Espiritualidade e Sociedade



Antonio Cesar Perri de Carvalho

>     Chegar junto aos simples

Artigos, teses e publicações

Antonio Cesar Perri de Carvalho
>    Chegar junto aos simples

 

(*) – Ex presidente da FEB e da USE-SP; membro da Comissão Executiva do CEI.

 

“Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.
E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele.” – Paulo (1)

“A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário,
em torno da qual já temos a ventura de ver, em todas as partes do globo, congregados tantos homens,
por compreenderem que aí é que está a âncora de salvação, a salvaguarda da ordem pública,
o sinal de uma era nova para a humanidade.” – Allan Kardec (2)

 

 

Após deixarmos os encargos na FEB, voltamos a ter contato com algumas realidades mais próximas de situações de vida das pessoas que habitam a periferia de grandes cidades.

Atualmente, em atividade junto a um Centro Espírita que atua em bairro e que presta apoio a famílias carentes, integramos a equipe que visita lares. Várias situações dramáticas vieram à tona. Entre elas, em visita a um casebre extremamente precário, próximo a uma ribanceira – e, paradoxalmente, com vista a distância para um belo bairro da cidade – vários dramas estavam presentes. A senhora responsável pela família, já com mais de 40 anos, estava grávida. Relatou que a gestação era resultante de violência sexual, mas que ela se recusou a praticar o aborto porque entendia que a criança não tinha nada a haver com a triste ocorrência. Um de seus filhos foi levado à força para o Estado de origem de antigo companheiro. O casal de filhos adolescentes, que conhecemos, também já tinham sido vítimas de violência sexual. A impunidade de tanta tragédia se oculta pela localização da “moradia” e de seus “vigilantes”... Além do apoio material e moral, o grupo espírita visitante presta também apoio espiritual. Ao se abrir O evangelho segundo o espiritismo – e que coincidência - foi lida a página “Os infortúnios ocultos” (Cap.XIII), seguida de uma prece.

Em outro momento totalmente distinto, precisamos comparecer a um órgão previdenciário, em momentos de demanda reprimida após uma greve, tendo sido agendado nosso comparecimento em agência de bairro periférico. Ao chegarmos ao local, enquanto aguardávamos nosso atendimento, observávamos o público presente: que tristeza! Pessoas idosas, doentes, com deficiências de locomoção; mães com crianças no colo e nas mãos... A aparência geral era sugestiva de vida extremamente difícil. E o detalhe extra, pois imaginávamos o óbvio, de que os presentes ali chegaram vencendo ainda distâncias grandes a pé ou de ônibus.

De outra feita, em outro ambiente, nos saguões de hospitais, observamos a situação terrível dos usuários da assistência de saúde estatal e a brutal diferença dos que tem garantia financeira ou de um razoável plano de saúde. Estes, em poucos minutos, passam pela burocracia do atendimento inicial e já tem acesso até a exames e tratamentos sofisticados.

Nesses três “flashes” vivenciados em poucos meses - um autêntico “choque de realidades” - provocaram-nos profundas reflexões sobre o papel dos espíritas junto ao meio social, e fazendo-se recordar, meio século atrás, quando nos períodos de adolescência e juventude labutávamos com nossa família na Instituição Nosso Lar – que vimos nascer – localizada num então bairro periférico da cidade de Araçatuba (SP).

Mesmo considerando as alterações que o país e o movimento espírita sofreram nesse período de tempo, há necessidade de se refletir sobre a atuação dos espíritas junto aos segmentos mais simples de nossa população. E há componentes agravados pela maior violência e pela disseminação das drogas e também há indícios de que há algumas incompatibilidades entre propostas e realidades.

Os Centros Espíritas – que representam a base do Movimento Espírita –, local onde as ações se corporificam, devem merecer atenção de seus dirigentes promovendo estudos, análises e diálogos, sobre as demandas da cidade ou dos bairros de uma cidade, sobre a adequação dos planos de trabalho – atendendo todas as faixas etárias e sociais – à efetiva realidade em que se encontram inseridos.

Em momentos preditos como o do “Consolador Prometido” são sugestivas as ações dos primeiros agrupamentos cristãos, reportados por Emmanuel nos livros Paulo e Estêvão, 50 anos depois e em Ave, Cristo! O registro do ex doutor da Lei é muito oportuno, ao se tornar homem do povo como na condição do apóstolo Paulo e que ele registrou na acima citada I Epístola aos Coríntios.
(1)

Com essas anotações reiteramos as preocupações já externadas em Correio Fraterno do ABC
(3) e na Revista Internacional de Espiritismo (4), onde registramos experiências notáveis de Espiritismo em ambientes simples, respectivamente, no Brasil, incluindo o exemplo de Chico Xavier, e na Guatemala.

Referências:

1. I Cor., 9.22-23.

2. Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O livro dos médiuns. Item 350. Brasília: FEB.
3. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Espiritismo em ambientes simples. Correio Fraterno do ABC. Edição julho-agosto de 2015, p.7.

4. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Junto aos simples nas montanhas da Guatemala. Revista Internacional de Espiritismo. Edição de setembro de 2015, p.445.

 


Chico Xavier conversando com o repórter de “O Globo”, Clementino Alencar,
que fez várias reportagens para o jornal do Rio de Janeiro, no ano de 1935.
Foto ilustrativa de uma das reportagens, realizada em Pedro Leopoldo, MG,
republicada no livro Notáveis Reportagens com Chico Xavier, IDE, Araras, SP.
Com colaboração de Leopoldo Zanardi.

 

 

Fonte: parte de artigo do autor publicado em Revista Internacional de Espiritismo. Edição de abril de 2016. Ano XCI, No. 3, p.37-38; e no Blog do GEECX na Rede Amigo Espírita
http://www.noticiasespiritas.com.br/2016/MAIO/23-05-2016.htm

 

 

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