O comportamento é a expressão do
caráter.
O caráter é a expressão
da realidade da pessoa.
A pergunta crucial é, porque
decidimos por esse ou por aquele comportamento?
A resposta é porque temos
livre-arbítrio. Ele nos identifica como ser inteligente, com
vontade e liberdade. Entretanto, o que nos motiva para tomar esta
decisão e não outra? Que mecanismos nos permitem escolher
entre as alternativas propostas? Que motivações movem
nosso comportamento?
E ainda mais: como nos estruturamos,
como formatamos o caráter, quais as condições
para julgar, escolher e decidir para usar o livre-arbítrio?
Essas são as questões
que vamos estudar, embora reconheçamos que saber o porquê
da escolha é tarefa bastante complexa.
Nosso objetivo, porém, é examinar como podemos mudar
o caráter, para torná-lo mais satisfatório,
mais produtivo e nos fazer mais felizes.
A FORMAÇÃO
DO CARÁTER
A formação do caráter
é um processo acumulativo, de inclusão e exclusão
de fatores que o Espírito realiza no seu desenvolvimento. Na
vida corpórea, o caráter define a personalidade que
nos caracteriza e que nos permite a inclusão na sociedade.
O Espiritismo, considerando a Teoria
Espírita da Evolução, define o ser humano como
o ápice da caminhada evolutiva do Princípio Espiritual.
Para o Espiritismo, somos um Espírito imortal ligado temporariamente
a um corpo somático.
Ao longo do caminhar evolutivo,
nos tornamos um ser desejante, isto é, estimulados sensivelmente
pelo desejo. Em torno desse núcleo desejante, vão sendo
desenhados os horizontes e a participação no mundo externo.
Por detrás de qualquer decisão,
tomada conscientemente ou apenas impulsionada pelas circunstâncias,
está o caráter que estamos construindo e que especifica
o nível de desenvolvimento mental e espiritual que alcançamos.
Se considerarmos que a Lei Natural
é a plataforma que determina as diretrizes do Universo, veremos
que ela estabelece três vetores como fundamentos básicos
para a vida: sobrevivência, convivência e produtividade.
No desenvolvimento do Princípio Espiritual e na vida do Espírito,
esses três vetores impulsionarão os passos da evolução
pessoal e grupal.
Inseridos no processo, como a Esfinge na fábula
do Rei Édipo, a vida nos declara: “decifra-me ou te devoro”.
Logo, a sobrevivência é a primeira necessidade
fundamental.
A transformação do
Princípio Inteligente em Espírito começa com
a autoconsciência, isto é, a percepção
de si mesmo. E a descoberta de que dispõe de energia própria,
a agressividade, sua força interior que lhe garante a sobrevivência.
Todavia, o reconhecimento de si mesmo leva ao reconhecimento do
outro, gerando o conflito da relação eu-tu. Então,
descobrimos que possuímos uma liberdade essencial que, em
tese, nos torna senhor de nós mesmos. Ilhado no seu isolamento
e na sua solidão, o Espírito é compelido a
olhar para fora e é tangido a procurar o outro, atendendo
à necessidade constitucional de relacionar-se, seja para
garantir a sobrevivência ,seja para angariar suprimentos afetivos.
O TEMPO
DA CONVIVÊNCIA
Pressionados pelas realidades externas,
somos sujeito e paciente do processo vivencial. Determinamos e somos,
em termos, determinados. Desenvolvemos uma visão interna, própria,
real e no imaginário. É a partir desse referencial que
olhamos o exterior, que nos atrai e nos faz temer.
Surge o conflito latente sob a pressão
do desejo, que é a mola propulsora da ação e
a confrontação com o ambiente. Para manter relativo
equilíbrio entre as pressões internas e externas, desenvolvemos
percepções específicas, por vezes distorcidas
de nós mesmos e do mundo.
A construção do caráter
é um processo complexo, misturando, em proporções
desiguais, os fundamentos morais, o desejo, os sentimentos controversos,
pendulando entre o ódio e o amor e as pulsões instintivas.
A religião, a realidade social e familiar definem a filosofia
de vida, que se transforma nos comportamentos. Essa filosofia
é a síntese do sentir do ser. O sentir-se amado, desejado,
rejeitado, excluído das relações sociais e afetivas,
cria nosso perfil pessoal único, embora não necessariamente
exclusivo. Ao contrário, a maior parte das reações
comportamentais reflete a absorção de usos, costumes,
condicionamentos e exemplos hauridos na convivência, desde a
infância.
Todavia, o caráter será
formado a partir do acervo que trazemos, como uma personagem em trânsito
reencarnatório, que será o pano de fundo a que se somam
esses ingredientes vivenciais. Essa combinação de fatores
nos faz uma personalidade específica, com um perfil diferenciado,
mais ou menos distante ou absorvido pela cultura.
Todavia, em muitas ocasiões, surpreendemos e nos surpreendemos
por decisões muito diferentes do esperado.
AS OSCILAÇÕES
COMPORTAMENTAIS
A evolução de modo
algum é retilínea. É feita de oscilações,
de paradas e avanços. Não de retrocesso. Pode haver
momentos em que a pessoa supõe ter avançado, entretanto,
é uma projeção que, quando testada, pode sugerir
retrocesso, mas, na verdade, é a revelação da
verdadeira situação.
As variações de comportamentos
refletem as dificuldades da formação de nosso caráter.
Encontramos para seguir um roteiro mais ou menos equilibrado, se considerarmos
que nosso caráter é, por hora, muito imaturo e inseguro.
Nosso caráter compõe-se
de vários níveis. O nível de conservação
é formado pelas pulsões instintivas, a agressividade
da força interior, que garantem a sobrevivência. O nível
intelecto-afetivo consolidado define o acervo das conquisdas
definitivas da inteligência e dos valores incorporados. O nível
instável é a realidade atual, cambiante, do
caráter, com composição em parte bastante fluida,
sem consolidação, correspondendo ao estágio de
maturidade alcançado.
Essa realidade explica os conflitos entre o que
desejaríamos ser, ou que imaginamos que somos e o que somos.
Por isso, em termos gerais, o caráter está em constante
revisão. Quando nos recusamos a atualizar nossa “filosofia
de vida”, quando no cristalizamos em comportamentos repetitivos,
que não nos trazem satisfação, criamos um modelo
de vida deficitário e litigioso.
Na relação conosco
mesmo, criamos fantasias sobre nossa imagem, ora diminuída,
degradada, ora inflada, superdimensionada. Não é raro
o surgimento de sentimentos de baixa estima e de autodestruição.
Esse fluxo incerto cria problemas de afirmação e o desenvolvimento
de patologias que podem evoluir para fases mais graves.
Manter um nível mental satisfatório,
adequado, é básico para comportamentos equilibrados
que produzem respostas compensatórias. Além desse nível
de excelência, pouco alcançado, temos um largo espaço
de comportamentos que oscilam entre atitudes que, embora nos tragam
poucas respostas compensatórias, a mente segue mais ou menos
sadia. Outros comportamentos, porém, são basicamente
insatisfatórios e não nos trazem respostas compensatórias.
Principalmente quando enfrentamos desafios que não conseguimos
compreender e superar.
Nesse caso, nosso “eu” se traumatiza e podemos enfermar
nossa mente.
Enfermar indica distúrbios
graves, com patologias psiquiátricas, transtornos neuróticos
e desvios de procedimentos, refletindo conteúdos negativos.
Depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno bipolar,
esquizofrenia, estabelecem motivações comportamentais
típicas, em que o livre-arbítrio funciona sob condições
específicas.
Num nível menos patológico,
há formas de responder aos estímulos que denotam certos
desequilíbrios, cuja repercussão nem sempre é
demasiado funesta, mas que, de qualquer forma, criam situações
constrangedoras, desconfortáveis, atritos e confrontos pessoais
que podem resultar até em crimes.
Tais componentes evidenciam o que
a psicologia define como perversões, manias e fantasias que
motivam comportamentos desequilibrados.
TIPIFICAÇÃO GENÉRICA
DOS COMPORTAMENTOS
Pode-se dizer que a motivação
básica do comportamento é a manutenção
da integridade pessoal. Isto é, cada pessoa, a partir de seu
“mundo próprio” constituído de ideias, crenças,
sentimentos se defende, pela agressão, pelo medo ou omissão.
Esse “mundo” constitui
a filosofia de vida que comanda as reações que supostamente
mantém ou defende a integridade da pessoa. Ou o medo de perder
a si mesmo, tornando suas reações não necessariamente
racionais ou adequadas, mas convenientes ao momento. Enfim, há
uma infindável gama de razões e motivações.
Mas, como frisamos, a raiz está no livre-arbítrio.
Mas o livre-arbítrio é
a instância da decisão. O que nos preocupa é a
motivação da decisão. Criamos motivações
positivas ou negativas, conforme nos sentimos ameaçados ou
recompensados. Há, sem dúvida, pessoas que estagiam
em planos morais bastante inferiores e podemos afirmar que são
perversas, porque envoltas no mais espesso manto de egocentrismo,
revoltadas, infelizes, tendo como objeto atritar-se, machucar, caluniar,
apropriar-se de pertences e até matar o seu semelhante.
A imensa maioria, estagiamos em
motivações comportamentais eventualmente boas ou más.
Os dois segmentos mostram as dificuldades de manter-se um padrão
ético relativamente constante. Podemos listar algumas reações
comportamentais típicas:
1. Manifestações Negativas
• Ansiedade
• Ódio
• Medo
• Agressividade
• Violência
• Síndrome de Morte
• Angústia
• Insensibilidade diante da dor ou do sofrimento de outros
2. Manifestações
Positivas
• Fé
• Fraternidade
• Ponderação
• Ajuda
• Decisão racional
• Solidariedade
Esses valores positivos e negativos fazem parte
da maioria das pessoas. Há, sem dúvida, as que possuem
um coeficiente de bondade real que as faz praticar o bem e manter
uma relação de respostas compensatórias.
O que se pode afirmar é que
todos, em sua existência, têm possibilidades de construir
uma relação compensatória com a vida.
Isso é conseguido pela absorção
e consolidação de valores éticos e morais superiores.
A lógica do comportamento positivo está baseada nesses
valores, que garantem certa coerência na relação
social e são a base para a definição do certo
e do errado.
A ética é de solidariedade,
parceria e conjugação de esforços.
A moral estabelece as regras. Romper,
subverter essas regras, produz sentimentos pessoais e repercussão
coletiva.
No primeiro caso vem a culpa e,
no segundo, a punição.
A culpa pessoal é gerada
pela consciência ética que se estabelece conforme as
crenças pessoais. A punição é o instrumento
para manter a moral coletiva.
A transgressão da moral social
nem sempre corresponde à transgressão ética.
De qualquer forma não conduz à imolação.
Instintivamente, o individuo quer manter sua integridade.
Para compreender a manutenção
da ética e a transformação da moral social lembremo-nos
de que a ética cristã, cuja base é o amor ao
próximo e a equidade nas relações humanas, através
da fraternidade e da solidariedade, sobrevive na formação
da estrutura mental dos Espíritos que se desenvolvem na área
de predominância da ideia cristã.
Já a moral cristã
foi instituída pela Igreja, como norma de comportamento pessoal
e social, atendendo à interpretação que fez da
ética cristã.
Em decorrência, criaram-se normas sobre o que se podia ou não
podia, tentando regular a vida cotidiana, dentro de um horizonte definido:
de um lado a existência de um pecado original que tornava todos
culpados natos; de outro, o esforço de salvação
como caminho para a felicidade futura, eterna ou o sofrimento eterno,
depois da morte.
Esses parâmetros estabeleciam
os modos como cada pessoa deveria pensar e agir, na sua privacidade
— onde o olho de Deus estava invariavelmente presente —
na sociedade. Nesses casos o acessório muitas vezes se impunha
ao essencial.
Afirmamos isso porque, os eventos
que se sucederam depois do Renascimento, com a derrubada das normas
da sociedade cristã, determinando profundas mudanças
no cenário e no comportamento, não aboliram a ética
cristã, pois seus fundamentos permanecem na consciência
coletiva espiritual, através dos tempos e encarnações,
mesmo quando a moral e as regras mudam ou são desprezadas.
Construímos um caráter
provisório. Todavia, muitas vezes tendemos a considerá-lo
definitivo, o que motiva atritos, infelicidade e tensões. Agarrados
a um modelo temporário que julgamos permanente, temos dificuldades
em reciclá-lo, aparando arestas ou modificando motivações.
Mas, a necessidade de ser feliz move as pessoas para se transformar.
Essa necessidade e as experiências
nas relações humanas exigem permanente adequação
das motivações do comportamento, de modo a possibilitar
segurança e bem-estar.
A reposta é que isso
não é apenas possível, mas necessário.
As transformações do caráter de modo algum ameaçam
a integridade. Ao contrário, a unidade espiritual que somos
é sempre enriquecida quando avançamos positivamente
na apreensão de valores que aumentem nossa percepção,
nosso bem-estar e a capacidade de relacionamento.
A manutenção
de um caráter intolerante, inseguro, vulnerável, de
fundo maldoso ou dominado pelo ciúme e inveja motiva comportamentos
prejudiciais, que trazem sofrimento, isolamento, desamor e levam a
sintomas mentais e corporais danosos.
As mudanças do caráter
são feitas, principalmente, pela reformulação
da filosofia de vida. Isto é, pela renovação
moral, ética e pela compreensão dos fatores ambientais.
Tolerância, reciclagem
de ideias, mobilização das energias, de forma produtiva
e atuante.
Humildade suficiente para
reconhecer desvios.
Respeitar a integridade do
próximo.
Não é artificializar
o comportamento, hipocritizando o viver. É decidir e buscar
novos sentimentos, ideias, relações positivas.
Entretanto, as mudanças
reais do caráter, num plano mais amplo, deverão ser
alicerçadas na espiritualização das relações
humanas.
Não se trata de uma
solução ingênua. O processo evolutivo não
se faz por mero desejo, mas pela árdua renovação
de horizontes, reformulação de princípios, ideias
e novas relações entre as pessoas.
É complexo, mas de
modo algum complicado. É difícil, mas perfeitamente
alcançável e vai produzindo bem estar, paz de consciência
em crescente escala, conforme as etapas vão sendo superadas.
Pois somente a visão
da natureza espiritual do ser humano dará uma luz no escuro
caminho da sociedade contemporânea. Nela a mente se libertará
de alguns paradigmas estatuídos e superará paulatinamente
o medo e saberá direcionar o desejo de forma produtiva.
Será a fase da produtividade,
que sancionará a existência do ser, sobrevivente, convivente
e produtivo.
Sem que a visão espiritual
da natureza humana prevaleça, as soluções serão
precárias e incompletas. Na verdade, será o ponto decisivo
e moldará o pensamento humano de maneira a transformar a relação
entre as pessoas.
A espiritualização
é mais do que crer; é dar um sentido humanista, livre
e aberto à vida. Será baseada na imortalidade e na reencarnação,
como base da própria segurança interna e como explicação
para os processos ondulatórios da evolução pessoal
e coletiva.
O Espiritismo, como preconizado
por Allan Kardec, no início da criação da doutrina,
poderá ser um canal válido no caminho da espiritualização
humana. Todavia, a espiritualização, dando um novo sentido
à existência da pessoa e da vida terrena, não
significará a unanimidade ou a homogeneização
psicológica das formas de ver. Por isso, poderá admitir
várias formas de crenças, como visões particulares,
conforme as necessidades de pessoas e grupos, que se acomodam ao nível
evolutivo de cada um.