837- Qual o resultado
dos obstáculos postos à liberdade de consciência?
- Constranger os homens a agir do modo diferente do que
pensam, torná-los hipócritas. A liberdade de consciência
é uma das características da verdadeira civilização
e do progresso.
In O Livro dos Espíritos, obra codificada
por Allan Kardec.
Uma das características que admiro no Espiritismo é
a plena liberdade que a doutrina dá aos seus seguidores. Não
poderia ser diferente em se tratando de Espiritismo já que
a doutrina se construiu pelos caminhos da ciência.
A primeira liberdade que temos por isso é a de poder questionar
livremente o próprio Espiritismo. Como a doutrina se construiu
pelo caminho da ciência, ela nos ensina a questionar todas as
coisas e a não aceitar o quê quer que seja sem uma análise
profunda e sem restrições aos nossos questionamentos.
Essa liberdade é que faz do Espiritismo uma doutrina com uma
grande pluralidade de pensamentos, nela poderemos encontrar diversas
tendências filosóficas e sem questionar o mérito
de nenhuma delas, é importante observar como conseguimos conviver
com tantas diferenças sem que haja nenhum cisma ou divisão.
É uma pena que existam pessoas que enxerguem esta pluralidade
como uma ameaça, estes acham que todos deveriam pensar da mesma
forma e temem as diferenças, estes não assimilaram este
lado essencial do Espiritismo.
Outros porém, pronunciam suas opiniões como se elas
fossem aceitas unanimemente por todos e como se fossem verdades doutrinárias,
estes desrespeitam também as diferenças, não
sabem dividir o quê está no campo dos princípios
básicos daquilo que está no campo da polêmica
e se assim o fazem, só podemos pensar que isso se dê
por dois motivos: ou porque não conhecem bem as bases doutrinárias
e confundem suas opiniões com os princípios da doutrina;
ou porque o fazem com segundas intenções, misturando
verdades com opiniões próprias na tentativa de confundir
os menos esclarecidos e de respaldar suas idéias sob a luz
dos princípios espíritas.
Esta última atitude sim, representa a verdadeira ameaça
ao Espiritismo, não é das diferenças que devemos
temer, não são os Rousteinguistas, Ubaldistas ou qualquer
“istas” que representam ameaça. A ameaça
está naqueles que por falta de conhecimento ou de caráter
mesclam as idéias que estão no campo das opiniões
com aquelas que são verdades aceitas por todos os adeptos do
Espiritismo.
Liberdade pra pensar é fundamental mas responsabilidade sobre
o quê se diz é ainda mais importante. Eu posso defender
uma idéia ou corrente de pensamento polêmica mas na hora
de subir à tribuna das instituições, na hora
de exercer o papel de evangelizador ou em qualquer situação
em que eu represente a Doutrina Espírita, é importante
separar claramente o quê é opinião própria
daquilo que é princípio básico da doutrina. E
mesmo tendo a liberdade de apresentar estudos sobre uma determinada
corrente de pensamento, é necessário deixar claro que
se trata de uma opinião que não é aceita por
todos os espíritas e que dita opinião está longe
de desfrutar do mesmo status de idéias básicas como
a reencarnação e a comunicabilidade dos espíritos.
Seria bom conhecer um pouco sobre Thomas Khün e Lakatos, estes
filósofos da ciência nos dizem que toda ciência
tem seu “núcleo rígido” que é formada
por um conjunto de idéias básicas que dão corpo
a um “paradigma”, ao redor das idéias básicas
existe um conjunto de idéias acessórias que sofrem modificações
constantes sem afetar o “núcleo rígido”.
É natural que qualquer ciência sofra ajustes sem que
isso afete seu núcleo rígido. Por Exemplo: a comunicabilidade
dos espíritos é um princípio que está
no núcleo rígido da ciência espírita, mas
a questão do corpo fluídico de Jesus é uma idéia
acessória que não importa a conclusão que se
chegue a esse respeito, e eu duvido que se chegue a alguma conclusão,
isto não afetaria as idéias que estão no núcleo
rígido, ou seja, o fato de Jesus ter tido um corpo fluídico
ou de carne não mudaria em nada a questão da reencarnação
e nem tão pouco afetaria o princípio da comunicabilidade
dos espíritos ou qualquer outro que faça parte do “núcleo
rígido” de princípios doutrinários.
Não sei como é que tanta gente perde tanto tempo se
consumindo por causa de “idéias acessórias”
e que não afetam o núcleo da doutrina, isso reflete
o ostracismo existente no nosso movimento Espírita, pessoas
limitadas e circunscritas a uma polêmica secundária que
fazem disso uma verdadeira guerra e que se esquecem de contribuir
para o crescimento de tantas outras idéias e pesquisas realmente
importantes.
Também acredito que não se deve deixar de falar das
idéias acessórias, é por elas que obtemos novos
conhecimentos, os grupos de estudo sérios devem refletir sobre
estas polêmicas, questionar a fundo, porém isso não
deve ser motivo de dissensões. Desde que se trate do assunto
com honestidade e fazendo-se os devidos esclarecimentos, nada mais
saudável do que perscrutar os arcanos doutrinários na
busca de conhecimentos mais profundos e nada mais necessário,
já que entraremos em caminhos desconhecidos, do que manter
a sobriedade e humildade para não cairmos nas armadilhas das
paixões por nossas próprias opiniões.
O ser humano ainda não está acostumado a caminhar pelo
desconhecido e sempre que se aventura filosoficamente está
sujeito as limitações que lhe são próprias
e, neste caso, é de se esperar que surjam uma infinidade de
opiniões sobre um mesmo tema mas temos que passar por essa
escuridão para um dia chegarmos a verdade que é sempre
gradativa.
Uma outra forma de liberdade que a doutrina nos permite exercer é
a liberdade religiosa, o fato de sermos adeptos do Espiritismo não
nos impede de freqüentar qualquer outra religião ou fazer
o que queiramos fazer. A liberdade de ação está
por isso muito explícita, no Espiritismo não há
regulamentações de caráter exterior nem de votos
de obrigação religiosa. O Espírita não
precisa falar, vestir, comer ou pensar de um mesmo jeito, aliás,
estas são ações que se relacionam com a cultura,
preferência e educação de cada um.
Digo isso porque fiquei horrorizado quando outro dia eu soube que
uma mãe se queixou a uma evangelizadora, alguém que
conheço a muitos anos e que possui uma conduta irrepreensível,
apenas porque ela estava com as unhas pintadas com uma cor escura,
que na opinião da mãe eram inadequadas para o ofício
de evangelizadora. Fiquei ainda mais pasmo quando descobri que esse
tipo de preocupação entre os que se dizem espíritas
é mais comum do que se imagina. Que importa a cor das unhas
da evangelizadora? Não seria melhor saber se a evangelizadora
é competente, se tem preparado bem as aulas e qual o conteúdo
dado em sala? Este tipo de atitude mostra como as pessoas ainda estão
arraigadas ao exterior e ainda não assimilaram a essência
das idéias espíritas.
Algumas pessoas já me procuraram dizendo que se afastaram da
doutrina por se sentirem vigiadas, reguladas ou normatizadas por pessoas
que lhe diziam o que fazer ou que viviam criticando suas atitudes.
Sem julgar os méritos das atitudes de ninguém e salvo
as exeções das atitudes que prejudicam a terceiros,
não devemos a ninguém satisfação dos nossos
atos além de Deus e de nossa própria consciência.
A ninguém cabe nos julgar.
Estes que por esse motivo se afastam da doutrina sempre encontrarão
em todas as partes pessoas controladoras e indiscretas, pois este
tipo de gente existe em qualquer lugar e se formos esperar um grupo
livre disso viveremos uma espiritualidade pobre e individualista.
Os hipócritas que devem recuar, os que tem consciência
devem permanecer onde estão e criticar fortemente sempre que
forem alvo deste tipo de atitude.
Se esta evangelizadora não fosse uma pessoa consciente ela
teria se escandalizado e se afastado da doutrina alegando que ela
está cheia de pessoas superficiais. Mas, ao contrário,
ela repreendeu àquela senhora lhe dizendo que aquilo não
tinha a menor importância e que a cor das suas unhas não
feria a dignidade de ninguém e nem comprometia a sua eficiência
como evangelizadora.
Não é então ao Espiritismo que devemos acusar
de ser piegas, superficial ou só mais uma religião que
quer ter controle sobre a vida das pessoas. Nós é que
devemos lutar contra isso, temos a vantagem de ter a doutrina a nosso
favor, devemos usar os conhecimentos que ela nos dá para livrá-la
deste tipo de expressões preconceituosas. A doutrina não
exerce controle sobre a vida de ninguém e nem deve exercer,
ela nos ensina sim a sermos auto-suficientes e independentes, o único
controle aqui é o “auto-controle”, não precisamos
de “oradores-profetas” e “guias-oráculos”,
não precisamos estar na dependência de “mister-médium”
nenhum, nem devemos reverência a quem quer que seja.
Que estória é essa agora de só se dar valor a
uma mensagem quando ela é assinada por médium “fulano
de tal”? Isso não existia na época de Kardec,
vocês sabem o nome dos principais médiuns que trabalhavam
com Kardec? Pois é! Pouca gente sabe. É que nessa época
o que se valorizava era o conteúdo da mensagem e não
o nome de quem assina embaixo. É bom começar tudo de
novo e estudar o Livro do Médiuns para adotarmos uma outra
postura.
As pessoas estão sempre buscando guias que lhe digam o que
fazer, querem algo pronto como um manual de instruções
para lhes poupar do trabalho de pensar, é mais fácil
fazer da codificação um livro sagrado do que aprender
a fazer o que nos ensinam os espíritos e Kardec. As pessoas
estão muito preocupadas em “seguir Kardec” e se
esquecem de “agir como Kardec”. Tenho uma má notícia
aos acomodados, estes que não pensam não vão
chegar a lugar nenhum! Vão ficar sempre a mercê do que
o “mentor” ou “diretor” falar, não
serão capazes de distinguir o “Bezerra de Menezes”
da “Bezerra do Menezes” pois não aprenderam a pensar
por conta própria e o preço que se paga pela ignorância
é o sofrimento.
Sejamos livres e saibamos crescer orientados por esta maravilhosa
doutrina que nos pede apenas que amemos e nos instruamos, o Espiritismo
é a luz na escuridão da ignorância humana a cerca
dos valores espirituais mas embora a luz ilumine nossos caminhos,
somos nós quem devemos trilhar com nossas próprias pernas
a senda da felicidade.