Teria o Espiritismo uma função
social? Claro que sim! O Espiritismo não tem a incumbência
de fazer a reforma social, mas pelos seus ensinamentos é a
doutrina mais apta a secundar as reformas. Por que? Os motivos são
vários, mas poderíamos citar o conhecimento da imortalidade
e para quê se é imortal. A certeza da paternidade de
Deus, por tanto, a certeza de que somos todos irmãos, o que
deverá nos levar à fraternidade.
O Espiritismo propugna por reformas, por mudanças, que não
sejam apenas periféricas, mas amplas e profundas. Para isto
é preciso revolucionar o mundo, deflagrar uma revolução,
entretanto, não-armada, e sim, centrada no amor e na educação.
Este é um caminho muito válido, a educação.
O homem educado tem maiores possibilidades de opção,
ou de escolha. A democratização do ensino levará,
não à igualdade, mas a uma proximidade, acabando com
as brutais diferenças sociais que existem no momento.
Allan Kardec, na "Viagem Espírita de 1862",
em discurso aos espíritas lioneses, afirmou: "Assim,
pela força das coisas, o Espiritismo levará, por inevitável
consequência, ao aprimoramento moral. Esse aprimoramento conduzirá
à pratica da caridade, e da caridade nascerá o sentimento
de fraternidade, quando os homens estiverem imbuídos dessas
ideias, conformarão a elas suas instituições
e será assim que realizarão, naturalmente e sem agitações,
as reformas desejáveis. Esta será a base sobre a qual
se assentará o edifício social do futuro".
Queremos fazer apenas uma observação, a de que não
se entenda a caridade no seu sentido restrito de beneficência,
mas sim, no seu amplo sentido de benevolência. E podemos traduzir
como sentimento de bondade, amizade, compreensão, fraternidade.
Precisamos, pois, trabalhar nos efeitos, porque é preciso socorrer
os necessitados, mas devemos aplicar-nos a erradicar as causas da
miséria e da ignorância. As duas maiores enfermidades
da humanidade ainda são, a pobreza e a ignorância. Nossos
esforços devem ser no sentido de extirpá-las.
UMA NOVA ORDEM SOCIAL
Embora parte do movimento espírita
tenha ideias fatalistas sobre a lei de causa e efeito, acreditando
que o pobre de hoje foi rico em vidas passadas, e que tudo que nos
acontece é resposta da lei de ação e reação,
portanto não há injustiças, mesmo as sociais,
existem pensadores espíritas que se preocuparam e se preocupam
com o social.
Logicamente, temos que reconhecer que o movimento espírita
tem um modelo avançado de assistência social, doando
os bens necessários à vida, levando às suas últimas
consequências a máxima Kardequiana: "Fora
da caridade não há salvação".
Concordamos com a máxima, mas queremos lembrar que além
da caridade, da doação de bens materiais para salvar
vidas, existe a caridade moral, que consiste em conviver, aceitar,
compreender, amar, perdoar.
Contudo, queremos destacar espíritas que escreveram extraordinárias
obras abordando o social. Léon Denis escreveu uma série
de artigos para os jornais franceses sobre socialismo, que aqui no
Brasil foi publicado como livro, com o nome "Socialismo
e Espiritismo", com um prefácio fabuloso
de Freitas Nobre. Manuel S. Porteiro, argentino, escreveu "Espiritismo
Dialético". Humberto Marioti, também
argentino, escreveu "Parapsicologia e Materialismo
Histórico". Herculano Pires, com o nome
de Irmão Saulo, escreveu "O Reino".
Cleusa Beraldi Colombo escreveu "Ideias Sociais Espíritas".
Allan Kardec, em vários artigos para a "Revista Espírita",
abordou o social, além de capítulos luminosos de "O
Livro dos Espíritos", como a Lei de Sociedade
– Lei do Trabalho – Lei de Igualdade. Em "Obras
Póstumas", há os antológicos
trabalhos Igualdade, Liberdade e Fraternidade e As Aristocracias.
Vamos passar a vocês um pequeno trecho do livro "O
Reino", onde Herculano Pires afirma: "O
chamado de uma nova ordem social está clamando no coração
do mundo. E o mundo não pode deixar de atendê-lo, porque
é um imperativo do progresso terreno, uma lei maior do que
as leis transitórias dos homens, é a expressão
da própria vontade de Deus".
Herculano nos leva à profundas reflexões. A vontade
de Deus é que sejamos irmãos, que nos ajudemos mutuamente.
Ele nos criou para a felicidade, a vitória, mas quer que aprendamos
a construir a felicidade, partilhando-a com o próximo. As vitórias,
alcançaremos com o desenvolvimento das nossas potencialidades.
Construir um mundo melhor é um desafio. Contudo é um
desafio que vale a pena. Deixe de dizer que os pobres e os sofredores
estão pagando as suas dívidas (podem estar realmente),
mas comece a trabalhar para construir um mundo melhor.
A VIOLÊNCIA DA MISÉRIA
Ainda em sobressalto pela violência
das ações terroristas, repetidas em menor escala na
Espanha e Israel, e ainda com a marcha e contramarcha das notícias
de guerra, ficamos a pensar onde foi parar a mansidão de um
Francisco de Assis, de um Gandhi, de uma Madre Teresa de Calcutá,
de tantos e tantos outros homens e mulheres que elegeram a vida como
trabalho de amor e esperança.
Pensávamos nas vítimas, e o que poderia ter ocorrido
dentro dos aviões lançados sobre as Torres que eram
o orgulho de uma cidade. Se os adultos não podiam entender
o que se estava passando, a não ser que iam morrer, imaginem
o que deve ter se passado na cabeça das crianças, ao
perceberem que iriam morrer?
Meu Deus, quanta insensatez. Corpos pulverizados, vidas sacrificadas
num ato brutal para chamar a atenção do mundo. Hoje,
a televisão nos traz as imagens para dentro da nossa casa e
da nossa consciência. Pouco antes vimos crianças serem
hostilizadas brutalmente a caminho da escola, apenas porque os seus
pais professam uma religião diferente.
Com dor inaudita tomamos conhecimentos de que revolucionários
decepam com uma machadinha, a sangue frio, braços de adolescentes,
nas intermináveis guerras civis da África.
Mas, como foi cruel ver a fotografia de uma criança africana
com uns três anos de idade, ajoelhada e dobrada para o chão,
com o rosto em terra, costelas à mostra, apesar do inchaço
do ventre e a poucos passos atrás, um urubu esperando a morte
completar o seu trabalho, para então devorá-la.
Lamentamos que o quadro seja cruel demais para a sua sensibilidade,
caro ouvinte do Sol Nas Almas (*), mas a
nossa intenção é mesmo a de chocar, pois digitamos
esse texto com os olhos marejados de lágrimas.
As crianças no avião morreram sob uma violência
brutal e instantânea. O pequeno africano, como tantos milhões,
nos países pobres do mundo, mas que compram arma e desenvolvem
bombas atômicas, estão morrendo lentamente e os corvos
esperam o banquete de carniça. Morrem por falta de solidariedade,
de amor. O deixai vir os pequeninos é apenas uma frase para
enfeitar discursos pomposos. Elas morrem de inanição
porque gastamos trilhões de dólares com armas assassinas.
Porque nações desavergonhadas vendem armas para os dois
lados em guerra. Porque nações hipócritas guardam
em seus bancos o dinheiro dos ladrões do mundo inteiro. Porque
pessoas corruptas desviam dinheiro público para os seus cofres,
superfaturam obras e exibem seu status nas colunas sociais, enquanto
mais de um bilhão não tem o que comer, para viver um
pouco mais.
Lembro aqui palavras do prof. José Herculano Pires: "...
chamar de Cristão o mundo atual é blasfemar contra o
Cristo e escarnecer do seu Evangelho".
O Espiritismo tem uma grande missão na Terra, o de esclarecer,
iluminar, restabelecer a verdade. O homem precisa saber que não
passará por esses caminhos uma só vez. Voltará
para corrigir seus erros.
O Reino de Deus, diz ainda Herculano Pires, está acima da sociedade
de classes, do mundo injusto de ricos e pobres, das competições
políticas e econômicas. O Reino de Deus está dentro
de nós, na aspiração divina da justiça
e do amor, que é o próprio reflexo de Deus na consciência
humana.
DIVISÃO DAS RIQUEZAS
Uma da maiores dificuldades da humanidade
é a distribuição dos bens da terra, pois, alguns
possuem muito, e outros não tem nada. Compreendendo que não
foi Deus que criou as diferenças sociais, passa pela cabeça
de muitos, que deveríamos corrigir essa anomalia, redistribuir
os bens, mesmo que à força.
"O Livro dos Espíritos" explica que se as riquezas
do mundo fossem divididas entre todos, daria pouco para cada um, além
do que o equilíbrio se desfaria em pouco tempo, pois alguns
são mais diligentes, trabalhadores, e outros são ociosos,
e não trabalhariam enquanto tivessem algum dinheiro.
A solução, verdadeiramente, não é por
esse caminho. A solução está na fraternidade,
a única virtude que pode conduzir à liberdade verdadeira.
O Espiritismo não se coloca contra o rico, mas lembra que o
rico é um administrador dos bens que verdadeiramente pertencem
a Deus. O Espiritismo combate o egoísmo, o individualismo.
Quando a riqueza é concentrada nas mãos de poucos, é
para que produzam em benefício das coletividades. Quando isto
não acontece, seus pseudo-proprietários serão
responsabilizados pela fome e pelas misérias materiais e morais
dela decorrentes.
O Espiritismo não concorda com o individualismo acerbado, que
conduz ao orgulho e ao egoísmo. Ele recomenda que os homens
devem juntar as riquezas, mas coletivamente, como as abelhas.
Vivemos momentos em que precisamos aprender a ser fraternos. É
hora de deixarmos o individualismo e nos dedicarmos a proporcionar
vida decente e digna para todos, porque este é um direito natural.
Diz "O Livro dos Espíritos"
que quando alguém não possa prover o seu sustento, a
sociedade deverá fazê-lo, hoje, naturalmente, através
das suas instituições.
Essas são reflexões espíritas, que como vocês
podem perceber, é muito mais do que aplicar passes, curar doenças
ou resolver problemas familiares, mas é, transformação
do homem, para que este transforme o mundo.
DIA DO TRABALHO
Meu Pai trabalha até hoje e
eu também trabalho. São palavras de Jesus de Nazaré,
que nos leva a profundas reflexões.
Lendo Allan Kardec, em "O Livro dos Espíritos",
concluímos facilmente que o trabalho é uma necessidade
para o homem, porque, além de lhe proporcionar conforto, faz
com que ele progrida.
Quando no Antigo Testamento, Deus teria dito ao homem: comerás
o teu pão com o suor do teu rosto, existem coisas muito mais
profundas, que somente uma perquirição intensa pode
descobrir. Se o homem não trabalhasse e tivesse tudo o que
precisa para viver, permaneceria na infância da humanidade.
Com certeza o trabalho não é um castigo, mas sim um
privilégio. A quem se desespere por não ter o que fazer,
esquecido de que, se não precisa trabalhar para si, para o
seu sustento, certamente tem a obrigação de trabalhar
em benefício da vida, na construção de um mundo
melhor.
Os escravos foram libertados há muitos anos, mesmo assim ainda
existe trabalho escravo, disfarçado de mil modos. Pouco a pouco
as leis se aperfeiçoam e um dia todos serão beneficiados
pelo trabalho, usufruirão dos resultados das riquezas.
Os espíritos disseram a Kardec que o limite do
trabalho é o das forças. Isto não
quer dizer que a pessoa não tenha direito à aposentadoria,
mas que ele não deve deixar de trabalhar para o bem geral.
A lei do trabalho é, também, uma lei de
amor. O trabalho não deve ser um tormento, e
se o homem se dedicasse à sua vocação, seria
mais feliz.
Um dia não precisaremos mais de leis ou de sindicatos para
regular o trabalho, porque o amor será o legislador e o executante
dessa maravilhosa lei. Seja qual for o seu trabalho, querido ouvinte,
nós o parabenizamos e o abençoamos. Que jamais falte
trabalho e que todos nós nos apliquemos na conquista da paz.
POSSUIR E NÃO SER POSSUÍDO
Meu grupo de amigos se reuniu novamente,
porém, quase todos traziam a mente preocupada com os problemas
do dia a dia. Um deles dizia:
— Não sei onde falhei. Procurei educar meu filho,
quis fazer dele um esportista, dei-lhe a melhor escola, mostrei-lhe
as profissões mais rentosas e ele faz de tudo para me aborrecer.
Age contrariamente aos meus desejos.
Outro, com a fisionomia não menos carregada, dizia:
— Comprei muitas ações de
uma empresa e elas estão se desvalorizando a cada dia.
Um terceiro reclamou:
— Meu bairro era tranquilo. Agora mudou-se
para lá alguns indivíduos suspeitos e eu vou comprar
fechaduras melhores e um sistema de alarme.
Um outro queixou-se dos seus empregados, dizendo que eles exigiam
demais, esquecidos que a empresa era dele.
Meu amigo idoso ouvia tudo sorrindo compreensivamente.
Um dos presentes perguntou o que ele achava de tudo aquilo e ele citou
Gibran Kalil Gibran, dizendo: Dizei-me povo de Orphalese, o que
tendes nesses domicílios? E o que guardais atrás destas
portas trancadas? Vós possuís a paz, o quieto impulso
que revela o vosso poder? Vos possuís a beleza que guia o coração
para longe de coisas talhadas em madeira e pedra para a montanha sagrada?
Ou simplesmente tendes conforto e a cobiça pelo conforto, esta
coisa furtiva que entra na casa como convidado, depois fica hóspede
e mais tarde se torna dono?
Um dos amigos, disse:
— Não entendi.
E o ancião completou citando Jesus: Marta, Marta, você
corre atrás de muitas coisas e uma só é necessária.
Continuamos olhando para ele, e ouvimos:
— Não sejam possuídos e sim
possuidores. Não serão grades ou trancas, autoridade,
mando, posses que os protegerão, mas o amor.
Saí dali pensando em reagir, sim, contra o mal, porém,
com amor no coração.