Na atualidade essa passagem evangélica
ainda é motivo de controvérsias religiosas, sendo às
vezes utilizada para justificar atos contrários à moral
ensinada e exemplificada pelo Cristo. Nada mais justo, portanto, do
que buscar esclarecimentos que auxiliem a correta interpretação
do simbolismo "espada", presente no texto de Mateus. Armando-se
de prudência, o interpretador não se deixa sucumbir pelo
jugo da letra, apoiando-se no lembrete de Paulo de Tarso: "Pois
a letra mata, mas o Espírito comunica a vida" (2
Coríntios, 3:6).
Nessas condições, é possível extrair a
essência do verdadeiro significado da mensagem cristã,
livrando-a de adulterações de qualquer natureza. Deve-se
levar em conta que a interpretação simbólica
de textos religiosos, independentemente da religião, exige
ponderação e discernimento por parte do estudioso, estando
este consciente dos prejuízos que uma análise superficial
ou apressada pode resultar para o adepto.
Em termos históricos, a palavra
símbolo vincula-se a outras:
[...] alegoria, atributo, metáfora,
parábola, emblema, arquétipo, sinal de sorte, hieróglifos,
sinais elementares.Cada um desses conceitos pode fazer parte de
uma área de estudo multidisciplinar. (3)
Na verdade, a interpretação
dos símbolos remonta às tradições muito
antigas, fazendo parte do programa desenvolvido nas escolas iniciáticas
e nas sociedades secretas. De acordo com Udo Becker,
[...] Na origem da palavra símbolo
encontra-se o verbo grego symballein, que significa reunir, juntar.
O substantivo correspondente é symbolon. A palavra "symbolon"
é encontrada pela primeira vez no Egito antigo num selo de
chumbo do tipo dos que se usavam na Antiguidade como uma espécie
de marca de identidade, confeccionado de diferentes materiais –
chamados tesserae em latim. [...] Mas ao mesmo tempo o verbo symballein
passou a ser usado em expressões que descreviam a ideia de
reunir, de ocultar ou encobrir. Portanto, o sinal transformado em
símbolo encobria, dissimulava o sentido aberto do que era
representado ou de uma expressão: quem não era iniciado
não podia mais entender a expressão assim oculta.
(3)
Por outro lado, era uso corrente o
vocábulo symbolum, exclusivamente utilizado pelos religiosos,
para indicar "[...] os artigos de fé de uma comunidade
religiosa resumidos em poucas afirmações fundamentais,
com o qual sempre estava associado algo misterioso, um arcano".(3)
Contudo, com o passar do tempo, e dentro do contexto cultural, o símbolo
passou a ser identificado como algo evocativo, místico ou mágico,
um meio que permite expressar conteúdos mentais: ideias, crenças,
sentimentos, vontade, estado de espírito etc.
Em consequência, qualquer interpretação simbólica,
no presente, exige um certo grau de maturidade espiritual e conhecimento
especializado, sobretudo porque, diante de "[...] um número
incontável de símbolos ou sinais simbólicos,
toda seleção será sempre uma seleção
pessoal, consciente ou inconscientemente feita pelo autor". (3)
Retornando ao texto evangélico, citado no início do
artigo, é oportuno inserir a seguinte interpretação
de Emmanuel, relativa ao aludido versículo do Evangelho –
"Não penseis que vim trazer paz sobre a terra. Não
vim trazer paz, mas espada":
Inúmeros
leitores do Evangelho perturbam-se ante essas afirmativas do Mestre
Divino, porquanto o conceito de paz, entre os homens, desde muitos
séculos foi visceralmente viciado. Na expressão comum,
ter paz significa haver atingido garantias exteriores, dentro das
quais possa o corpo vegetar sem cuidados, rodeando-se o homem de
servidores, apodrecendo na ociosidade e ausentando-se dos movimentos
da vida. Jesus não poderia endossar tranquilidade desse jaez
[...]. (4)
Entretanto, o
que dizem os orientadores espirituais sobre o simbolismo "espada",
inserido na citação evangélica? Emmanuel elucida
com sabedoria, a respeito:
[...] em contraposição
ao falso princípio estabelecido no mundo, [Jesus] trouxe
consigo a luta regeneradora, a espada simbólica do conhecimento
interior pela revelação divina, a fim de que o homem
inicie a batalha do aperfeiçoamento em si mesmo. O Mestre
veio instalar o combate da redenção sobre a Terra.
Desde o seu ensinamento primeiro, foi formada a frente da batalha
sem sangue, destinada à iluminação do caminho
humano. E Ele mesmo foi o primeiro a inaugurar o testemunho pelos
sacrifícios supremos. (4)
A interpretação
literal dessa lição evangélica é estímulo
à discórdia e às lutas fraticidas, sempre geradoras
de tragédias e sofrimento. A medida de equilíbrio que
se aplica é, então, avaliar: a) que tipo de paz buscamos,
a da vaidade humana ou a do Cristo? b) Que instrumentos devemos utilizar
para obtê-la?
Por meio de uma reflexão séria e honesta, fica mais
fácil perceber que
É indispensável
não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo. A calma
do plano inferior pode não passar de estacionamento. A serenidade
das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da Luz
Imortal. O mundo consegue proporcionar muitos acordos e arranjos
nesse terreno, mas somente o Senhor pode outorgar ao espírito
a paz verdadeira. (5)
Resta-nos, pois,
ficar atentos às ponderaçoes do Benfeitor:
Há muitos
ímpios, caluniadores, criminosos e indiferentes que desfrutam
a paz do mundo. [...]
Não te esqueças, contudo, de que a paz do mundo pode
ser, muitas vezes, o sono enfermiço da alma. Busca, desse
modo, aquela paz do Senhor, paz que excede o entendimento, por nascida
e cultivada, portas adentro do espírito, no campo da consciência
e no santuário do coração. (5)
A espada simbólica
anunciada pelo Cristo procura, à luz do Espiritismo, remover
imperfeições morais manifestadas nos pensamentos, palavras
e comportamentos dos indivíduos que ainda não conseguem
abrir mão dos prazeres fictícios e transitórios
da existência. Afirma Emmanuel:
Sim, na verdade
o Cristo trouxe ao mundo a espada renovadora da guerra contra o
mal, constituindo em si mesmo a divina fonte de repouso aos corações
que se unem ao seu amor; esses, nas mais perigosas situações
da Terra, encontram, nele, a serenidade inalterável. É
que Jesus começou o combate de salvação para
a Humanidade, representando, ao mesmo tempo, o sustentáculo
da paz sublime para todos os homens bons e sinceros. (4)