Como forma de conhecimento o Espiritismo
precisa acompanhar a posição da Ciência, e divide
com ela fatias do seu objeto de pesquisa, já que na atualidade
é tendência que o "elemento espiritual"
possa fazer parte das conjecturas científicas, que deixam de
ser estritamente "materiais".
Vale ressaltar que uma tendência
à qual a Doutrina Espírita não está inclinada
é a de estabelecer seus princípios como verdades incontestáveis.
O Espiritismo, desde Kardec, reconhece seu caráter representativo
e atualizável. É Kardec mesmo que propõe aos
opositores do Espiritismo que expliquem melhor, isto é, com
um modelo mais adequado o conjunto de fenômenos que o Espiritismo
explica.
A estrutura da Doutrina Espírita
é de origem humana e espiritual, já que é um
conhecimento oriundo dos Espíritos, mas a sua representação,
validação e sistematização são
de caráter essencialmente humanos, confeccionados pelos homens.
Por este mesmo motivo não está isenta de erros, inerentes
à interpretação e representação
das questões. A pedra de toque utilizada para a validação
dos princípios, mais do que as idéias, são os
fatos.
A postura espírita perante
o Universo é bastante semelhante à postura das outras
ciências: O Espiritismo, partindo de alguns pressupostos fundamentais,
como a existência de Deus e da Alma, em observando fatos objetivos,
compõe um modelo explicativo para o fenômeno e testa
se o modelo é adequado aos fatos observados. Tal modelo é
aceito até que a experimentação demonstre que
ele está equivocado, então, outro modelo é proposto.
Enquanto ciência o Espiritismo
interpreta um conjunto objetivo e restrito de fatos, para a partir
das leis que estes demonstram, e que os homens interpretam, edificar
um conjunto de conhecimentos filosóficos capazes de simbolizar
o universo na idéia humana. Importante perceber que na elaboração
da Filosofia Espírita entram não somente os dados da
Ciência Espírita, mas de todo o conhecimento científico,
daí o afirmar Kardec que a Ciência e o Espiritismo se
completam. Com base nesta elaboração filosófica
é que decorre, por uma necessidade de coerência entre
teoria e prática, uma mudança de comportamento ético,
decorrente da Filosofia Espírita. Para aquelas que se detém
na ciência espírita, a mudança de comportamento
é uma abstração carente de sentido pois somente
o caráter filosófico do Espiritismo induz a uma nova
postura ética. Daí o afirmar Kardec:
"Sua força
está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão,
ao bom senso."([63])
O aspecto religioso do Espiritismo
ressalta dos seus pressupostos: Deus, existência da alma, etc.
E principalmente pelo caráter de revivecência da ética
cristã, igualmente decorrente de sua filosofia. Além
disso, a proposta de levar o homem a uma experiência existencial
de auto-realização pelo progresso; pelo desenvolvimento
dos potenciais intuitivos e pela comunhão e integração
consigo, com o próximo e com Deus — que o Espiritismo
propõem, caracterizam-no como uma religião transcendente
aos ritos e dogmas.
O conhecimento espírita
é um conhecimento de tríplice aspecto. Está
fundamentado na Ciência, edifica-se na Filosofia e evidencia-se
na prática. É a prática, coerente com a filosofia,
o caráter fundamental da religião espírita. A
religião espírita não se mostra no culto realizado
no templo, mas como expressão de viver, como atividade prática,
exercício de vida, na coerência entre saber e agir, um
mecanismo profundo de sentir e experienciar a vida.
O não entendimento deste aspecto
tríplice do Espiritismo tem levado alguns a posições
extremadas e atitudes incoerentes com a essência da Doutrina
Espírita. A tendência eminentemente religiosa ou a pura
especulação filosófica ou ainda a fria pesquisa
científica são aspectos isolados que não possuem
a coerência que o Espiritismo lhes dá. A estrutura de
conhecimento do Espiritismo é uma proposta de educação
integral para personalidade humana.
Uma dimensão do conhecimento
que não pode ser desprezada pelo Espiritismo é a Arte.
Como mecanismo de conhecimento e vivência, a arte desperta realidades
para a alma de maneira inexprimível em argumentos lógicos.
Kardec preocupava-se com a questão. Encontramos em Obras Póstumas
as seguintes afirmações a respeito do assunto:
"Assim como a arte
cristã sucedeu à arte pagã, transformando-a,
a arte espírita será o complemento e a transformação
da arte cristã" ([64])
E complementa:
"Sem dúvida, o Espiritismo
abre à arte um campo inteiramente novo, imenso e ainda inexplorado."
([65])
De fato, a opinião de Kardec
vai até aí: esta profunda influência que o Espiritismo
teria sobre a Arte. Sua opinião é de que a Filosofia
Espírita erigiria uma Arte Espírita, mas como uma demonstração
descritiva.
Entretanto, a simples preocupação
com o caso, por parte do Codificador do Espiritismo, deixa-nos ainda
mais à vontade para apontar a Arte como um dimensão
extra para a Natureza do conhecimento espírita. Ciência,
Filosofia, Religião e Arte seriam, pois, aspectos de percepção
para tornar o Espírito educado para a realidade da vida.
A proposta de educação
integral que o Espiritismo vem apresentar à humanidade pretende
colocá-la no plano do desenvolvimento de todas as potencialidades
para uma íntima integração do ser consigo, com
o próximo e com Deus. Mas essa integração não
é apenas de caráter racional; é também
de conotação profundamente afetiva.
([66])
([63]) KARDEC, Allan - O Livro dos Espíritos.
FEB. 56ª ed. Rio de Janeiro. 1982. pg. 484
([64]) KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB. 22ª
ed. Rio de Janeiro. 1987. pg.158.
([65]) KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB. 22ª
ed. Rio de Janeiro. 1987. pg.158.
([66]) Em Setembro de 1993, tivemos a oportunidade
de trocar idéias com um companheiro das lides espíritas,
o Dr. André Luiz Peixinho, que, na ocasião, nos apresentou
a Arte como um elemento adicional à natureza do conhecimento
espírita. Na época, o confrade nos apresentou o modelo,
que reproduzimos abaixo, sobre as percepções do homem.
O esquema nos mostra que tipo de percepção
predomina em cada ramo do conhecimento. O modelo parece ser uma proposta
de concepção holística, proveniente da teoria do
hólon de Arthur Koestler. Mas não nos foi dado identificar,
efetivamente, a fonte.