Como sabemos o homem é um
ser tríplice, composto de corpo, espírito e perispírito.
O espírito é sua característica principal pois
é o artífice de seu próprio corpo, modelando-o
a fim de apropria-lo às suas necessidades e à manifestação
de suas tendências (RE 1869 – pág. 63).
Para a Doutrina dos Espíritos, a compreensão e percepção
real do que significa o ser humano, como pessoa, constitui valioso
elemento de análise, indispensável para o entendimento
dialogal com o mundo moderno, com a nascente civilização
pós-industrial, no contexto de um processo de globalização
geral, bem como no sentido de avaliar o processo vivido pela multidão
de marginalizados e empobrecidos que começam a despertar,
a se organizarem e a caminharem com seus próprios pés.
Podemos observar que a Doutrina dos Espíritos situa insistentemente,
a dignidade da pessoa humana no cerne de seus ensinamentos, preocupação
essa que se estende as questões sócio-político-econômica,
defesa da vida humana, do trabalho, do significado do progresso
técnico-científico, enfim, toda vêz que se coloca
em jogo a dignidade humana.
Para a perfeita compreensão do sêr humano, como pessoa,
é deveras importante apreendermos que a "pessoa",
a personalidade, é o conjunto de atitudes, tendências,
valores e sentimentos, que ao longo dos milênios, o Espírito,
como elemento catalisador, ligando-se à matéria para
lhe dar forma e estrutura, foi incorporando em si, mediante a utilização
do livre arbítrio.
Carlos Toledo Rizzini, in "Psicologia
e Espiritismo" nos informa que "a personalidade
é constituída pela síntese de todos os fatos
psicológicos", óbviamente, adquiridos ao longo
das encarnações.
A visão do homem como pessoa deve ser procurada e entendida
no contexto da Doutrina dos Espíritos, a fim de que possa
exercer e colaborar na ação de transformar o mundo.
Ao entendermos essa visão
veremos que o homem não é um brinquedo nas mãos
de um Criador, de uma força impessoal, ou de uma Causa Primeira,
mas que é avisado, advertido, predestinado e chamado a responder,
aceitando o convite da Causa Primeira e Inteligência Suprema,
para dar sua colaboração, para ser interlocutor e
parceiro da Evolução. Como colaborar?
Alguém poderia perguntar, qual a importância da visão
do ser humano como pessoa segundo a ótica espírita,
diante dos graves e urgentes problemas humanos existentes no mundo?
Ante tanto sofrimento e tanta injustiça, não deveríamos
simplesmente lutar contra a marginalização, contra
as injustiças em todas as suas manifestações
e contra as estruturas que oprimem milhões e milhões
de seres humanos, impedidos de crescerem em humanização
e espiritualidade? Em outras palavras: a urgência da luta
contra os poderes que impedem a humanização e espiritualidade
do homem, e consequentemente a ação transformadora
do mundo, não relegará os princípios espíritas
sobre o homem ao âmbito das belas definições
idealistas que deixam intocada a realidade da miséria, de
dominação, de escravidão e de abandono em que
se encontra a maioria dos povos da terra?
Não temos visto no movimento espírita senão
discursos e definições idealisticas. Nada de prática,
seja por ações, seja por vivência. Nada há
de retórica em nossas palavras. É necessário
partir da teoria para a prática, lançar-se à
ação no mundo.
A falta de ação, o imobilismo, demonstra que parece
faltar uma auto-consciência para levarmos em consideração
os questionamentos que brotam do "mundo" dos empobrecidos
e marginalizados. Este "mundo" de empobrecidos e marginalizados
supõe a existência de um outro "mundo" que
o empobrece e o marginaliza.
A abertura à realidade da existência dos oprimidos
não pode deixar de lado a realidade da existência dos
opressores, que atualmente se identifica com a forma de sociedade
moderna, em um sistema neo-liberal com a globalização
da econômia.
É necessário que se visualize o caráter universal
dessa sociedade globalizante, sobretudo no tocante à responsabilidade,
que a ela deve ser atribuída, no processo da dominação,
empobrecimento e marginalização de milhões
e milhões de seres humanos.
Para manter a dominação, a sociedade moderna continua
impondo à humanidade, com a finalidade de domínio,
restrição da liberdade de pensamento, conceitos que
vem perdurando há séculos, tais como fatalismo, predestinação,
determinismo, os quais embotam e impedem que a liberdade se expresse
de forma racional, restringindo com tais conceitos que a esperança
de uma nova ordem social mais justa se esmoreça, pois tais
conceitos são a negação da liberdade.
A Doutrina dos Espíritos, o movimento espírita em
geral e o espírita em particular, não devem se descurar
da atitude fundamental que sempre guiou o comportamento de Jesus
de Nazaré.
Seu exemplo, manifestado em toda
sua vida, é o legado que precisamos ter na abertura de diálogos
com o mundo moderno, em uma real abertura ao mundo dos marginalizados.
Com base em o "Livro dos Espíritos",
obra básica do Espiritismo, quando visualizamos a sociedade
como um todo passamos a entender que tal sociedade é uma
organização insatisfatória, predominando o
egoísmo, a avareza, a violência, a deturpação
do poder, a corrupção. Entendemos que a sociedade
deve ser modificada, e que cabe ao homem modificá-la. Cabe
ao homem criar uma sociedade onde a colaboração superando
a competição, entregará a cada um o necessário
à sua sobrevivência; proporcionará a cada um
os elementos e condições necessárias à
sua educação e à sua saúde. Está
a visão de uma sociedade segundo a ótica de Jesus
e da Doutrina dos Espíritos. Uma sociedade onde a justiça
não seja distribuída e aplicada única e exclusivamente
em benefício dos poderosos e de uma elite minoritária
que usurpa o poder, mas que seja distribuída e aplicada indistintamente
a todos os seres humanos. Uma sociedade onde a Justiça deixe
de ser CEGA para ser IMPARCIAL, pois dessa forma reprimirá
e suprimirá o crime, de qualquer natureza, que hoje é
engendrado, na maioria das vezes, à sua sombra.
Para bem entendermos o sêr
humano como pessoa, sua visão deve ser procurada em seu passado.
Sem o "retorno" ao passado, o nosso presente acaba se
tornando incompreensível. No entanto é importante
interessar-se pelo presente, a fim de obtermos respostas. Apesar
de uma e outra, retorno ao passado e interesse pelo presente, serem
insuficientes, precisamos delas para a auto-compreensão do
contexto do homem na sociedade para que possamos começar
a encetar a caminhada de humanização e espiritualização,
com a consequente libertação dos povos marginalizados
e oprimidos.
Os fatos psicológicos, desempenham uma função
essencial no comportamento do ser humano, pois no caminho da eternidade,
passando por vida após vida, irá incorporando ao Espírito
eterno, as qualidades determinantes de sua individualidade.
Tais fatos se interelacionam a acontecimentos com pessoas e com
nosso meio ambiente, e são adquiridos por aprendizado de
ajustamento, ou seja, hábitos complexos.
Assim, desenvolvemos nossa personalidade à medida que lidamos
com o meio social, e, uma vez desenvolvida, ela facilita nosso ajustamento
à sociedade.
Com a visão do homem como pessoa, segundo a ótica
espírita, veremos que o valor, a dignidade e a importância,
da resposta do homem ao chamado na colaboração de
um novo mundo aparece de forma especial no exemplo de Jesus, que
colocou sua vida à serviço do povo sofredor, consubstanciando
na moral espírita prescrita por Allan Kardec.
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