evoluídos? Como explica as curas conseguidas
por muita gente conhecida, em terreiros? Será que o mal,
pode apresentar-se através do bem, ou então tomando
a sua forma?
Chico Xavier — Nós respeitamos a religião de
Umbanda, como devemos respeitar todas as religiões. Vamos
recorrer aos casos das leis cármicas. Nos séculos
passados, nos três, quatro séculos passados, nós
— vamos dizer coletivamente — não estamos falando
do ponto de vista individual, mas na condição de brasileiros,
buscamos no berço onde nasceram milhões de irmãos
nossos reencarnados nas plagas africanas para que eles servissem
nas nossas casas, nas nossas famílias, instituições
e organizações, na condição de alimárias.
Eles se incorporaram, depois de desencarnados, às nossas
famílias. Eles renasceram de nosso próprio sangue,
nas condições de nossos irmãos para receberem,
de nossa parte, uma compensação que é a compensação
chamada do amor, para que eles sejam devidamente educados, encaminhados,
tanto quanto nos pretendemos educar-nos, e encaminhar-nos para o
progresso. Então temos a religião da Umbanda, que
vem como uma organização dos espíritos, recentemente,
porque quatro séculos significam um tempo curto nos caminhos
da eternidade. Recentemente trazidos para o Brasil eles se organizaram
agora, seja numa condição ou noutra. Nós, no
Brasil, não conseguimos pensar em termos de cor. Nós
todos somos irmãos. De modo que eles organizaram uma religião
sumamente respeitada também. Eles também veneram a
Deus, com outros nomes. Veneram os emissários de Deus, com
outros nomes. Respeitamos todos e acreditamos que em toda parte
onde o nome de Deus é pronunciado, o bem pode se fazer.
Chico Xavier também deu uma entrevista para a revista “Seleções
de Umbanda”, jornalista Alcione Reis, com a presença
do querido irmão Umbandista e Sacerdote Omolubá:
Seleções de Umbanda: A seu ver como
sente a Umbanda atual?
Chico Xavier: Eu sempre compreendi a Umbanda como uma comunidade
de corações profundamente veiculados a caridade com
a benção de Jesus Cristo e nesta base eu sempre devotei
ao movimento umbandista no Brasil o máximo de respeito e
a maior admiração.
PRETO-VELHO FALA COM KARDEC
Para uma reflexão mais abrangente, colocamos
abaixo o texto encontrado no blog de nosso irmão umbandista
“Mestre Azul”:
"PRETO VELHO FALA COM KARDEC"
Pouca gente sabe, mas numa das reuniões realizadas
na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Allan Kardec
evocou um Espírito que, segundo as terminologias da cultura
brasileira, poderia ser classificado como um “preto velho”.
Esse encontro, narrado pelo próprio Kardec nas páginas
da sua histórica “Revista Espírita” (Revue
Spirite), de junho de 1859, aconteceu na reunião do dia 25
de março daquele mesmo ano. Pai César – este o
nome do Espírito comunicante – havia desencarnado em
8 de fevereiro também de 1859 com 138 anos de idade –
segundo davam conta as notícias da época –, fato
este que certamente chamou a atenção do Codificador,
que logo se interessou em obter, da Espiritualidade, mais informações
sobre o falecido, que havia encerrado a sua existência física
perto de Covington, nos Estados Unidos.
Pai César havia nascido na África e
tinha sido levado para a Louisiana quando tinha apenas 15 anos.
Antes de iniciar a sessão em que se faria presente
Pai César, Allan Kardec indagou ao Espírito São
Luís, que coordenava o trabalho, se haveria algum impedimento
em evocar aquele companheiro recém-chegado ao Plano Espiritual.
Ao que respondeu São Luís que não, prontificando-se,
inclusive, a prestar auxílio no intercâmbio. E assim
se fez. A comunicação, contudo, mal iniciada, já
conclamou os participantes do grupo a muitas reflexões. Na
sua mensagem, Pai César desabafou, expondo a todos as mágoas
guardadas em seu coração, fruto dos sofrimentos por
que passara na Terra em função do preconceito que naqueles
dias graçava em ainda maior escala do que hoje. E tamanhas
eram as feridas que trazia no peito que chegou a dizer a Kardec que
não gostaria de voltar à Terra novamente como negro,
estaria assim, no seu entendimento, fugindo da maldade, fruto da ignorância
humana. Quando indagado também sobre sua idade, se tinha vivido
mesmo 138 anos, Pai César disse não ter certeza, fato
compreensível, como esclarece o Codificador, visto que os negros
não possuíam naqueles tempos registro civil de nascimento,
sobretudo os oriundos da África, pelo que só poderiam
ter uma noção aproximada da sua idade real.
A comunicação de Pai César certamente
ajudou Kardec, em muito, a reforçar as suas teses contra o
preconceito, o mesmo preconceito que o levou a fazer, dois anos depois,
nas páginas da mesma “Revista Espírita”,
em outubro de 1861, a declaração a seguir, na qual deixou
patente o papel que o Espiritismo teria no processo evolutivo da Humanidade,
ajudando a pôr fim na escuridão que ainda subjuga mentes
e corações:
“O Espiritismo, restituindo ao espírito
o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade
da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente
todas as distinções estabelecidas entre os homens
segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as
quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos
preconceitos de cor.”
A fonte deste texto está no site:
http://mestreazul.blogspot.com/2008/05/umbanda-preto-velho-kardec.html
do irmão Mestre Azul que cita uma outra fonte:
SERVIÇO ESPÍRITA DE INFORMAÇÕES
ed. nº 2090 (19/04/2008)
Este diálogo pode ser confirmado no livro “Tesouros da
Revista Espírita de Allan Kardec”, Ed. FEESP, 2008, pp.101-
102 e abaixo coloco apenas um fragmento do texto original:
Kardec: Em que o senhor utiliza seu tempo, agora?
Pai César: Procuro me esclarecer e pensar em que corpo seria
melhor eu nascer de novo.
Kardec: Quando estava vivo, o que achava dos brancos?
Pai César: Achava que eram bons, mas tinham orgulho de uma
brancura que não é mérito deles [...]
Kardec: O senhor disse que estava procurando um corpo para reencarnar;
vai escolher um corpo branco ou negro?
Pai César: Branco, porque o desprezo das pessoas me faz sofrer
[...]
PRETO-VELHO NA UMBANDA
Salvo estar totalmente enganado, Divaldo e Chico tem
posicionamento diferente com relação ao “preto-velho”
e Kardec não encontrou nenhum entrave em estabelecer comunicação
com o espírito de um ex-escravo, “Pai César”.
Não vamos fazer juízo de valor, nem questionar a postura
kardecista, mas, enquanto umbandista, quero esclarecer a condição
espiritual daquele que se apresenta como “preto-velho”
na Umbanda, que tem orgulho de sua condição e que não
mais é atingido pelas injúrias da carne.
Para tal invoco os fatos registrados no dia 15 de Novembro de 1908,
quando Zélio de Moraes, participando de uma sessão kardecista
presenciou espíritos de ex-escravos, negros, “pretos-velhos”,
serem “convidados a se retirar” de tal sessão.
Zélio incorpora uma entidade que pergunta: “Porque expulsam
estes humildes?” em seguida explica que foi Frei Gabriel de
Malagrida, no entanto também havia sido um índio brasileiro
e era como índio que se apresentaria em uma nova religião,
a Umbanda, assumindo o nome de Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Sei que muitos estão cansados de ouvir a história do
Caboclo das Sete Encruzilhadas, no entanto as palavras diretas deste
caboclo não deixam duvidas, de que se manifesta como índio
por que quer, vem como caboclo por opção e não
por falta de opção.
Da mesma forma os “pretos-velhos” da Umbanda, se manifestam
de tal forma por opção, muitos nem foram negros e nem
velhos na ultima encarnação, muito menos escravos. A
identidade “preto-velho” é uma forma de manifestação,
é um grau ou se preferir algo como uma “patente”.
É também uma homenagem a tantos espíritos iluminados
e missionários que encarnaram como escravos negros, apenas
para orientar a nós outros que convivemos com eles naquele
tempo.
Por fim, devemos esclarecer que “pretos-velhos” se manifestam
em falanges, vários espíritos assumem um mesmo nome
e uma mesma forma plasmada, o que caracteriza a organização
astral de suas atividades, em uma hierarquia que responde a um irmão
mais velho - um hierarca, “dono do nome” - que foi ou
assumiu para si o nome de Pai João, Mãe Maria e outros.
A opção de se manifestar como um “negro-escravo”
que é o “preto velho” causa de forma automática
um impacto doutrinário, que nos faz entrar em reflexões
de auto análise com relação a nossos valores
de credo e raça.
E implicada um questionamento de “quem somos nós?”
para reclamar de tantas coisas pequenas em nossa vida para alguém
que sofreu no cativeiro. “Preto velho” é uma “roupagem”,
uma forma plasmada opcional e se bebem ou fumam é por manipular
estes elementos, na Umbanda que é mágica, nunca por
vício ou apego.