Estou convicto de que a forma de administrar o
centro espírita, ou seja, a filosofia política adotada
pelos seus dirigentes para conduzi-lo, é também
assunto doutrinário: tem influência considerável
no fortalecimento ou não do Movimento Espírita,
já que aquele é considerado a célula básica
deste. Tudo o que acontece dentro de uma casa espírita
pode se tornar um estorvo à marcha da Doutrina. Kardec
assegura que "a Doutrina é imperecível por
que repousa nas leis da Natureza (...)", mas adverte "que
a sua difusão e a sua instalação definitiva
podem ser adiantadas ou retardadas por circunstâncias várias,
algumas das quais subordinadas à marcha geral das coisas,
outras inerentes à própria doutrina, à sua
constituição e à sua organização."
(Obras Póstumas, 15á FEB,
p. 355.) Organização é a ação
de criar um sistema estável de relações entre
diversos elementos, capaz de desempenhar determinada função
ou produzir determinado efeito. Logo, a maneira como a Doutrina
é organizada pelos dirigentes do Centro Espírita
é que vai determinar as relações sociais
e doutrinárias entre seus freqüentadores e trabalhadores
e destes com o Movimento Espírita local. Por essa razão
entendo que o modelo administrativo adotado em uma casa espírita
é tema passível de estudo e discussão à
luz da Doutrina Espírita.
Para tornar mais claro o que pretendo dizer, vamos fazer um estudo
rápido das formas como as casas espíritas, de um
modo geral, são administradas, segundo nossas observações,
analisando vantagens e desvantagens em cada uma delas. Adotarei,
para analogia, a classificação de formas de governo
para as cidades estado gregas, propostas pelo filósofo
Aristóteles: Monarquia, Aristocracia e Democracia. Não
obstante algumas variações, concluiremos que a maioria
dos Centros Espíritas nelas se enquadra.
MONARQUIA
É a forma em que o poder se concentra em
uma só pessoa e é transferido a outrem por motivo
de morte ou impossibilidade daquela exercer o governo. O sucessor
não pode ser qualquer um: tem que ser da mesma linhagem,
possuir algumas características especiais ou virtudes implícitas.
Sabemos da existência de instituições
espíritas cuja administração gira em torno
de um nome próprio, chegando a ser conhecido como "o
centro de seu fulano ou de seu beltrano". Embora sendo legalizada
como sociedade civil e tendo uma assembléia "soberana",
na verdade, serve apenas para homologar as decisões do
seu líder autocrata, que será reeleito até
a sua desencarnação.
Convém considerar, é claro, o contexto
social dessas instituições e sua natureza para se
ajuizar até onde essa forma é saudável ou
não para elas e para seus beneficiários, na consecução
de seus objetivos. Lembremos, por exemplo, que, não obstante
a sua decisão, a cada ano, de não aceitar a Presidência
da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Kardec foi
sempre reeleito, ficando no seu comando de 1857 a 1869, quando
voltou ao mundo espiritual. Mas temos que concordar que na fase
da elaboração do Espiritismo justificou-se uma decisão
individual "a fim de estabelecer-se a unidade no conjunto
e a harmonia entre todas as partes.« Da mesma forma é
compreensível que, numa fase inicial, após ser fundada
a instituição, o seu comando se caracterize pela
individualidade, até que se forme os trabalhadores que
irão cooperar na sua direção. Não
é aconselhável entregar O Centro Espírita,
fundado com tanto carinho e ensejo de realizações
meritórias, aos cuidados de irmãos despreparados.
Nosso irmão Divaldo Pereira Franco, respondendo sobre essa
situação, aconselha dizendo que é "muito
válida a renovação, desde que essa se estruture
em objetivos e valores autênticos e não apenas renovar
pelo simples fato de mudar, porque muitas vezes se renova para
o pior." (Diálogo com Dirigentes
e Trabalhadores Espíritas, 1º edição,
USE, pag. 46.)
Excluindo os casos em que se justificam plenamente
essa forma administrativa que se assemelha, muitas vezes, - a
uma "democracia coroada", sou de parecer que ela não
convém à maioria dos centros espíritas, por
não atender ao espírito democrático que deve
manifestar-se em todos os meios, porque cerceia a participação
dos trabalhadores, que têm nela a oportunidade de crescerem
espiritualmente, porque põe em risco a continuidade da
obra ap6s a desencarnação do seu líder. É
oportuno lembrar a recomendação de André
Luiz: "Açambarcar muitas obrigações,
recusando distribuir tarefas com os demais companheiros..."
é um estorvo à marcha do Espiritismo (Opinião
Espírita, lição 29).
Lembra-nos o Espírito Francois-Nicolas-Madeleine,
no ESE, XVII-9, que Deus perguntará àquele que possui
alguma autoridade:
" - Que uso fizeste dessa autoridade? Que
males impediste? Que males impulsionaste?"...
ARISTOCRACIA
Do grego "aristos" = o melhor, e de
"kratos" = poder. Aristocracia é o governo dos
melhores. Foi a forma idealizada por Platão, que sonhou
com o governo dos filósofos. Excluindo o juízo de
valor de que quem está à frente é o melhor,
esta situação tem se adaptado mais ao gênero
Centro Espírita. Não é a forma ideal, mas
vem se justificando pela dificuldade de se encontrar companheiros
aptos e dispostos à posição de vanguarda
e... os que lá estão, lá continuam. Em comparação
com o modelo anterior, este é menos pernicioso para a Doutrina.
Uma equipe bem harmonizada e sintonizada com os postulados da
Doutrina tem mais chances de realizar uma administração
mais eficiente que se fosse uma só pessoa. Não sendo
nenhum ser igual a outro, mormente no modo de pensar, numa equipe
haverá divergências de idéias e, conseqüentemente,
a busca do consenso e a divisão de responsabilidades, diminuindo
a probabilidade de erros e afastando o risco da solução
de continuidade da obra na falta de um deles.
Kardec ao dissertar sobre "As Aristocracias"
em Obras Póstumas, admitiu o governo da Aristocracia Intelecto-Moral,
que na sua concepção seria de tentadora de importantes
faculdades para conduzir, sendo elas a inteligência e a
moralidade. Analogamente, no caso dos Centros Espíritas,
a "inteligência" seria a soma do conhecimento
doutrinário, competência administrativa e habilidade
nas relações humanas, enquanto que a "moralidade"
seria o comportamento ético-cristão, evidenciado
pelo esforço constante de se melhorar. É mais fácil
encontrar essas virtudes em um grupo, onde cada um dos seus membros
detenha, pelo menos, uma delas, que somada às outras formaria
um organismo menos imperfeito. A renovação dessa
equipe "intelecto-moral" dar-se-ia paulatinamente, sem
risco para a instituição, sem prejuízos para
seus beneficiários e para o Movimento Espírita.
No Centro Espírita, a forma aristocrática
pura vai se caracterizar pela permanência do grupo no poder,
reelegendo-se sucessivamente, e mantendo-se quase fechado, renovando-se
eventualmente pela debandada ou falta de um dos seus membros.
Um progresso nessa forma é a sua renovação
parcial e periódica dando oportunidade aos novo trabalhadores
da Casa que já possuam alguns pré-requisito para
fazerem parte do grupo pois já foram adredemente preparados
com amor e estudo para assumirem a função de comando.
DEMOCRACIA
É a forma administrativa menos encontrada
em sua plenitude por ser a mais difícil de se implantar.
Democracia pela sua origem, significa "governo do povo"
através de seus representantes . Tal modelo de administrar
exige que todos os envolvidos sejam bem informados, esclarecidos
e preparados no sentido de agudamento da responsabilidade co-participativa.
No Centro Espírita, os freqüentadores e trabalhadores
terão que se tornar adeptos esclarecidos através
do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita; de cursos
específicos no aprofundamento das exigências de cada
tarefa da Instituição; agrupados em atividades integrativas
que buscam o concerto do seu funcionamento, sob a batuta de seus
dirigentes. Não é tarefa fácil! dá
muito trabalho... Mas é possível e gratificante.
Afinal, a missão do Espiritismo é a transformação
da humanidade para melhor, e ela deve começar dentro do
Centro Espírita, o "médium social" que
traduzirá em, todos os segmentos da sociedade humana, os
ideais do Espiritismo. E a forma democrática de viver é
um deles.
A democracia ensaiada pelos gregos, na Antigüidade,
é uma forma perfeita de governar. Seus vícios advêm
da imperfeição do homem, tornando-a relativa ao
seu grau evolutivo. No entanto aqueles detentores de mais talentos,
dotados de mais inteligência e conhecimento das coisas de
Deus, deverão usar tais dotes em benefício de todos.
O Centro tem que ser o laboratório onde o homem deverá
ensaiar a mais perfeita forma de viver. Humberto Mariotti acredita
que eles são "partículas que tendem a engrandecer-se,
a ampliar-se para ir conquistando paulatinamente áreas
e mais áreas do "mundo material", até
que um dia hajam iluminado com suas luzes o planeta inteiro."
(Os Ideais Espíritas na Sociedade
Moderna, 1. edição em Português, União
Espírita Bahiana, pag. 15.) Não há
dúvida que devemos sonhar com uma instituição
espírita funcionando em clima de fraternidade, compreensão
e participação responsável de todos, onde
todos estejam felizes e seguros. Isso somente é possível
numa democracia cristã. Nada de afirmar, como já
ouvimos, que "democracia em centro espírita só
atrapalha, não dá certo, por que os freqüentadores,
os s6cios nada querem com o trabalho" e que "os centro
espíritas que adotam a democracia não crescem."
Pergunto: - O que nós queremos que cresça, o centro
ou o homem?.
CONCLUSÕES
Analisadas as possíveis formas administrativas
dos nossos centros, deixando de lado algumas variáveis
que não prejudicam o nosso entendimento, passo às
considerações finais.
Não há dúvida que a descentralização
de poder, o governo democrático são conceitos ligados
à ética da Doutrina Espírita. O Codificador
ao elaborar a Constituição do Espiritismo teceu
considerações sobre a forma de direção
do Movimento Espírita nascente e concluiu por um colegiado,
uma comissão central. E assim o fez por ter consciência
da imperfeição do homem. Disse ele: "Uma individualidade
está sujeita a ser atacada e aniquilada; o mesmo já
não se dá com uma entidade coletiva." Mas o
Professor de Lyon foi mais além, analisando o destino de
uma instituição governada por uma só pessoa
e afirmou: "A entidade coletiva, ao contrário (da
individual), se perpetua incessantemente. Embora perca um ou vários
de seus membros, nada periclita." (Obras
Póstumas, idem, pag. 357.)
A filosofia espírita se inclina decisivamente
para o trabalho em equipe. A codificação da Doutrina
foi resultado de um trabalho dessa natureza: no plano invisível,
vários Espíritos coordenados pelo Espírito
de Verdade; no plano material, centenas de médiuns contribuindo
com Allan Kardec. Numa apreciação mais ampla, vemos
os Espíritos desencarnados buscando o contributo dos Espíritos
encarnados para trazer à Terra a Terceira Revelação
em trabalho de equipe, e, até hoje, lutando pela sua implantação
definitiva, tem agido sempre de maneira democrática, esperando
que nos aliemos a eles, sem opressão e desmandos.
O Centro Espírita se torna mais eficaz
como "educandário de luz", abrindo veredas para
a libertação de consciências presas à
inércia espiritual, quando os seus dirigentes facilitam
a contribuição de seus freqüentadores e trabalhadores.
Fica, assim, mais bem próximo da mensagem do Cristo, que
jamais deixou de valorizar a cooperação de seus
ap6stolos e nas mãos deles colocou o futuro de seu Evangelho.
Quando se afirma que um Centro Espírita é uma escola
de almas, entendemos que não se faz referência apenas
ao estudo da Doutrina dentro dele, mas que é um centro
de instrução, onde a teoria se materializa na prática,
onde há oportunidade de se vivenciar a ética doutrinária.
Ganha com esse modelo o adepto, a instituição e
o Movimento Espírita, ficando a Terceira Revelação
protegida daqueles que pretendem lhe denegrir pelos erros dos
seus administradores.