VIOLÊNCIA
E NORMOSE
Notadamente a violência ganha
destaque nos noticiários. Não faltam as estatísticas
apontando que vivemos dias em que assumimos posturas belicosas em
escala alarmante, levando os analistas sociais, jornalistas, curiosos
e pensadores apontarem em relevo o nosso modo desordenado de ser
e estar em coletividade, colocando a vida humana em nível
de baixa consideração na disputa de migalhas que passam.
Os niilistas, que apostam estarmos vivendo dias de caos, distribuem
uma concepção pessimista da vida, ressaltam que nos
tornamos agressivos enquanto civilização que reproduz
comportamentos apenas concebíveis em tempos de barbárie,
presentes em nosso passado ancestral. Outros, os defensores de posturas
beligerantes gritam em defesa da indústria das armas, defendendo
o direito do cidadão, do suposto homem de bem de matar caso
se veja constrangido por indivíduos de caráter agressivo
ou homicida.
A grande massa prossegue indiferente, aprisionada no estágio
de normose – a patologia da normalidade, segundo Pierre Weill
– a que se vê acometida, seguindo os padrões
comportamentais pouco ou quase nada reflexivos, dando conta de rotineiramente
trabalhar, comer, consumir, gozar e dormir celeremente, sem fruir
o momento presente, sem atentarem para o rumo que dão ás
suas vidas e à mesquinhez de seus projetos existenciais ególatras,
quando os têm...
Entorpecidos, os indivíduos normóticos não
se apercebem do absurdo dos quadros de violência que desenhamos
no painel dos relacionamentos humanos, dos mais simples aos complexos,
ou os consideram comuns e até mesmo necessários –
quase um eixo orientador das condutas humanas, ou seja, algo totalmente
normal.
São Espíritos condicionados pela interdição
do pensar, nas vidas sucessivas e no além-túmulo,
típica dos regimes autoritários fomentadores de revolta
ou covardia e das religiões fundamentalistas do oriente ou
do ocidente que lhes inspiraram a submissão intelectual aos
dogmas e adesão irreflexiva às suas práticas
ou aos discursos.
UM ALERTA QUE MERECE ATENÇÃO
Numa das páginas do ZERO HORA (02/02/2009) chega-nos a manchete:
“2008 violento no RS – o ano que mais se matou na década”.
Segundo a informação desse conceituado jornal gaúcho
as disputas vinculadas ao tráfico de drogas favoreceram essa
conclusão pautada em estatísticas policiais. Dentre
os 12.746 homicídios no Rio Grande do Sul na década
atual 1.641 pertenceram ao ano passado, o maior número da
década.
Segundo ainda o referido jornal, o que contribui para que esses
números alarmantes prossigam são a miséria
presente nas periferias que abriu as portas à instalação
funesta do tráfico de drogas e o meio de reduzi-la seria
a implantação de ações coletivas de
combate ao mesmo.
Como sabemos, à luz dos saberes espiritistas, a violência
impingida pela indústria do tráfico, por mais terrível
que seja é apenas uma das facetas da hidra da violência.
Temos a violência da fome, do desemprego, da miséria
material, do analfabetismo e da ignorância, do aviltamento
dos recursos públicos, das guerras fratricidas, dos conflitos
entre gangues e de nossas atitudes agressivas culturalmente toleráveis
no cotidiano da vida de relação.
Oportunamente, escrevi sobre a questão da violência
no meu livro “Saberes de Espiritualidade e Paz” e peço
licença para citá-lo em sua página dezessete,
procurando identificar o que está no fundo de nossas ações
agressivas: “Os comportamentos agressivos denunciam a falta
de contenção da criatura humana frente aos apelos
da pulsão de morte (...)”.
Conter-se, ou seja, controlar-se, substituir o hábito da
cólera pelo respirar profundamente e aprender a pensar eticamente
sobre nossas atitudes para, pouco a pouco, deixarmos de ser tão
reativos ante as ameaças impostas por terceiros.
A contenção dos impulsos agressivos pede que nos perquiramos
a fim de que percebamos o quanto as atitudes violentas nos desumanizam,
ou seja, afastam-nos dos valores humanos e da senda de progresso
espiritual que buscamos para a aquisição das virtudes
na prática consistente do bem.
Retribuir a violência na mesma medida em que outrem nos hostiliza
é alimentar um círculo vicioso de anti-fraternidade
e mergulhar num fluxo causal e complicador de sofrimento totalmente
dispensável ante o entendimento da transitoriedade da vida
física e da nossa vocação ontológica
à plenitude.
Um caminho sábio apresentado pelos prepostos do Cristo nas
mais diferentes tendências do pensamento, inspiradas espiritualmente
pelo Seu amor e corporificado na prática por Gandhi, é
o da não-violência ativa.
A NÃO-VIOLÊNCIA ATIVA
Trata-se da assunção de uma atitude de rejeição
consciente a toda e qualquer forma de violência ou, como propunha
Gandhi, a ação de não-cooperação
com tudo aquilo que é humilhante.
E, no campo dos conflitos humanos essa prática pede a instauração
do perdão entre os litigantes, onde a ausência de rancor
abre as portas do coração à estima e à
amizade. Eis um desafio que se nos apresenta, do qual não
podemos esperar que os outros assumam.
A não-violência ativa não depende do governo,
das instituições sociais ou religiosas, parece-me
que devemos encará-la como uma questão a ser assumida
pessoalmente como sendo uma resposta corajosa aos comportamentos
agressivos que grassam em nossa casa planetária.
Aderir à violência seria reproduzir a postura duelista
do passado onde era legitimado culturalmente o porte da arma para
dar prontidão ao sujeito frente à suposta necessidade
de defesa da pátria, de suas crenças, honra e vida.
Jesus, ao contrário do que crêem e fazem alguns cristãos,
lecionou a não-violência ativa quando propôs:
“Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e
orai pelos que vos perseguem e caluniam (...).” 2
Kardec, ao se referir a essa proposta do Mestre Inolvidável,
ensina-nos que amar os inimigos é “não lhes
guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança;
é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições,
o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo
a reconciliação com eles; é desejar-lhes o
bem e não o mal (...)”3
é, enfim, lhes retribuir o mal que nos façam com o
bem que esteja ao nosso alcance de fazer, tudo isso em prol mesmo
da felicidade que tanto almejamos e que somente pode ser conquistada
na medida em que eliminamos as sombras interiores de nossas imperfeições
na aprendizagem prática das virtudes.
Atentemos: não-violência ativa é praticar constantemente
o bem!
ESTUDANDO KARDEC:
“Os duelos tomam-se cada vez mais raros – ao menos na
França – e se vemos ainda, de vez em quando, dolorosos
exemplos, seu número já não é comparável
aos de outrora. Antigamente um homem não saía de casa
sem prever um encontro, em conseqüência do que tomava
precauções. Um sinal característico dos costumes
da época e da gente estava no porte habitual, ostensivo ou
oculto, de armas ofensivas e defensivas. A abolição
desse uso testemunha o abrandamento dos costumes; e é curioso
seguir-lhe a gradação desde aquela época em
que os cavaleiros jamais cavalgaram sem armadura e armados de lança,
até o simples porte da espada, mais como ornamento e acessório
do brasão, do que arma agressiva. Outro traço dos
costumes é que outrora os combates singulares se davam em
plena rua, perante a multidão que se afastava para deixar
o campo livre, e que hoje são ocultos. Hoje a morte de um
homem é um acontecimento comovente. Outrora não se
prestava atenção. O Espiritismo apagará esses
últimos vestígios da barbárie, inculcando nos
homens o espírito de caridade e de fraternidade.” 4