O Espiritismo
sobre um ponto de vista novo
Quando Allan Kardec começou a publicar a Revista
Espírita passou a fazer circular de forma mais
sistemática a produção em torno de um novo campo
de pesquisas: o da investigação positiva em torno do Espírito.
No contexto das academias, os cientistas se pautavam no paradigma positivista
ou no espírito positivo, advogado por Comte, que pretendia superar
os estados teológicos e metafísicos do pensamento humano,
configurando-se num olhar investigativo guindado à apreciação
sistemática dos fatos existentes.
Conforme a perspectiva adotada por esse ícone do positivismo,
uma lei geral do movimento fundamental da humanidade remetia ao entendimento
de que as teorias científicas deveriam aproximar-se cada vez
mais da considerada realidade dos objetos de estudo, numa pretensão
de verdade, controle e exatidão.
Em toda a sua obra, onde partilhava os saberes da Ciência do Infinito,
Kardec ressaltava o caráter científico do Espiritismo
procurando firmá-lo e difundi-lo através da rigorosidade
metodológica que o seu quefazer de pesquisador do invisível
exigia.
Ao afirmar que o Espiritismo é uma ciência positiva (1),
Allan Kardec queria que a Doutrina Filosófica dos Espíritos
fosse apreciada por um novo prisma. Pois, segundo ele, o Espiritismo
é a ciência que se ocupa, pela observação
e controle do fenômeno espírita, das relações
entre o mundo visível e invisível, tendo revelado com
o elemento espiritual uma das leis da natureza ignorada pela ciência
materialista até então: a ação do Espírito
sobre a matéria.
Assim, atendendo aos critérios das ciências positivas do
século XIX, sendo elaborado na observação de fatos
e não em especulações hipotéticas, o Espiritismo
um dia adquiriria cidadania entre as demais.
Uma ciência interexistencial
Sendo uma ciência cujo método
foi elaborado por Kardec, o Espiritismo pelo próprio era definido
como uma produção coletiva e progressiva. Aliás,
ele jamais se intitulou o seu fundador querendo para si os louros de
sua dedicação apesar da historiografia registrar, de forma
inequívoca, a fundação desse campo de pesquisas
pelo Prof. Rivail.
Ocorre que Kardec tinha a percepção de que as inteligências
invisíveis capazes de interagirem de forma objetiva e subjetiva
com o mundo material foram permitindo o registro e o controle científico
de suas intervenções, dentro de uma programática
superior que definia a desopacização do mundo espírita
aos olhos das criaturas domiciliadas na carne.
Desse modo, o mestre foi ajustando, no processual de seu quefazer, seus
pressupostos teóricos e metodológicos ao objeto de estudo,
apontando uma obviedade por demais atual, ao menos no campo das ciências
humanas, donde provenho: há de se considerar que a especificidade
de certo objeto científico demanda uma metodologia e técnicas
de investigação específicas para a apreensão
do mesmo.
Essa atitude de Kardec fez com que sua pesquisa se diferenciasse e muito
de outras que lhe precederam, pois, ao admitir as escolhas, a vontade,
os limites e as possibilidades evolutivas das individualidades espirituais
na produção das manifestações inteligentes
e materiais, alargou o horizonte da investigação de modo
a evitar que se enquadrasse o fenômeno espírita às
estruturas conceituais rígidas e se descartasse os dados que
os instrumentos, produzidos no âmbito de um paradigma materialista,
comumente consideravam inválidos.
O que caracterizaria um avanço epistemológico para o campo
das ciências da alma, em pleno século XIX, embora admirado
pela aposta na experimentação, foi compreendido inicialmente
por Richet (2), o fundador da Metapsíquica,
por credulidade exagerada como, talvez, também teriam imaginado
outros pesquisadores que não se aprofundaram na produção
de Kardec.
Enfim, os Espíritos igualmente pautaram o trabalho científico
de Kardec a partir de suas manifestações que, em pleno
tempo de elogio à razão e à experimentação,
organizaram verdadeira invasão ao mundo dos denominados vivos
afetando os horizontes culturais da Ciência à Religião.
E, no que tange à composição do conteúdo
filosófico do Espiritismo o mestre Allan Kardec teve o cuidado
de estabelecer dois critérios de exame: o da razão e o
do controle universal do ensino dos Espíritos.
A razão, ou o bom senso, era adotada como filtro principal, afastando
o conhecimento produzido, em regime de colaboração entre
médiuns, Espíritos e Kardec, de qualquer mescla com superstições
ou dogmas.
O segundo critério, o do controle universal, demonstra que o
Espiritismo não é fruto de uma concepção
individual, da opinião de um sábio ou um Espírito,
apenas. Aliás, característica marcante do fazer científico
consiste no regime de colaboração, de partilha de saberes
mediante a comunicação de métodos, experiências,
dados e análises nos diferentes campos de pesquisa, ou seja,
a produção coletiva.
Para levar a efeito tal controle, Kardec se utilizava de variados médiuns
e Espíritos, entre comunicações espontâneas
e evocações, para apreender a solução de
diversos problemas filosóficos e questões sobre o mundo
dos Espíritos a fim de comparar, após a análise
severa da razão, o conteúdo daquelas e, com base na concordância
coletiva, estabelecer os princípios da Doutrina Espírita.
ESTUDANDO KARDEC
"Se há um meio de chegar
à verdade, seguramente é pela concordância e pela
racionalidade das comunicações, auxiliadas pelos meios
que temos à nossa disposição para constatar a superioridade
ou a inferioridade dos Espíritos. Ao deixar de ser individual
para se tornar coletiva, a opinião adquire um maior grau de autenticidade,
já que não pode ser considerada como resultado de uma
influência pessoal ou local. Os que ainda se acham em dúvida
terão uma base para fixar as idéias, porquanto será
irracional pensar que aquele que em seu ponto de vista está só,
ou quase só, tenha razão contra todos." (3)
Notas:
(1) KARDEC, Allan. O espiritismo é
uma ciência positiva. In: KARDEC, Allan. Revista Espírita:
jornal de estudos psicológicos. Ano sétimo
– 1864. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: Federação
Espírita Brasileira, 2008, P. 434.
(2) MAGALHÃES, Samuel Nunes. Charles Richet: o apóstolo
da ciência e do espiritismo. Rio de Janeiro: Federação
Espírita Brasileira, 2007, p. 160.
(3) KARDEC, Allan. Controle do Ensino Espírita. In: KARDEC, Allan.
Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos.
Ano sétimo – 1862. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília:
Federação Espírita Brasileira, 2008, P. 36.
Fonte: http://estudandokardec.blogspot.com/2009/12/ciencia-espirita-e-colaboracao.html