Após socorrer-se da imagem do corpo humano como modelo integrado
e funcional de uma instituição, Paulo propõe
aos discípulos de Corinto a seguinte distribuição
de tarefas:
1. apóstolos,
2. médiuns psicofônicos (profetas),
3. expositores (mestres),
4. médiuns de cura para doenças orgânicas (milagres),
5. médiuns de cura para distúrbios mentais e emocionais
(dom de cura),
6. trabalhos de assistência social,
7. trabalhos administrativos,
8. médiuns xenoglóssicos (dom de línguas).
Destaca-se que a função, digamos, gerencial da instituição
ficou posta em sétimo lugar, numa hierarquia de oito atividades
específicas, nas quais avulta o exercício de bem definidas
faculdades mediúnicas.
É claro o recado: Paulo deseja as tarefas administrativas reduzidas
a um mínimo indispensável e que não se sobreponham
às demais, que considera prioritárias, embora ele insista
na importância de cada uma para o conjunto, cabendo aos apóstolos,
como trabalhadores diretos da palavra do Cristo, a indiscutível
liderança do grupo, sempre que presentes.
Lamentavelmente, contudo, os administradores das comunidades –
núcleo central da futura classe sacerdotal – não
se conformavam com esse posicionamento que, praticamente, nenhum poder
lhes conferia, e trataram de manobrar para subverter a escala de valores
do Apóstolo dos Gentios. Para encurtar uma longa história:
decorrido não mais que um século, eles estavam no topo
da estrutura, uma vez que os ocupantes iniciais dessa posição
– os apóstolos – já haviam partido, e os
médiuns haviam sido, pouco a pouco, silenciados.
Por outro lado, a partir de certo momento, a Igreja Primitiva optou
pelo critério quantitativo, que produzia massas maiores de
manobrar. Acontece que os núcleos de poder atraem precisamente
aqueles que buscam o exercício do poder e não os que
desejam contribuir com a sua modesta parcela de trabalho, mas não
se sentem fascinados pelo mando. O resultado foi o que se viu e ainda
se vê: uma instituição rigidamente hierarquizada,
volumosa pirâmide de poder civil, econômico, social e
político, na qual pouco espaço resta – se é
que resta – para implementação do ideário
do Cristo, que teria de ser, necessariamente, a prioridade absoluta
do sistema.
Essas reflexões ocorrem a propósito de situações
semelhantes ou muito parecidas, que estamos testemunhando no movimento
espírita contemporâneo, com disputas entre os que desejam
entrar e os que não querem sair, mesmo após 20 ou 30
anos de comando. Em alguns desses casos, segundo sabemos, a regra
é uma espécie de vitalidade que vai aos extremos da
intenção dinástica.
Esboçam-se, em tais casos, verdadeiras campanhas, segundo modelos
político-partidários, nos quais figura, com destaque,
intensa atividade promocional desta ou daquela chapa. Confesso, contudo,
certo desconforto, quando percebo um açodamento maior e uma
paixão mais intensa nas campanhas que se travam, às
claras e nos bastidores, em torno de certos postos de comando administrativo.
E, principalmente, de um travo meio estranho de azedume e hostilidade
entre as diversas facções.
Se eu tivesse de votar, gostaria de conhecer, com antecedência,
a verdadeira motivação dessas pessoas, o que de fato
pretendem fazer uma vez assumidas as funções para as
quais forem eventualmente escolhidas, e que tipo de contribuição
se comprometem a dar, não apenas no trato da Doutrina. Isto
se pode aferir com a possível aproximação, ainda
que não com a precisão desejável, pelo que as
pessoas empenhadas na disputa tenham dito, escrito ou realizado, no
passado, e as posturas que hajam assumido como espíritas, dentro
e fora do movimento. É claro que, uma vez que os eleitores
as escolhem e elas assumem os cargos, é o consenso resultante
de cada um que vai determinar os rumos da ação administrativa,
mas não apenas isso, e, principalmente, de que maneira será
tratada a Doutrina dos Espíritos, da qual o movimento é
apenas o corpo físico?
Se me concedem, pois, o modesto direito de sugerir ou opinar sobre
algo, deixem-me pedir aos companheiros que escolhem dirigentes no
movimento espírita um momento de silêncio interior, de
serena meditação, de lúcida avaliação,
uma cuidadosa preparação, a fim de que possam exercer
com plena consciência de suas responsabilidades o direito de
decidir a quem serão entregues as tarefas administrativas e
representativas do movimento espírita.
O voto de cada um pode acarretar inesperadas consequências,
a curto, médio ou a longíssimo tempo, tanto na sustentação
do Espiritismo enquanto Doutrina, que traz em si as matrizes ideológicas
do futuro, como tentativa frustrada (mais uma!) de implementar um
modelo racional e inteligente a promover as reformas éticas
de que tanto necessita a civilização moderna.