De início são cabíveis
algumas informações históricas suscintas, pois
a maioria dos espíritas podem não ter conhecimento.
O documento que agora completa 70
anos foi assinado na chamada Grande Conferência Espírita
do Rio de Janeiro, aos 5 de outubro de 1949 na sede da FEB, embora
tenha sido uma reunião de quase duas dezenas de pessoas. O
evento depois foi designado como “Pacto Áureo”.
Esta reunião propriamente dita não estava programada
e ocorreu simultaneamente a um Congresso Espírita Pan Americano
que acontecia no Rio de Janeiro, e que contava com a atuação
de lideranças do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Estes dirigentes
tinham propostas emanadas do Congresso Brasileiro de Unificação
Espírita, ocorrido em 1948 em São Paulo.
Houve uma negociação
para serem recebidos pelo presidente da FEB Wantuil de Freitas. No
transcorrer da imprevista reunião o presidente da FEB apresentou
uma proposta que foi aprovada pelos presentes “ad referendum”
das Sociedades que representavam. Foi um momento marcante dentro do
cenário das dificuldades da época para a união.
Claramente foi o documento possível para o momento. No retorno
a seus Estados, alguns dos líderes foram questionados, principalmente
em São Paulo porque o documento assinado diferia em muito das
propostas aprovadas em plenário no Congresso Brasileiro de
Unificação Espírita. O Pacto Áureo criou
o Conselho Federativo Nacional da FEB e depois a “Caravana da
Fraternidade”.(1,2)
Nas evocações históricas
e festivas alusivas ao Pacto Áureo, não se faz uma análise
sobre o texto, levando-se em consideração o contexto
em que foi elaborado, a experiência vivida nesse ínterim
e realizando-se um cotejo com a realidade atual do movimento espírita
de nosso país. O valor histórico do Pacto Áureo
é inquestionável, é um marco, mas nessas sete
décadas ocorreram inúmeras e profundas transformações
no contexto social e político de nosso país, e, o movimento
espírita brasileiro viveu um grande desenvolvimento, amadurecimento
e diversificações de atuação.
Atualmente há necessidade de
uma análise desse documento histórico que apresenta
a falta de atualidade de seus itens e mantém detalhamentos
provavelmente adequados apenas àqueles momentos da assinatura.
Depois de analisar detidamente o “Pacto Áureo”
item a item em nosso livro União dos espíritas.
Para onde vamos? concluímos: “Em nosso entendimento
e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto
do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos
um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática
‘ao pé da letra’ o que está definido em
seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante
referencial histórico, mas não é mais aplicável
na atualidade.”(1)
Destacamos que o Pacto Áureo não se fundamenta
nas Obras Básicas do Codificador, e, sem nenhum juízo
de nossa parte à obra, explicita apenas o livro Brasil,
coração do mundo, pátria do evangelho. Em
nosso livro acima citado consideramos as hipóteses que determinaram
tal opção por parte do proponente, o presidente da FEB.
A primeira questão a ser levantada é sobre o Artigo
1o do “Pacto Áureo”: “Cabe aos Espíritas
do Brasil porem em prática a exposição contida
no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo.”(1)
Há necessidade de se citar e valorizar as cinco obras básicas
do Codificador!
Então fica flagrante uma incoerência, pois as Federativas
Estaduais são vinculadas ao Conselho Federativo Nacional da
FEB, com base no “Pacto Áureo” e que não
se fundamenta nas cinco Obras Básicas, mas, por outro lado,
recomendam ou exigem em seus Estados que nos Estatutos dos centros
espíritas adesos exista uma cláusula referente às
Obras Básicas de Kardec:
“O Centro Espírita…
fundado em… , neste Estatuto designado ‘Centro’,
é uma organização religiosa, com duração
indeterminada e sede na cidade de… , no endereço…
, e que tem por objeto e fins: I – o estudo, a prática
e a difusão do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base
nas obras de Allan Kardec, que constituem a Codificação
Espírita.”(1)
Entendemos que dava existir coerência entre a vinculação
federativa formal em nível nacional e as recomendações
para as bases. Há outros itens do Pacto Áureo que não
são do real conhecimento dos dirigentes de centros espíritas
e que precisam ser substituídos, e que podem – ao pé
da letra – dar margem a situações e até
a condutas centralizadoras e interferencionistas.
Atualmente, a tradicional redação do Pacto Áureo
é incoerente com os conceitos de união e de unificação
que a Espiritualidade tem expressado ao longo das últimas décadas.
O espírito Bezerra de Menezes é sempre muito enfático
na valorização de Kardec. Haja vista a marcante mensagem
“Unificação”, psicografada por Chico Xavier
em 1963, e sempre reproduzida na seara espírita.(1,2,3)
Em mensagem pioneira sobre o tema e dirigida aos participantes
do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita
(São Paulo, 1948), destacou Emmanuel: “O mundo conturbado
pede, efetivamente, ação transformadora. […] se
faz impraticável a redenção do Todo, sem o burilamento
das partes, unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio,
educação, solidariedade, valor e sacrifício que
caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens,
servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação,
para que todos sejamos um…”(2)
Mas Kardec tem palavras magistrais em
seu último discurso: "O laço estabelecido por uma
religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente
moral […], e não somente o fato de compromissos materiais,
que se rompem à vontade, ou da realização de
fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito.
O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os
que ele une, como consequência da comunhão de vistas
e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência
e a benevolência mútuas."(4)
Consideramos o septuagenário “Pacto Áureo”
um documento histórico, mas o mundo e o movimento espírita
estão em outros tempos…
1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos
espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018. 144p.
2) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação
Espírita. São Paulo: USE. 191p. Edição em
versão digital no site da USE: www.usesp.org.br; em Documentos/Documentação
histórica.
3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Desafio do momento.
Revista Senda, FEEES, N.196, Ano 97, mar.-abr.2019, p.9.
4) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O
Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro
de 1868. Ano XII. FEB. 2005.