1. SOBRE O “SER E O NÃO
SER”
Entretanto, o Ser está destinado a ter império sobre
a existência; sua natureza de essência imaterial não
está destinada a diluir-se na noite do nada já que possui
uma transcendentalidade que o aproxima do imortal para fazê-lo
penetrar definitivamente no eterno.
O Ser é porque não há um existir para o nada.
Se o Ser é um ato espiritual, seu destino consiste em fazer-se
consciente de sua invulnerabilidade frente à morte. Se o Ser
nasce é porque já existia no seio da vida como uma essência
condicionada pela existência espiritual. Não haveria
Ser se seu existir estivesse destinado a ruir como um castelo de baralho
na obscuridade do irracional e do nada. Mas o “ser ou não
ser” de Hamlet, profunda problemática para a filosofia
de todos os tempos, foi resolvido pelo gênio mediúnico
da doutrina espírita. O Ser foi confirmado como Espírito
imortal e, por conseguinte, como entidade que não foi superada
pela morte, razão pela qual se revelou como entidade viva e
comunicante.
Toda filosofia niilista para ser rebaixada no que respeita ao nada,
sobre o qual se assenta, necessita de uma demonstração
existencial mediúnica que lhe faça ver a vida vencendo
a morte. Pois que o Ser é, existe e está destinado a
vencer as limitações da morte para revelar-se ante a
inteligência como uma Existência Viva, cuja característica
moral e psicológica não se verá alterada no mínimo
que seja pelo ato de morrer que o aguarda. Recordemos que
ato
de morrer se transforma com a filosofia espírita em
ato de ser, o que quer dizer que esse ato resulta
em uma transfiguração do homem até mostrar-nos
a verdadeira imagem do indivíduo. A morte à luz do Espiritismo
se transforma na desencarnação e o
ato de nascer
em encarnação e reencarnação.
O Ser, em sua realidade existencial encarna e desencarna, o que significa
que o nascer e o morrer da antiga visão filosófica e
religiosa é superada pela realidade do Ser imortal que, através
da encarnação e desencarnação, passa através
da história para dar cumprimento à noção
espírita que nos diz: “Nascer, morrer e renascer, tai
é a lei”. De maneira, pois, que o “ser e o não
ser” de Hamlet, — se bem que, por certo, segue espicaçando
um grande setor da antropologia moderna — foi amplamente elucidado,
não apenas pela razão filosófica, mas também
por “atos existenciais” que se revelam por intermédio
do fenômeno mediúnico.
O dilema de “ser ou não ser” foi transfigurado
por essa brecha aberta pelos espíritas, brecha que nos mostra
a verdadeira natureza do Espírito e da Vida. A reflexão
filosófica deverá penetrar nesses novos estágios
do conhecimento e reconhecer que todo ato existencial e todo intento
cultural de conhecer o homem e o mundo, só se tornará
um fato quando se reconheça positivamente que o Ser é
uma realidade existencial sem perigo de ser aniquilado, nem pela morte
nem pelo nada eternos.
2. SOBRE O “CRER OU NÃO CRER”
Allan Kardec, no capítulo “O Futuro e o Nada”
de seu livro “A Gênese”, revela-se-nos como Hamlet,
um notável filósofo existencial quando diz: “Ser
ou não ser: tal é a alternativa”, o que nos
apresenta esta outra dramática interrogação:
“crer ou não crer”? Com efeito, se o homem não
crê em algo transcendental, não crerá tão
pouco em seu próprio ser e existir, já que o Ser e
Crer são dois fatos que se interpenetram reciprocamente.
Se o Ser não é uma realidade espiritual, o ato
de crer resulta impossível, pois só poderá
crer quem está seguro de seu Ser como entidade existencial
imortal. Então, crê-se na própria existência
e na existência dos outros. O Ser se reconhece como realidade
espiritual e, não obstante as diversas finalidades de sua
angústia, na finalidade de sua dor, transcende toda ideia
da morte e do nada.
O Ser se afirma como entidade lógica ante as realidades contrárias
porque se sente Vida e Ser, reconhece que seu drama existencial
está ligado ao mistério do tempo, através do
qual se desenrola sua essência, eterna e palingenésica.
William James falou da “necessidade de crer”. Em realidade,
o ato de crer é o que dá ao homem personalidade moral
e fé no destino que lhe compete viver como Ser existencial.
Se o homem crê, estará a salvo do niilismo e de toda
morte espiritual. Crer é, pois, possuir o dom da fé
porque somente nessa condição se poderá olhar
a existência como Ser e Transcender, e reconhecer-se-á
que o Crer conflui no ser e existir eternos. Se a “fé
verdadeira pode olhar a razão face a face em todas as idades
da Humanidade”, essa fé é a que deverá
se enraizar no Ser para sua “salvação”
frente ao nada. E a fé aparece quando o Espírito se
reconhece a si mesmo como uma realidade indestrutível, por
cuja razão pode chegar a crer com toda intensidade na finalidade
inteligente da Existência e do Universo.
Ser e Crer são duas realidades existenciais que a filosofia
universitária não alcança confirmar firmemente
sobre fatos experimentais. Apenas a filosofia espírita pode
dar consistência real ao Ser e ao Crer, ao relacionar a inteligência
encarnada com a desencarnada.
Crer na Vida, no Espírito e em Deus, através do saber
espírita, é viver um crer comunicante com a verdade.
Surge na alma do Homem uma fé inamovível, a qual dar-lhe-á
serenidade e segurança, ao reconhecer-se como Ser inamovível,
a qual lhe dará serenidade e segurança ao reconhecer-se
como ser encarnado. O drama existencial será para ele como
uma consequência da lei moral que determina sua condição
palingenésica. Vem daí que o Crer se converterá
em Fé e toda contradição existencial experimentada
pelo Ser se converterá em vivência criadora.
A fé e o crer espíritas representam dois atos espirituais
que colocam o Ser em planos mais sutis e reais para o entendimento
filosófico e religioso. Conhecem-se os propósitos
divinos por uma ressonância interna da verdade no Ser encarnado,
fato este que o capacitará para reconhecer-se como Espírito
Imortal e como entidade que encarna e desencarna. Deus é
uma realidade para o Ser espiritualizado pelas luzes das revelações
mediúnicas. Sua existência se torna assim uma “realidade
de amor” que trata de relacionar-se com o Espírito
encarnado para beneficiá-lo com sua divina presença.
E é assim que o Crer e a Fé não são
dogmas ou pressuposições teológicas, mas se
manifestam no Ser como realidades que dão significação
à vida existencial e encarnada do indivíduo.
3. SOBRE O “AMAR OU NÃO AMAR”
No estado de fé o Ser penetra na verdade e passa através
do ato existencial do crer, compreendendo que existimos para viver
e para amar. Quando a fé e o crer se unem pelo sentido de
Espírito imortal, o Ser chega ao ato de amar sem nenhum esforço.
Então, nele se reúnem o Ser, o Crer e o Amar em uma
única substância e o homem encarnado descobre que leva
em si “graus de Cristo”, isto é, níveis
de amor alcançados por seu próprio progresso espiritual.
A noção do mundo invisível como uma presença
espiritual se instala em sua consciência e o Ser alcança
saber que todo existir como Espírito coadjuva sua própria
existência, isto é, sua correspondente reencarnação.
Mas, o que dá maior esplendor e objetividade a esta noção
do mundo invisível é a comunicação que
ele pode estabelecer com o visível. Esta realidade leva o
Espírito encarnado a compreender que o imortal é eterno,
como destino de todo ser existente, é propriedade da vida
como fenômeno divino que é. O mundo invisível
é a zona dos espíritos desencarnados que esperam corporizar-se
no invisível por meio da reencarnação. Disso
resulta que a existência é causa da preexistência
e as contingências existenciais são situações
palingenésicas determinadas pela própria evolução
do Ser.
O existencial tem sua causa no essencial, razão pela qual
pode-se afirmar, à luz da filosofia espírita, a primazia
da Essência sobre a Existência e não o contrário,
como sustenta o existencialismo de Sartre. O Ser, ao compreender
que existe para a vida e que a morte e o nada não fracionara
mortalmente sua realidade existencial, é capaz de amar. Chega
a sentir em sua essência a fé e o Crer como base de
seu existir e, por conseguinte, vive o ato de amar entre entregando-se
ao mundo invisível superior com alegria e regozijo espiritual.
O ato de amar se converte em vivência permanente de seu ato
de ser e, em tal situação de iluminação,
aumenta sua capacidade de crer. Deste modo o Espirito existe para
Ser, para Crer e para Amar, o que constitui a mais bela síntese
da existência encarnada. O Espiritismo, por ser ciência
do Espírito, é o mais potente e real existencialismo
do Ser e de Deus. Não há nele lugar para “uma
existência que morre”; no Espiritismo só há
Existência “que vive no divino e no eterno”. A
raiz da existencialidade que nos revela é de vida imortal;
por isso o Espiritismo é um existencialismo para vivos e
não um existencialismo para mortos.
No Espiritismo não cabem nem a Morte nem o Nada; por conseguinte,
é o verdadeiro Existencialismo, cuja base se acha no reexistencialismo,
isto é, nas existências sucessivas que o ser atravessa
para preencher os campos intelectuais e espirituais de sua consciência.
Todo saber existencial, que resulte impotente ante a morte, anula
o ato de amar. Só se ama quando se sabe positiva e mediunicamente
que o Ser é imortal e que no invisível se encontra
a raiz que sustenta e dá forma ao visível. O amor
é a consequência de um saber verdadeiro sobre o Espírito,
pois que todo amor ferido pela morte se transforma em dor e desesperação.
Para que o amor se manifeste no Ser plenamente, é necessário
saber que a morte não é uma realidade e que o Ser
vive no divino repetidas representações existenciais
(reencarnações) que o aproximam continuamente da Verdade,
da Beleza e do Amor.
Os filósofos modernos que buscam sobrepor-se à ideia
da morte e do nada deverão recorrer ao Espiritismo, pois
só nele está a ciência filosófica e religiosa
que supera a morte. Pois quando a cultura dos povos modernos se
basear sobre a realidade existencial do Espiritismo, já não
haverá senão Espíritos avançados conscientemente
para Deus, sabendo que se morre para viver e que todo existir verdadeiro
conflui em um ato de amor.
4. SOBRE A FÉ ESPÍRITA
Se a fé é ver com os olhos do Espírito as
coisas invisíveis, somente a fé espírita é
a verdadeira, pois que é um saber de clarividência.
A fé é um plano do ser que lhe permite penetrar na
verdade pela sabedoria que nos dão os espíritos desencarnados.
Isto porque toda fé sem conexão com a realidade do
mundo invisível não é fé viva e criadora,
mas sim, uma fé estática e sem vida espiritual.
A fé espírita é feita de ciência e filosofia,
isto é, brota na alma pela experiência e a reflexão.
Não é um postulado de ciências que responde
às necessidades de um dogma. A fé espírita
brota da própria alma do homem, pois que é a consequência
das relações que mantém com o mundo dos espíritos.
Quando a fé não é verdadeira, declina e muda
com o correr do tempo; chega o momento em que se esgota totalmente
no espírito por motivo de sua própria irrealidade.
Daí a decadência espiritual das culturas, das nações
e a aparição do ateísmo e do cepticismo.
A crise dos tempos modernos deve-se à falta de fé,
apesar do que digam contra os partidários do racionalismo.
A razão é a faculdade para medir e julgar as dimensões
do mundo visível, mas a realidade não é puramente
objetiva se necessita da fé que desenvolve a intuição
convertendo-se assim em um instrumento que nos permite penetrar
no mundo invisível.
A fé e a razão constituem o homem encarnado. Aí,
fé é a essência desenvolvida que o Ser traz
de suas vidas anteriores, enquanto que a razão é formada
pela experiência sensorial que o Espírito realiza em
seu estado de encarnação. Vale dizer que a fé
é essência que pertence ao Espírito, e a razão
o que se desenvolve com a inteligência, como saber experimental
adquirido através do processo palingenésico.
A fé espírita é o extrato essencial deixado
pela evolução do espírito. O mais alto do saber
é a fé, cujo instrumento, na vida encarnada do Ser
é a intuição, que é limitada ou extensa
conforme for a acumulação da fé efetuada pelo
Espírito.
A filosofia espírita, que reconhece o Ser como uma entidade
que encarna e desencarna sem solução de continuidade,
mantém que a inteligência sem a fé resulta limitada
pela estreiteza sensorial em que se encontra o Ser que, como se
sabe, é apenas um modo de apreender o conhecimento. A fé
adquirida por uma expansão palingenésica da consciência,
em contraposição, resulta para nós em um saber
adquirido pela iluminação espiritual do objeto conhecido.
A fé é capaz de ultrapassar o universo da forma, enquanto
que a inteligência permanece aderida ao puramente formal.
A fé é também inteligência, mas é
um saber baseado na essência das coisas; poderíamos
dizer que a fé é um saber inspirado que se faz magnifico
em um saber mediúnico, o qual transfigura-o, fazendo-nos
ver que todo conhecimento autêntico provêm do mundo
dos espíritos.
A fé espírita é um saber do mundo espiritual;
sua essência está formada por uma evolução
da consciência e por uma constante comunicação
da alma com o invisível. Dai resulta que todo o verdadeiro
saber necessita crer em Deus e na verdade do Ser como espírito
encarnado. Só assim se completará esse tipo de homem,
capaz de sobrepor-se à morte e ao nada. Deste modo é
que se reconhecerá que toda existência tem sucessivas
e múltiplas existências, pelas quais o Ser se desenvolve
amplamente até ressoar com a realidade invisível do
Universo.
Um saber sem fé não completará nunca o Ser
do homem encarnado, pois que, enquanto a fé não ponha
em movimento a intuição, o homem permanecerá
na epiderme do conhecimento e não se reconhecerá a
si mesmo como uma entidade espiritual permanente e imortal. O pensamento
à luz do Espiritismo é um fenômeno intelectual
que se conquista pelo ato da encarnação vivido pelo
Ser. Mas o pensamento logo se elabora, intimamente, até alcançar
um refinamento tal que se transforma em essência do Ser e
do Saber. Não esqueçamos de que o Ser é uma
manifestação do Espírito sobre a base de seu
processo palingenésico que o transfigura cada vez mais, até
elevá-lo ao plano dos Espíritos puros.
As verdadeiras faculdades mediúnicas (repare-se que são
faculdades) são o resultado de uma grande acumulação
no ser de fé e de saber que permitem ao espírito encarnado
comunicar-se com o mundo invisível. A isto Kardec chama mediunidade
facultada, pois que está unida à evolução
do Ser e é uma consequência dessa mesma evolução.
De modo que a fé espírita é um estado superior
de evolução que, à luz do Espiritismo, se pode
anunciar como uma realidade.
Antes do advento da filosofia espírita a fé era uma
coisa imposta ou sugerida à força de dogmas e crenças
e se desmoronava ante a análise da razão. Por sua
vez, a fé espírita quer dizer a iluminação
da alma por diversas vivências espirituais do Ser e surge
como uma consequência de profundas convicções
acerca da existência do Ser e do mundo dos Espíritos.
Este fato fez Kardec dizer que “a fé inabalável
é aquela que pode olhar a razão em todas as idades
da humanidade”.
Com este pensamento, o mestre espírita quis expressar que
a cultura viverá diversas idades resumidas na científica,
na filosófica e na religiosa; a fé espirita não
será confundida porque o saber espiritual se converterá
em sabedoria divina, para conhecer cada vez mais e melhor o Espírito
e o Universo.