NA ANÁLISE
DA DOR, DEVEMOS ADMITIR QUE ALGUÉM ESTEJA SOFRENDO "PELA
CAUSA" QUE ABRAÇOU, COM VISTAS AO SEU PROGRESSO ESPIRITUAL,
E NÃO "POR CAUSA" DE UMA FALTA QUALQUER
O princípio de "Ação
e Reação", conhecido como a Terceira
Lei de Newton (Isaac Newton, Físico e Matemático
Inglês - 1642-1727), tem o seguinte enunciado: A toda ação
corresponde uma reação de igual intensidade e sentido
oposto.
De forma ortodoxa, e indiscriminadamente, esse princípio
tem sido aplicado para justificar a razão do sofrimento
do Espírito reencarnado em qualquer situação.
Oportuno lembrar que o Codificador não usou desse raciocínio,
não fez uso da Lei de Newton, e, sim, do axioma: não
há efeito sem causa. Uma leitura superficial dos
dois princípios poderá nos levar a conclusões
erradas. Apliquemos, no caso do cego de nascença, os dois
princípios, um de cada vez, e o leitor entenderá
do que estamos falando.
Adotando o princípio da "Lei de Ação
e Reação" (a toda ação corresponde
uma reação de igual intensidade e sentido oposto),
a situação do cego de Siloé deveria ser uma
reação em sentido oposto a uma ação,
no caso negativa. Teria cometido uma infração às
Leis Morais do Criador. Mas vimos que não era o caso. Dessa
forma, nem sempre podemos concluir que a dor seja uma reação.
O Mentor de Chico Xavier, Emmanuel,
alerta-nos que é "imperioso interpretar a
dor por mais altos padrões de entendimento. Ninguém
sofre, de um modo ou de outro, tão-somente para resgatar
o preço de alguma coisa. Sofre-se também angariando
os recursos preciosos para obtê-la (...)". Com este
entendimento é que devemos interpretar a situação
do cego de nascença, que aceitou aquela condição
para conquistar uma posição espiritual mais elevada.
Se a dor corrige o passado e nos adverte no presente, também
poderá estar construindo o nosso futuro. É
a dor a serviço da evolução de todos nós,
Espíritos imperfeitos.
Agora, aplicando o princípio não
há efeito sem causa, à mesma situação,
não resta dúvida de que encontramos no sofrimento
daquele cego uma causa, que foi a sua avidez pelo progresso,
seu desprendimento e amor à causa do Cristo. Permitiu-se
nascer privado da visão para cooperar com a causa do Messias.
A sua dor não era uma reação a nada,
era a própria ação. Sofreu "pela
causa" e não "por causa".
Como já dissemos, Allan Kardec
adotou o princípio de causa e efeito e não de ação
e reação para estudar e explicar as razões
da dor e das aflições. Conhecia, sem sombra
de dúvida, a Terceira Lei de Newton, mas não a usou
na apreciação das coisas espirituais. Será
que o "bom senso encarnado" percebeu que a lei do Físico
Inglês não se prestava integralmente para a compreensão
e esclarecimentos sobre as aflições? Entendemos
que sim. O Mestre de Lyon trilhou com sabedoria, sem dogmatismo
e com bom senso. Acompanhemo-lo neste texto:
"Os sofrimentos devidos a causas anteriores
à existência presente, como os que se originam de
culpas atuais, são muitas vezes a conseqüência
da falta cometida, isto é, o homem, pela ação
de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer
aos outros. Se foi duro e desumano, poderá ser a seu turno
tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá
nascer em humilde condição; se foi avaro, egoísta,
ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá ver-se privado
do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer pelo
procedimento de seus filhos, etc."
Observemos que teve o cuidado de alertar o seu
leitor escrevendo as expressões "muitas vezes"
e "poderá", em vários momentos, não
afirmando categoricamente que a dor seja sempre uma punição.
Continuemos.
"Não há crer, no entanto, que
todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência
de uma determinada falta. Muitas vezes, são simples provas
buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração
e ativar o seu progresso. Assim, a expiação
serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação.
Provas e expiações, todavia, são sempre sinais
de relativa inferioridade, porquanto o que é perfeito não
precisa ser provado. Pode, pois, um Espírito haver chegado
a certo grau de elevação e, nada obstante, desejoso
de adiantar-se mais, solicitar uma missão, uma tarefa a
executar, pela qual tanto mais recompensado será, se sair
vitorioso, quanto mais rude haja sido a luta. Tais são,
especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de
alma elevada, de nobres sentimentos inatos, que parece nada de
mau haverem trazido de suas precedentes existências e que
sofrem, com resignação toda cristã, as maiores
dores, somente pedindo a Deus que as possam suportar sem murmurar."
Como conclusão, o Espiritismo não
nos autoriza generalizar o sofrimento como sendo uma punição,
conseqüência de erros cometidos. Léon
Denis, um dos continuadores de Kardec, que muito bem compreendeu
a verdadeira missão da dor, ensina: "Todos aqueles
que sofrem não são forçosamente culpados
em vida de expiação. Muitos são Espíritos
ávidos de progresso, que escolheram vidas penosas e de
labor para colherem o benefício moral que anda ligado a
toda pena sofrida." E mais à frente: "Às
almas fracas, a doença ensina a paciência, a sabedoria,
o governo de si mesmas. Às almas fortes, pode oferecer
compensações de ideal, deixando ao Espírito
o livre vôo de suas aspirações até
ao ponto de esquecer os sofrimentos físicos".
A causa do sofrimento não somente
está no passado ou no presente, mas também no futuro.
A dor-evolução não está corrigindo
erros cometidos, mas construindo um porvir venturoso para o Espírito
em evolução. Sabemos que muitos deles reencarnam
em missão na Terra, com o objetivo de impulsionar o nosso
progresso moral e científico. Tais Espíritos aceitam
resignados, até mesmo com certa alegria, as adversidades
e infortúnios de tal existência, por saberem que
estão se adiantando na escala evolutiva (O Livro dos Espíritos,
questão 178). Logo, sofrem as dores da evolução,
aquela que vem de fora para dentro, ao contrário da dor-expiação,
que vem de dentro para fora, pois é purgação.
A reencarnação não
é um processo punitivo; é manifestação
da misericórdia divina. Não reencarnamos
somente por sermos devedores, mas, acima de tudo, porque a vida
na matéria significa oportunidade de crescimento em todas
as latitudes espirituais. A evolução é lei
divina e, por isso, imperiosa. Sofremos, vez ou outra, pela causa
que abraçamos e não somente por causa de alguma
infringência às leis divinas.
Na apreciação das causas das dores
e aflições por que passamos, nem sempre é
correto adotar o princípio de "ação
e reação", concluindo que a dor seja sempre
uma reação oposta a uma ação ilícita.
Os Espíritos Superiores nos ensinam que para todo efeito
existe uma causa, mas não asseguram que o sofrimento seja
sempre um efeito, pois no caso do cego de nascença, ele
era isento de culpa. A causa da sua desdita existia sim! Estava
no seu desejo de cooperar com a causa do Messias de Deus.
A despeito da nossa dificuldade de andar
de braços com a dor, na condição de amiga,
insistindo em nos conduzir aos píncaros da glória
espiritual, esforcemo-nos para compreender, à luz da fé
racional que o Espiritismo nos trouxe, a exortação
de Jesus no Sermão do Monte, consolando os sofredores:
"Bem-aventurados os que choram, porque eles serão
consolados".