A volta do Espírito ao mundo corpóreo é conhecida
desde tempos remotos. Os Egípcios, os Hindus e os Gregos sabiam
que a alma poderia voltar à Terra, usando um novo corpo. Esses
povos acreditavam que, por efeito de determinada punição,
essa volta à vida física poderia dar-se até num
corpo animal.
Também os Judeus sabiam da volta do Espírito ao mundo
corpóreo, mas não há referências que admitissem
pudesse esse retorno dar-se num corpo que não fosse humano. A
reencarnação, para eles, ocorria em algumas situações
um tanto especiais: ou para concluir o que não tivessem conseguido
terminar numa vida, ou para serem punidos, face a males praticados.
Quando o doutor da lei perguntou a Jesus: “Mestre, que farei para
herdar a vida eterna”? (1), não estaria ele querendo que
Jesus lhe ensinasse alguma fórmula especial, uma espécie
de atalho, que o desobrigasse de voltar à Terra, numa nova encarnação?
É difícil imaginar que o doutor da lei estivesse se referindo
à obtenção da imortalidade, pois os Judeus tinham
convicção profunda a esse respeito. Tudo indica que ele
pretendia lhe ensinasse Jesus um procedimento que o livrasse do retorno
aos trabalhos do mundo, como acontece ainda hoje com pessoas que, ao
se inteirarem da reencarnação – sem levarem em conta
a necessidade evolutiva –, solicitam expedientes que lhes possibilitem
não terem mais que voltar à Terra...
Há outra situação em que os Judeus julgavam ser
possível a reencarnação: o cumprimento de missão.
O exemplo mais claro é o da esperada volta do Profeta Elias para
a preparação dos caminhos do Messias, conforme atesta
o próprio Mestre: “E, se quereis dar crédito, é
este o Elias que havia de vir” (2), referindo-se a João
Batista.
Coube ao Espiritismo trazer o conhecimento da reencarnação
ao mundo ocidental, e o fez dando uma visão muito mais ampla
e profunda, demonstrando que todos os Espíritos reencarnam, não
apenas para a solução de equívocos de uma vida
passada, ou para o cumprimento de determinada missão, mas pela
necessidade inerente a toda a criação: o imperativo do
progresso, da evolução.
Em verdade, ainda que não houvesse nenhuma afirmação
a respeito da pluralidade das existências, ela seria depreendida
como necessidade absoluta, face à amplitude do programa de aperfeiçoamento
da alma apresentado por Jesus, através do Evangelho. De quanto
milênios vamos necessitar para pormos em prática, integralmente,
um ensinamento como esse: “Eu, porém, vos digo: Amai os
vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos
perseguem e caluniam”(3)? De quantos milênios vamos necessitar,
nós Espíritos ainda vacilantes entre o bem e o mal, que
não sabemos amar plenamente nem os amigos? O Codificador demonstra
sua visão lúcida a respeito do assunto, quando inquire
os Espíritos: “Como pode a alma, que não alcançou
a perfeição durante a vida corpórea, acabar de
depurar-se?”(4)
A reencarnação – opondo-se frontalmente à
salvação gratuita pela fé – dignifica o Espírito
imortal, que vai galgando os degraus do aperfeiçoamento ao longo
dos milênios sucessivos, crescendo em sentimento e intelectualidade,
num trabalhoso processo de exteriorização da herança
divina, concedida igualmente a todos os Espíritos. No nascedouro,
todos absolutamente iguais. As diferenças individuais, portanto,
não decorrem de capricho divino, mas sim do empenho de cada Espírito
no sentido de promover o seu próprio progresso. Nesse caminhar,
vai recebendo, por justiça, os frutos de todo o bem semeado,
e, em função dessa mesma justiça, é compelido
a reparar os males praticados, mas não em igual medida, graças
à misericórdia divina.
O Espiritismo, ao revelar ao mundo ocidental a reencarnação,
prova que a verdade religiosa não é incompatível
com a verdade científica, explicando que a evolução
do Espírito caminha pari passu com a evolução física
demonstrada por Darwin, ao tempo em que resgata diante da consciência
humana um dos atributos básicos de um Ser Perfeito: a Justiça.
Tudo provém de uma mesma fonte, todos partimos de um mesmo ponto,
dotados da mesma potencialidade evolutiva, conforme ensinaram os Espíritos:
“É assim que tudo serve, tudo se encadeia na Natureza,
desde o átomo primitivo ao arcanjo, que também começou
por ser átomo.” (5) Por conhecer essa luz divina imanente
em toda a criação, é que Jesus lançou o
desafio evolutivo: “Assim resplandeça a vossa luz diante
dos homens (...)”. (6)
A evolução do Espírito fica muito evidente nas
palavras de Jesus, quando se declara, ele também, um Espírito
em evolução: “Na verdade, na verdade vos digo que
aquele que crê em mim também fará as obras que eu
faço, e as fará maiores do que estas (...).”(7)
É verdade que no dia em que chegarmos a fazer o que o Mestre
fazia à época em que pronunciou essas palavras –
daqui a alguns milhões de anos –, pensando que nos igualamos
a ele, ele estará ainda à nossa frente, pois ele disse
que poderíamos fazer obras maiores do que as que ele fazia, mas
não disse que nós o ultrapassaríamos. Ultrapassaremos
o ponto evolutivo em que ele se encontrava naquele dia, mas ele estará
ainda à nossa frente, de vez que a evolução é
infinita. E nós nem sabemos o que é infinito, a não
ser através de uma definição terrivelmente circular:
“aquilo que não tem fim”!
Kardec, em brilhante ensaio (8), defende, com argumentação
irretorquível, o imperativo da reencarnação sob
a ótica da justiça e da misericórdia de Deus. É
um trabalho monumental, até hoje não contestado por filósofo
ou teólogo algum. Muitos livros foram escritos tendo como tema
a reencarnação, mas não se conhece nenhum trabalho
sério que rebata os argumentos ali apresentados.
Aos argumentos alinhados pelo Codificador, pode-se ainda acrescentar
uma série de outros, graças aos esclarecimentos trazidos
pelo Espiritismo:
Se o Espírito fosse criado juntamente com o corpo, como ficaria
a justiça divina ante a flagrante diferença que existe
entre as oportunidades deferidas ao homem e à mulher, na família,
na sociedade e até mesmo nas religiões? Seria o caso de
a mulher perguntar – e muitas perguntam – por que Deus as
criou mulheres, sem as consultar, para sofrerem, em muitos casos, cerceamento
de liberdade por parte dos pais, e depois as exigências e, não
raro, a brutalidade dos maridos, enquanto lhes pesam nos ombros as sérias
responsabilidades no encaminhamento e na manutenção da
saúde dos filhos. O Espiritismo, dentro de uma visão evolucionista,
mostra que o Espírito não tem sexo, podendo encarnar-se
como homem ou como mulher, segundo o seu livre-arbítrio.
De acordo com a doutrina da unicidade das existências, a criação
de novas almas não seria decorrente da vontade do Criador, mas
estaria sujeita ao arbítrio dos casais, pois que poderiam usar
um contraceptivo, impedindo Deus de usar o Seu poder de criar uma nova
alma. O Espiritismo nos ensina que, ao usar qualquer recurso anticoncepcional,
um casal apenas impede que um Espírito, já criado por
Deus, que já encarnou-se outras vezes, volte à Terra para
uma nova etapa de aprendizagem.
No caso de um estupro, por que se valeria Deus de um ato de violência,
de ultraje, de desrespeito, para criar um Espírito? Onde estaria
a justiça divina, se outros são criados, ao contrário,
em momentos de amor sublime, como filhos altamente desejados? Por que
teria esse Espírito, fruto de uma violência, de ficar estigmatizado
por toda a Eternidade? Através dos esclarecimentos da Doutrina
Espírita, sabe-se que o acontecimento brutal que se deu tem causas
anteriores, e que o Espírito que se reencarna, aceitando ou sendo
compelido a aceitar uma situação dessa natureza, tem ligações
de natureza vária, estabelecidas no passado, principalmente com
aquela que lhe será mãe.
Se não houvesse experiências anteriores, como explicar
a rebeldia, a brutalidade, o mau caráter de um filho que tem
toda uma ancestralidade constituída de pessoas dignas? Alguém
poderá objetar, dizendo que é herança genética
de um parente longínquo. Mas que culpa têm os pais? Por
que Deus permitiria que esses gens danosos entrassem na formação
daquela alma? A prosperar essa idéia, chegar-se-ia ao absurdo
de, no esforço de impedir Deus de criar Espíritos de mau
caráter, dever-se-ia esterilizar todos os que não fossem
portadores de virtudes. Seria assim fácil “aperfeiçoar”
a raça humana, como pretenderam, no campo físico, os cultores
da louca teoria da raça pura.
O Espiritismo esclarece que ninguém herda inteligência,
virtudes ou defeitos morais, por serem atributos do Espírito,
que os traz como bagagem própria, intransferível quando
reencarna. Se um casal tem um filho que lhes nega as linhas morais da
família, trata-se de um Espírito que foi por eles adotado,
em função do desejo de auxiliá-lo, ou o receberam
como conseqüência de um passado comprometido com ele, “porquanto
o Espírito já existia antes da formação
do corpo.” (9) Dentro dessa linha de raciocínio, chega-se
à conclusão que todos os filhos são adotivos, enquanto
Espíritos criados por Deus. O casal apenas “fornece o invólucro
corporal.” (9) Diga-se, de passagem, que, para um ajustamento
de linguagem, dever-se-ia dizer: filhos consangüíneos e
não-consangüíneos, porque todos são adotivos.
A doutrina reencarnacionista é a única que não
é racista, pois demonstra que Deus não seria justo se
criasse um Espírito imortal dentro de uma raça. O Espírito
é criado por Deus e evolui, passando pela humanização,
no processo de angelizar-se. Ao humanizar-se, encarna-se inúmeras
vezes, nas mais variadas raças, mas seu início, sua criação
não está vinculada a grupo étnico nenhum. A bem
dizer, todos os Espíritos pertencemos a uma única raça,
pertencemos à raça divina, porque somos filhos de Deus.
Bibliografia
Novo Testamento:
(1) - Lc, 10: 25
(2) - Mt, 11: 14
(3) - Mt, 5: 44
(6) - Mt, 5: 16
(7) - Jo, 14:12
O Livro dos Espíritos:
(4) - item 166
(5) - item 540
(8) - item 222
O Evangelho segundo o Espiritismo:
(9) Cap. 14, item 8
Fonte: Publicado no Reformador –
set. 2004
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