Pode parecer um absurdo espiritizar
o Centro Espírita e um tanto paradoxal. No entanto, há
Centro Espírita que só tem o rótulo, mas não
tem Espiritismo.
Vamos por partes, porque é
muito delicado.
Fui convidado a proferir uma conferência
em um Centro Espírita no sul do país. Normalmente, quando
recebo convite, não atendo, porque pode ser entusiasmo da pessoa.
No segundo convite eu digo: “para o ano, volte a escrever.”
Isso é para ver se a pessoa está mesmo interessada.
Para o ano a pessoa volta a escrever e eu digo: “para o ano,
na programação, nós vamos agendar.”
E, naquela Casa, fui postergando por
um período de seis a oito anos, por falta de tempo, até
que o presidente insistiu tanto que fiquei constrangido e dei um jeito.
Disse-lhe, na carta: “mande-me
as datas que lhe são ideais e eu escolherei aquela compatível
com minha programação.” Estabelecemos a data e
por seis meses correspondemo-nos e tudo foi muito bem.
No dia marcado cheguei à cidade e fui a uma bela instituição.
Edifício monumental. Uma grande sala. Quando cheguei à
porta, fui recebido por uma comissão muito gentil e estabeleceu-se
o seguinte diálogo:
- Senhor Divaldo, o Presidente pede desculpas por não ter podido
vir receber o Senhor.
Eu disse: “é muito natural, não há problema.”
- Aqui está o Vice-Presidente, o Secretário, o Tesoureiro,
e nós desejamos recebê-lo, porque o nosso Presidente
está, no prédio vizinho, fazendo cromoterapia.
- “Eu não sabia que ele era cromoterapeuta,” falei.
“Ele é profissional, naturalmente?”
- “Não! Ele é espírita”, responderam-me.
- Deixe-me ver: ele é o Presidente do Centro e é o presidente
da cromoterapia? Ele me convidou para vir aqui durante oito anos.
Marcou a data e foi fazer a cromoterapia!
- É porque a cromoterapia é muito importante. Está
salvando milhares de vidas.
- Que graça! Eu sempre pensei que o Espiritismo está
salvando milhões de vidas.
Será esta a imagem de um Centro Espírita? Em absoluto.
O Centro Espírita não tem que se envolver com nenhuma
terapia alternativa. É até um desrespeito, porque o
cromoterapeuta é alguém que estudou. Ele tem sua clínica
e o Centro Espírita não se pode transformar numa clínica
alternativa. É lugar de transformação moral do
indivíduo, onde se viaja ao cerne do problema para arrancá-lo.
Se transformarmos um Centro Espírita em uma clínica,
para lá vão pessoas aturdidas. Qualquer coisa esdrúxula
que anunciemos no jornal haverá uma massa incontável
que adere por necessidade de pedir socorro.
Mas o Espiritismo não ilude, não mente e nem posterga
a ação, porque ele é herança de Jesus.
E Jesus, com todo o amor, dizia a verdade. Seja o nosso falar: sim,
sim, não, não, conforme Ele o fazia. Não iremos
dizer de forma grotesca ou agressiva, mas iremos dizer de uma forma
verdadeira. É melhor, às vezes, perder o amigo agora
porque não conivimos e o termos depois, do que o apoiarmos
e o perdermos em definitivo, quando ele notar a nossa fraude.
Então, Joanna de Ângelis manda ESPIRITIZAR.
Tenho ouvido oradores em casas Espíritas apresentarem temas
maravilhosos, mas que não são nada espíritas.
Temas que podem narrar no Rotary, na Maçonaria, no Lions, numa
reunião social. Na Casa Espírita pode-se abordar qualquer
tema, à luz do Espiritismo. Fazer as conotações
espíritas.
Se aconteceu uma tragédia na cidade, vamos examiná-la,
à luz do Espiritismo. Está no momento da clonagem. Vamos
falar sobre clonagem, à luz da Doutrina Espírita. Está
nos noticiários a corrupção. Vamos falar sobre
a corrupção e a terapia Espírita.
Infelizmente não está ocorrendo isso. Convida-se, às
vezes, oradores admiráveis, fascinantes, porém, totalmente
deslocados. Palestras que se pode ouvir em qualquer lugar.
Na Casa Espírita vão as pessoas atormentadas, buscando
consolação, com a alma despedaçada pela morte
de seres queridos e, se ouvem uma coisa que nada tem a ver com a proposta
da Doutrina Espírita, saem desoladas. Agindo assim, estaremos
fraudando a proposta do Espiritismo.
Temos visto congressos espíritas - não é crítica,
é análise – em que se aborda Terapia pela dança.
É uma maravilha. Mas não num congresso espírita.
Vamos fazer isso num congresso de Yoga, que respeitamos muito, ou
num congresso de psicoterapia e então coloquemos música,
metais, cristais, mas não num congresso espírita.
Ah! É porque nossos irmãos estão doentes, justificam.
Nesse caso, falemos das causas das doenças. Das causas anteriores
das aflições. Das causas atuais das aflições.
A terapia da dança podemos encontrar em qualquer setor do mundo
social, respeitável e nobre. Mas quando vamos à Casa
Espírita, esperamos encontrar a proposta espírita.
O Centro Espírita tem que ser o lugar de Doutrina Espírita.
Daí o Centro Espírita tem que ser espiritizado. É
a proposta de Joanna de Ângelis.
A segunda vertente de sua proposta é QUALIFICAR.
Vivemos hoje a época da qualidade total. Qualificação
é indispensável. Nós, às vezes vamos à
Casa Espírita com nossos hábitos ancestrais, o que é
natural. Mas o fato de entrarmos na Casa Espírita não
muda nossa existência. Levamos a nossa qualificação
muitas vezes empírica, singela, e vamos exercer certas funções
para as quais não estamos qualificados.
Vemos, por exemplo, um literato, que não entende absolutamente
de contabilidade, sendo o tesoureiro do Centro. Vamos ver o indivíduo
aplicando a terapia dos passes, mas que, de maneira nenhuma se preparou
para isso. Vamos ver no atendimento fraterno uma pessoa que tem muito
bom coração, mas não tem o menor tato psicológico.
Temos que qualificar-nos.
O que é qualificar? É adquirir características
essenciais, típicas das finalidades que vamos exercer na vida
prática.
Se eu, por exemplo, quero dedicar-me ao atendimento fraterno, devo
fazer um curso. Por isso, os Centros Espíritas devem estar
vinculados ao chamado movimento organizado, porque as nossas Casas
Federativas dispõem de equipes para nos esclarecer, para nos
informar, para ministrar cursos.
Quando vemos, por exemplo, a Federação Espírita
do Paraná (FEP), oferecer-nos o jornal Mundo Espírita
por um preço irrisório, que muitos ainda não
pagam, chegar às nossas mãos todo o mês, com pontualidade,
trazendo-nos mensagens libertadoras de consciência, comovo-me
com esse trabalho.
Se ligarmos o rádio, aí está um programa de orientação
espírita, o Momento Espírita, já transmitido
por uma cadeia de rádios em várias cidades do País.
Seria interessante se cada um dos senhores, nas suas cidades, entrassem
em contato com a FEP e, ao invés de fazer programa de rádio
sem nenhuma habilidade, sem qualificação, colocassem
o programa que é transmitido em Curitiba, que é de excelente
qualidade, narrado por pessoa qualificada, desde a voz, uma voz agradável,
muito bem empostada. É uma mensagem muito bem trabalhada, apresentando
várias conotações para o enriquecimento das pessoas
espíritas e não espíritas.
Muitas pessoas confundem qualificação com elitismo.
E as pessoas dizem: “está elitizando!”.
Minha mãe era analfabeta e eu dialogava com ela. Qualificamo-la.
Ela tornou-se uma excelente bordadeira, uma excelente cozinheira.
Conheço tanta gente instruída que não sabe enfiar
a linha na agulha e que não sabe pregar um botão.
Daí, meus amigos, qualificar não é elitizar,
não é intelectualizar. É equipar de recursos
para fazer bem aquilo que gostaria de fazer. Evitar o aventureirismo.
HUMANIZAR - Humanizar é fazer com que nós, de vez em
quando, tornemos à nossa simplicidade, ao nosso bom humor,
ao nosso lado humano. A vida nos impõe rotinas e, quando menos
esperamos, estamos fazendo aquilo rotineiramente, sem emoção.
Nós nos transformamos em máquinas.
Visitei uma instituição e uma senhora me disse assim:
“Ah! Irmão Divaldo, não aguento mais. Estou cansada
de fazer caridade. Eu não aguento mais, é tanto pobre.
Eu disse: “minha filha, então deixe”. Ela: “O
Senhor está me mandando deixar de fazer a caridade?”
Eu disse: “Não, eu estou mandando você descansar,
porque a caridade está lhe fazendo mal. Já imaginou
a caridade fazer mal a quem a faz? Algo não está funcionando!
Ou você está exibindo-se sem o sentido de caridade, me
perdoe a franqueza, pois quero lhe ajudar, ou você está
saturada. Faça uma pausa”.
Ela: “o que será dos pobres?” Eu: “Minha
filha, eles são filhos de Deus. Antes de você chegar
Deus já tomava conta. Você está só dando
uma mãozinha para você, não para eles, porque,
afinal, isso aqui nem é caridade, é paternalismo. Você
está mantendo muita gente na miséria, que já
podia estar libertada, porque você me disse que já atendeu
a avó, a filha e agora está atendendo a neta.
Como é que você conseguiu manter na miséria três
gerações? Que a avó e a filha fossem pobres necessitadas,
é aceitável, mas a neta já teríamos que
libertar da miséria de qualquer jeito. Colocando-a na escola,
equipando-a, arranjando-lhe trabalho. Isso não é caridade.
Está lá no Evangelho: “Transformai as vossas esmolas
em salário”.
Então, repouse um pouco. É uma rotina. Você quer
abarcar um número de pessoas que você não pode
abraçar. Diminua. Faça com qualidade e procure fazer
em profundidade. Faça o bem.
Nós não podemos salvar o mundo e perder a nossa alma.
A tese é de Jesus Cristo: “Que vos adianta salvar o mundo
e perder-se a si mesmo!” Nós não estamos aqui
para salvar o mundo. Estamos aqui para salvar-nos e ajudar o mundo
para que cada um nele se salve.
Então, humanizar é neste sentido. É esta proposta
de voltarmos a ser gente. Não ficarmos nos considerando muito
importantes. O Presidente do Centro, o dono do Centro, o super-médium,
a pessoa mais formidável do século. Voltarmos às
nossas origens. A simplicidade de coração, a afabilidade,
a doçura (textos do Evangelho Segundo o Espiritismo), a cordialidade,
o bom trato. Se o doente é insistente, se o pobre é
impertinente, nós estamos ali porque queremos. Não foi
o pobre que pediu para nós irmos lá. Nós é
que nos oferecemos. Então temos a escusa de estarmos cansados,
de estarmos irritados. “Eu também tenho problemas”.
Então vá resolver seus problemas. Não os traga
para a Casa. E notem que esta tríade está perfeitamente
de acordo com o pensamento kardequiano: trabalho, solidariedade e
tolerância.
Qual é o trabalho? ESPIRITIZAR-SE. O trabalho de adquirir o
conhecimento espírita, de perseverar no estudo. Minha mãe
era analfabeta. Eu lia para ela, estudava, comentava. Ela acompanhava.
Aprendeu a Doutrina Espírita dentro dos seus limites.
Solidariedade. QUALIFICAR-SE, para servir melhor, para ser mais solidário.
Tolerância: ser mais HUMANO. Quando somos mais humanos, somos
tolerantes. E esta tríade não é propriamente
de Allan Kardec. Ele a tirou de Pestalozzi, seu professor, que tinha
como base educacional três palavras: trabalho, solidariedade
e perseverança. Allan Kardec, que foi seu discípulo,
tomou a tríade e adaptou-a, substituindo perseverança
por tolerância.
Assim, o Centro Espírita é a nossa oficina. Quando nós
entramos na Casa Espírita devemos sentir os eflúvios
do amor, da fraternidade. Não é o lugar dos conflitos,
das picuinhas, das nossa dificuldades, das nossas diferenças,
que nós as temos, mas das nossas identidades, das nossas compreensões,
do nosso esforço para sermos melhor.
Daí a nova proposta do Centro Espírita: voltar às
bases do pensamento de Allan Kardec. Reviver o trabalho, a solidariedade
e a tolerância. Sermos realmente irmãos. Esta é
a nossa família ampliada. Se entre aqueles com os quais compartimos
idéias, que são perfeitamente consentâneas com
as nossas, nós temos dificuldades de relacionamento, como é
que iremos nos relacionar com o mundo agressivo, com a sociedade que
não nos aceita, com aqueles que nos hostilizam, com aqueles
que nos perseguem?