Uma controvérsia com Leymarie
por Vital Cruvinel
No dia 8 de outubro de 1875 foi publicado no periódico britânico
The Spiritualist um artigo escrito pelo editor da Revista Espírita
Pierre-Gaëtan Leymarie em resposta ao artigo do pesquisador russo
Alexander Aksakof publicado dois meses antes no mesmo periódico.
Nesta época Leymarie estava foragido na Bélgica para evitar
sua prisão por conta do Processo dos Espíritas no qual
ele foi condenado por cumplicidade na fraude de fotos de espíritos
obtidas pelo fotógrafo Buguet e pelo médium Firman. Há
indícios no próprio texto de que o artigo tenha sido escrito
em conjunto com outras pessoas; em alguns trechos Leymarie é
referido em terceira pessoa.
por Vital Cruvinel
O artigo do Aksakof apresenta duras críticas a obra e a pessoa
de Kardec
-> link
para o artigo de Aksakof - clique aqui -
Neste
link - Uma
controvérsia em detalhes - Vital detalha e contextualiza
as fontes de sua pesquisa e da controvérsia.
O periódico
O artigo foi publicado no influente semanário
britânico "The Spiritualist (ou The Spiritualist
Newspaper)" que permaneceu em circulação de 1869
a 1881. Era editado por W. H. Harrison e fazia parte da British National
Association of Spiritualists que mais tarde se tornou a Society
for Psychical Research.
A tradução do Livro
O Livro dos Espíritos
tinha acabado de ser publicado na língua inglesa com tradução
da Anna Blackwell,
amiga do casal Rivail. Até então esta obra já tinha
sido traduzida a mais de uma década para o alemão e para
o espanhol. E o opúsculo O Espiritismo em sua Expressão
mais Simples em alemão, polonês, português,
grego, italiano, e espanhol, mas menos em inglês.
Anna Blackwell também
respondeu a Aksakof:
veja
neste link - clique aqui
Editor da "Revista Espírita"
sobre Allan Kardec
Excelentíssimo senhor, tendo folheado recentemente
alguns dos principais periódicos espiritualistas de sua cidade,
eu fiquei extremamente surpreso ao descobrir que, nesta crise, quando
todos nós (Espíritas ou Espiritualistas) deveríamos
estar unidos, a fim de resistir e repelir os ataques de nosso inimigo
comum, o espírito do mal está disseminado; e isto quando
se está perfeitamente consciente da influência irresistível
e perniciosa exercida neste país por uma determinada parte do
clero, quando você mesmo, tratando do tema do processo, falou
do senhor Leymarie e senhor Firman como sendo as vítimas desta
parte que, nesta crise, eu repito, você abre as colunas de seu
influente jornal para todos aqueles que procuram depreciar a memória
de Allan Kardec por calúnias mesquinhas e insinuações
desprezíveis, sabendo, como você provavelmente sabe, de
que fonte elas vêm. Para mim é muito doloroso ver tais
alegações errôneas divulgadas pelos impressos públicos,
e permita-me, senhor, assim espero, defender a honra da memória
de um homem dos mais honrados e injuriados.
Um sentimento de respeito e veneração
aos que partiram, e especialmente àqueles cujas vidas foram consagradas
à realização de tudo que é bom e grandioso,
sempre foi reconhecido como inerente à nação inglesa,
e assim ela pode se orgulhar de tal nobre sentimento. Na França,
é costume atacar a reputação de todo homem célebre,
cujos serviços não forem oferecidos à Igreja como
manda a lei vigente. Ridicularizá-lo, torná-lo desprezível,
manchar o seu bom nome, nada é poupado para esse efeito, nem
a utilização de linguagem vil, nem os repetidos e simultâneos
ataques destes dois grandes órgãos de fanatismo e Jesuitismo,
o Univers e o Figaro.
Os senhores Dirckinck Holmfeld e Aksakof estão
pelo menos familiarizados com Allan Kardec? Não, no mínimo.
Eles simplesmente repetem as calúnias que nunca deveriam ter
escutado. É fato bem aceito que um homem de talento, o senhor
Piérart [1], e outros, cujos nomes
seria inútil mencionar, se dão o trabalho de circular
estas falsidades, que, naturalmente, impressionam os estrangeiros em
Paris, que tomam muito pouco cuidado em descobrir a verdade, e se limitam
a repetir o que foi comunicado a eles. Não temos a honra de conhecer
pessoalmente o senhor Piérart, mas não sairíamos
mundo afora dizendo qualquer inverdade, ainda que, estivéssemos
em campanha contra ele, mas nem a centésima parte das calúnias
inventadas por ele contra Allan Kardec, tanto durante sua vida como
após ter sido remetido ao túmulo, que era incapaz de se
ressentir de uma injúria, e cuja vingança consistia apenas
em dizer todo o bem que ele poderia encontrar no seu mais implacável
inimigo!
Ser contrário a certos estudos ou a certas doutrinas,
é perfeitamente compreensível e natural. Diferentes homens
terão, necessariamente, que buscar a solução de
muitos problemas diferentes, e cada um deles buscando a verdade (ou
o que ele considera como tal) vai inevitavelmente aumentar a importância
desse assunto que é mais freqüentemente chamado a investigar:
a harmonia é o resultado da variedade, tanto no mundo físico
quanto no espiritual. Esse sistema filosófico do senhor Dirckinck
Holmfeld deve ser incompreensível para aqueles cuja apreciação
ele está a espera, como deve ser incompreensível para
nós, o que isso significa? Será que prova alguma coisa
contra uma reputação científica e literária
altamente valorizada na Dinamarca? porque ele não pode explicar
facilmente suas teorias na língua francesa, deveríamos
condenar a priori? Seria absurdo, e ele certamente possui o direito
de formular suas idéias e dar-lhes publicidade (ele deve encontrar
leitores); ele também não deve reivindicar o direito de
pegar pedaços estranhos e trechos de escândalo, e tê-los
inseridos nos jornais ingleses?
Que o senhor Piérart possa escrever livros, e
influenciar a mente de muitos por uma vigorosa argumentação,
concisa e lógica, é seu dever e seu direito. Nós
podemos examinar suas obras com satisfação infinita para
nós mesmos, mas, certamente, sem cuidar de saber o que era ou
o que ele fez dez ou vinte anos atrás. Temos de lidar apenas
com as suas idéias, e nunca se enveredando em bisbilhotar a vida
privada ou ações de qualquer homem.
Que o senhor Aksakof, um eminente membro da sociedade,
como é dito, e um pioneiro da nossa causa, possa recolher os
materiais necessários para a propagação da verdade;
que ele possa acabar com os velhos hábitos e com os desgastantes
preconceitos científicos, diremos: bravo, senhor Aksakof! Estaremos
entre os primeiros a aplaudir e agradecer-lhe; nós te honramos
pelo que você tem feito, pelo o que há de fazer, mas não
podemos nos rebaixar investigando a sua vida passada.
Estes senhores têm se unido com o propósito
de atacar não só o fundador do Espiritismo, mas também
a doutrina da reencarnação, e sua antipatia a ela, certamente
os levou longe demais. Permitam-me dar-lhes uma breve e resumida exposição
da biografia de Allan Kardec.
Allan Kardec (Léon Hyppolite Denizard Rivail),
de uma antiga família, com tradição na magistratura
e na advocacia, foi um dos mais eminentes discípulos de Pestalozzi,
em Yverdon, na Suíça. Pestalozzi, o grande pensador, o
profundo filósofo, o homem da ciência e do progresso, que
exerceu uma influência tão grande sobre a reforma da educação
na França e na Alemanha; Allan Kardec se tornou um de seus alunos
mais ilustres e, posteriormente, seu colaborador. Italiano, Inglês
e Alemão, ele escrevia e falava perfeitamente; ele era um bom
estudante de Latim, e traduziu várias obras para a língua
alemã, e dentre elas, as de Fénelon; Membro da Academia
de Arras em 1831 ele recebeu a medalha de honra pela sua dissertação
"Qual sistema de estudos é mais adequado para o desenvolvimento
social e intelectual de nossa época?"
Em um estabelecimento de ensino, fundado por ele na
Rue de Sèvres, em Paris, ele ensinou, durante cinco anos (1835-1840),
química, física, anatomia e astronomia. Ele também
deu palestras gratuitas durante o mesmo período, ele foi o inventor
de um método engenhoso de aprender a contar, e também
de um quadro mnemônico para fixar na memória as datas de
fatos históricos e descobertas notáveis, ele também
era membro de diversas sociedades científicas.
O senhor Rivail era um homem de mérito próprio;
era muito íntimo de Alvarez Levi, e elaborou conjuntamente com
ele as palestras que foram assistidas pelos jovens aristocratas e estudiosos
de Paris. Do senhor Rivail nós devemos: 1 "Um Plano proposto
para a Melhoria da Instrução Pública" (1828),
2 "Curso Teórico e Prático de Aritmética"
(1839), 3 "Gramática Francesa Clássica" (1831),
4 "Manual dos exames para diplomas de capacidade, e soluções
de questões e problemas de aritmética e geometria"
(1846), 5 "Catecismo Gramatical da Língua Francesa"
(1848), 6 "Programação dos cursos normais de Química,
Física, Astronomia, Fisiologia" (da qual foi professor no
Liceu Polymathic), 7 " Exercícios para os exames, no Hotel
de Ville e da Sorbonne, com Ditados sobre Dificuldades Ortográficas"
(1849). Estas várias obras, ainda muito prezadas, estiveram em
alta conta no momento de sua primeira publicação. Em 1868,
o senhor Rivail teve novas edições de sua publicação,
e seu nome era bem conhecido e merecidamente, não entre os escritores
sensacionalistas, ou participantes da literatura simples, mas para os
homens de letras e homens de bom senso, que gostariam de ver o conhecimento
útil difundido por toda a parte.
A senhora Amelia Boudet, de uma família rica
e respeitável, trouxe um dote de 80.000 francos ao marido, senhor
Rivail. Com a morte deste, o montante de 80.000 francos não paga
o imposto sobre herança (droits de succession). É
extremamente fácil de verificar o fato. Após seu casamento,
senhor e senhora Rivail emprestaram grandes somas aos amigos, que, em
conseqüência de falhas e outras circunstâncias imprevistas,
nunca os reembolsaram. Um deles, o gerente de um teatro (Les Folies
dramatiques), recebeu 50.000 francos, o resto de sua fortuna, e quando
este montante estava em perigo, o senhor Rivail foi obrigado a superintender
os assuntos pecuniários do teatro, a fim de se salvar do último
naufrágio de sua fortuna. A partir desta circunstância
muito natural seus inimigos querem nos fazer crer que ele tinha sido
um vendedor de entradas de teatro. O nome do gerente, guardaremos em
segredo, de acordo com os últimos desejos de Allan Kardec, que
o perdoou no seu leito de morte. Após a perda total de sua fortuna,
a senhora Rivail criou uma escola para jovens moças; o marido
se tornou contador de diversos estabelecimentos de grande porte, e,
entre outros, para o escritório do jornal Univers. Manteve, assim,
honrado com o produto de seu suado salário em várias casas
diferentes. Que infelicidade é esta de trabalhar para esta função?
E foi ele um colaborador do Univers porque se debruçou sobre
livros contábeis duas horas por dia? Pode um único artigo
ser produzido como prova de que ele seja o contrário do que era,
um amante da liberdade, do progresso e da justiça; um inimigo
do fanatismo e da superstição em todas as suas formas?
Como ele foi enterrado? "Mas, caluniam, caluniam", diz Basílio,
"algo que sempre virá do mesmo". A senhora Allan Kardec,
já possuidora de uma pequena propriedade, em que ela vive, e
que veio a ela como herança de família, mas tem uma pequena
renda de menos de duas centenas por ano, não obstante os incansáveis
trabalhos ao longo da vida de seu falecido marido. Desde 1840 o senhor
Rivail era sempre um membro do júri e era eleito presidente na
maioria das vezes. Agora, é perfeitamente sabido que, para ser
um jurado deve-se estar na posse de seus direitos civis e políticos,
nunca ter sido objeto de qualquer sanção, condenação,
etc. O leitor inglês tem muito bom senso para não concordar
com que o Barão Dirckinck Holmfeld impôs sobre à
credulidade do verdadeiramente estimável senhor William Howitt,
quando ele lhe pediu para publicar afirmações tão
equivocadas na Spiritual Magazine.
Ah, senhor Aksakof! você tem muitas responsabilidades.
Como o senhor Dirckinck Holmfeld, você dá ouvidos aos caluniadores,
e ainda assim nós temos uma causa em comum. Você deveria
ter usado sua influência para promulgar a doutrina do amor fraterno,
mas ao invés disto tenta nos desunir. O princípio da reencarnação
não é do seu gosto; ora, refute-o calmamente, desapaixonadamente,
filosoficamente, sem recorrer a meios tão mesquinhos como calúnias
e sarcasmo. Homens de grande erudição e talento acreditam
nela, e não vão mudar sua maneira de pensar a menos que
você lhes dê razões plausíveis para tal. Nossos
adversários parecem ter lido Allan Kardec de forma muito superficial,
e sua opinião quanto à elaboração do Livro
dos Espíritos é totalmente equivocada.
O senhor Rivail começou a estudar o magnetismo
animal, em 1830, e continuou as suas investigações com
esse espírito de imparcialidade e solidez de julgamento que seus
contraditores parecem desejar. Em 1850 ele já havia analisado
uma quantidade de documentos, e fez muitas observações
interessantes sobre o assunto; durante vinte anos ele estudou os fenômenos
do magnetismo de todas as formas; durante vinte anos, você entendeu!
A senhorita Japhet, as madames Roger, Bodin, muitas
sonâmbulas e médiuns, como a senhorita Huet, senhorita
Dufaux [2], senhora Robyno, e centenas
de outros foram e ainda são, bem adaptados aos temas de estudo
para um magnetizador inteligente; cada um deles tem suas qualidades
especiais e suas imperfeições. Considerados separadamente
e individualmente, o resultado das pesquisas de um magnetizador não
seria, talvez, grande coisa; considerados coletivamente, e submetidos
a entrevistas de um questionador lúcido, sensato, e capaz, que
sabia como separar os bons grãos dos maus, que passou a trabalhar
como somente um experimentador experiente poderia, o diamante precioso
da verdade foi extraído da mina escura, e dado à luz do
dia. Em 1855 [3], o Livro dos Espíritos
foi publicado pela primeira vez, muitos acréscimos foram posteriormente
feitos a ele até o ano de 1858 [4],
quando ele apareceu em sua forma completa, como nós o temos no
momento: 100.000 cópias dele foram publicados e traduzidos em
todas as línguas. Allan Kardec quis afirmar alguma vez que o
Livro dos Espíritos ou o Livro dos Médiuns saíram
de sua pena? Nunca. Elas são o fruto de seres sobrenaturais que
fizeram uso dos instrumentos considerados mais úteis para esse
fim, para nos transmitir as suas instruções. Eles escolheram
Allan Kardec, porque ele era um homem de bom senso e discernimento,
para presidir as sessões espirituais, exatamente como seus colegas
o escolheram em todas as ocasiões particulares, ou em todas as
matérias de peso, para ser seu presidente ou o seu árbitro.
Allan Kardec não inventou a reencarnação, o princípio
sempre existiu, sempre teve inúmeros e eminentes adeptos, nos
tempos antigos e modernos; não teria ele repetido isto várias
vezes? e como poderia o senhor Aksakof empregar um argumento tão
fútil e tão falso?
Por que deveria o senhor Kardec tomar um maior conhecimento
da senhorita Japhet do que de outros médiuns e sonâmbulos
que ele mesmerizou, e que todos reinvidicam a sua participação
na compilação do Livro dos Espíritos? Todos eles
são igualmente modestos e despretensiosos. O senhor Leymarie,
que desde o ano de 1858 tem sido considerado um bom médium escrevente,
acharia um absurdo que ele fosse reivindicar qualquer parte desse trabalho,
porque, em verdade, as comunicações do espírito
viriam através dele. Não! tais ensinamentos pertencem
de direito àqueles de quem eles emanaram, aos nossos irmãos
mais velhos na seara espiritual, e todos nós deveríamos
nos considerar muito felizes por termos sido escolhidos como instrumentos
para a melhoria dos nossos semelhantes.
Quem pensaria em jogar a senhorita Japhet, ou qualquer
outro médium, ao esquecimento? Todos eles foram úteis
em seu caminho em um determinado momento, mas o que acharia da idéia
de colocar uma dúzia de seus nomes no topo de cada parágrafo?
Não seria simplesmente absurda? Lamentamos que o senhor Aksakof
tenha feito uso de argumentos tão pueris; se ele iria derrubar
o colossal monumento cimentado pelo trabalho de um grande e nobre espírito,
que ele escreva um trabalho próprio, aquele que irá iluminar
nossas trevas, e "nos leve de fora da sombra da morte para os portões
da vida", se puder.
Estão igualmente equivocados os que acusam os
espíritas de estarem ligados a certos ritos, dogmas, etc. Não,
eles são homens de mentes livres e independentes, em busca da
verdade, os inimigos de todos os enganos e prestidigitações,
cujo tempo é gasto estudando os fenômenos do Espiritualismo,
e não sobrevoando o mundo, como o senhor Aksakof, para recolher
uma porção de fofocas, e em seguida, recontar-lhes gravemente
Urbi et orbi. Não, eles não fazem uso de práticas
absurdas, eles não têm artigos de fé previstos para
eles como uma lei; eles respeitam as opiniões alheias, mesmo
as mais opostas, e eles honram e sobrelevam os missionários da
verdade e da ciência, homens como Wallace, Varley, William Crookes,
e Davis.
Allan Kardec nunca tentou desvalorizar as manifestações
físicas, nem as pesquisas em ciências naturais; ao contrário,
sempre reconheceu a sua utilidade. Suas obras não provam isso?
Mas ele tem toda a razão em nos alertar contra aqueles que procuram
enganar por meio dessas manifestações. Não temos
experimentado ultimamente a necessidade de tal advertência? E
nós vivemos num país onde até mesmo as pesquisas
sobre os fenômenos seriam toleradas? Não temos sido condenados
por apenas falar dos efeitos físicos produzidos por Firman, Williams,
e Buguet? Falemos da América, da Rússia, onde uma comissão
acaba de ser designada a investigar a ciência do Espiritualismo
e, em seguida, vire os olhos para esta terra, do fanatismo e da intolerância,
onde a prisão é certa para aqueles que acreditam firmemente
na possibilidade de contato físico com outra esfera de seres.
Ah, meus amigos, o momento foi bem escolhido para lançar seus
golpes sobre nós; você tem agido terrivelmente na tentativa
de esmagar aqueles que já estavam debilitados. Se você
desejasse obter informações mais amplas você poderia
ter consultado nossa jovem mídia dos dias de hoje, inteligente,
enérgica e livre pensadora; valentes trabalhadores da nova safra;
e, aos nossos olhos, pelo menos, infinitamente superior a muitos de
quem você glorifica, porque não damos uma importância
excessiva aos médiuns como a senhorita Japhet, senhorita Guldenstubbe,
Sardou, Vaillandier, etc. E por que seu jornal em Leipzig sempre se
recusou a inserir a refutação dos artigos publicados nele
contra a reencarnação?
Você fala de Camille Brédif, mas você
provavelmente não está ciente que foi precisamente o senhor
Leymarie, que, em conjunto com o Dr. Houatz, o revelou como médium,
e o introduziu na sociedade russa em Paris. Será que ele se lembra
de uma certa sessão que aconteceu na Rue d'Isly na presença
do senhor Golovine, senhor e senhora Allan Kardec, e senhor e senhora
Leymarie? O senhor Aksakof gentilmente lhe perguntará se ele
deseja que eu publique uma ata dessa reunião? O senhor Golovine
tomou algumas notas na época, e elas ainda estão em seu
poder. Devo mencionar porque o senhor Kardec não poderia escrever
um artigo sobre o referido médium? por que ele não poderia
dizer nada sobre o que ele tinha visto? Será que ele terá
a bondade de responder? Às vezes é bom examinar os dois
lados da questão.
O senhor Rivail de modo nenhum desprezou seu nome de
família, que era muito respeitável, mas na França
seria habitual que os escritores públicos assinassem com um nome
falso? Foram seus amigos e guias espirituais que deram a ele o nome
que hoje tem um prestígio em todo o mundo. Foi igualmente seus
guias, que o orientaram a publicar o Livro dos Espíritos, e o
fez apesar da escassez de seus recursos pecuniários. Ele continuou
seu trabalho até a hora da sua morte, que foi causada por uma
doença do coração (um aneurisma). Os que o conheceram
intimamente podem testemunhar a sua bondade, mansidão e pureza
de vida. Ele viveu muito discretamente, e nunca se recusou a quem pediu
sua ajuda: generoso, simples de espírito, e sincero até
o fim.
E agora, gentis leitores ingleses, vocês que me
enviaram tão amigavelmente para a minha defesa perante o Tribunal
de Paris, as testemunhas e atestados tão numerosos, vamos nos
afastar, lhes imploro, de todos que tenham uma tendência a nos
desunir. Vamos caminhar de mãos dadas, unidos por laços
de afeto fraternal, não vamos dar ouvidos aos lobos em pele de
cordeiro. Eu sou um reencarnacionista, e mesmo assim, eu considero todos
vocês como meus irmãos. Se, na Inglaterra, os amigos espirituais
lhes dão instruções diferentes das que recebemos
diariamente na França, é que no seu mundo, como no nosso,
as opiniões variam. Vamos respeitar as opiniões; vamos
pesá-las na balança, mas sem lhes dar mais importância
do que elas merecem.
"Não há efeito sem causa", e
quantidade infinita de almas desencarnadas podem pensar de maneira diferente
em relação a certas questões que para todos os
Espiritualistas não são de fundamental importância,
e ainda atuar juntos em harmonia, pois os pontos principais das suas
crenças são idênticos.
Allan Kardec diz:
"O Espiritismo é inteiramente baseado
na existência em nós de um princípio imaterial,
na existência da alma. Aquele que não admitir que existe
um princípio inteligente dentro de si, não pode necessariamente
admitir que há um fora; e, consequentemente, não se
admitindo a causa, ele não pode admitir o efeito."
Como vocês, queridos amigos, nós acreditamos
em Deus, o Criador de todas as coisas, onipotente, soberanamente justo,
bom e de perfeição infinita; acreditamos na Sua providência,
na existência da alma após a sua separação
do corpo; nós também acreditamos na sua individualidade,
não considerando-a como uma hipótese, mas como a consequência
necessária dos atributos divinos. Admitindo a existência
da alma, sua sobrevivência ao invólucro terreno, pensamos
que não seria, nem segundo a justiça, nem segundo a bondade
do Todo-Poderoso, que a virtude e o vício, o bem e o mal, devam
ser tratados de semelhante forma após a morte, quando sabemos
que durante a vida, a recompensa e o castigo raramente são distribuídos
com equidade. Então, se as almas dos ímpios e dos justos
não são tratados de forma igual, alguns devem ser felizes
e outros infelizes, ou seja, eles devem ser punidos ou recompensados
de acordo com suas obras.
O que desejo (Espíritas e Espiritualistas) é
estimular a investigação, para excitar a curiosidade por
meio de críticas adversas, e para despertar a atenção
dos indiferentes, rejeitando, como indigno de nós, o uso de linguagem
grosseira e abusiva nos argumentos do superficial e não refinado.
Pedimos aos nossos contraditores que nos provem, não por qualquer
subterfúgio, mas por uma demonstração clara e palpável
- seja matemática, física, química, mecânica
ou fisiológica - que um ser inteligente, capaz do ato de pensar
durante a sua vida, torna-se incapaz de realizar esse mesmo ato depois
de ter deixado sua estrutura corpórea; que a faculdade do pensamento
sendo permitida, ele não pode se comunicar com os amados que
deixou na terra; que, tendo o poder de locomoção, ele
não pode transportar-se em nossa vizinhança; que, estando
ao nosso lado, ele não pode comungar com a gente; que, por meio
do seu envoltório fluídico, ele não pode agir sobre
a matéria inerte; que, dotado de poderes para agir sobre a matéria
inerte, ele não pode influenciar uma mão para escrever;
que, fazendo uma mão escrever, ele não pode responder
às nossas perguntas ou nos transmitir suas idéias.
Allan Kardec diz (obras póstumas,
Revista Espírita, setembro de 1869, página 257[5] a 261).
"O direito de investigação e de
crítica é o que não pode ser proibido: o Espiritismo
não pode pretender ignorá-lo, não mais do que
podemos esperar para dar uma satisfação universal. Cada
um é livre para rejeitar ou aprovar, mas devemos, pelo menos,
ter consciência do que nós rejeitamos, e do que nós
aprovamos. Agora, nossos adversários têm muito freqüentemente
dado provas da sua total ignorância dos princípios mais
elementares da nossa doutrina, se referindo a sentimentos e a linguagem
em oposição direta à verdade".
Este artigo deveria ser lido por todos os Espiritualistas,
mas somos obrigados a ser breve, e acrescentaremos apenas algumas linhas
da mesma Revista (página 260):
"Na guerra que o Espiritismo foi forçado
a entrar, sempre recebeu o apoio das mentes imparciais pela sua moderação;
nunca foi empregada retaliação contra seus adversários,
nem nunca devolveu uma injúria com outra.
"O Espiritismo é uma doutrina filosófica,
cujas tendências são essencialmente religiosas, como
em qualquer sistema de filosofia espiritualista; e portanto tem necessariamente
muitos pontos de contato com as bases fundamentais de todas as religiões:
a divindade, a alma humana, a vida futura, etc. Mas, no entanto, não
se pode chamá-la de uma religião, pois não há
nenhum culto, nenhum ritual, nenhum templo, nenhum dogma, nem há
entre os seus adeptos quem se apresente como padres ou sacerdotes,
aqueles pomposos termos que existem apenas na imaginação
dos nossos críticos. É Espírita aquele que se
torna adepto pelos princípios da doutrina, e que se conduz
por ela. Todo homem tem um direito inalienável para seguir
certas opiniões, ou para defender certos modos de crença,
seja optando por ser um discípulo de Voltaire ou Descartes,
ou que suas simpatias religiosas o inclinemigião, pois não
há nenhum culto, nenhum ritual, nenhum templo, nenhum dogma,
nem há entre os seus adeptos quem se apresente como padres
ou sacerdotes, aqueles pomposos termos que existem apenas na imaginação
dos nossos críticos. É Espírita aquele que se
torna adepto pelos princípios da doutrina, e que se conduz
por ela. Todo homem tem um direito inalienável para seguir
certas opiniões, ou para defender certos modos de crença,
seja optando por ser um discípulo de Voltaire ou Descartes,
ou que suas simpatias religiosas o inclinem a ser um judeu, um católico,
um protestante, um fourierista, um Saint Simonista, um deísta,
ou mesmo um materialista. Os Espíritas entendem a liberdade
de consciência como um direito natural, que permitem aos outros
na medida em que reivindicam para si próprios; eles respeitem
as opiniões dos outros, então exigem que a sua seja
respeitada em troca.
"O resultado natural da liberdade de consciência
será o livre direito de investigação em matéria
de fé. O Espiritismo se opõe ao princípio da
fé cega, porque esta impõe a necessidade de abdicar
de um juízo próprio e, conseqüentemente, não
pode ter raízes profundas na mente. Assim, entre as suas máximas,
encontramos a seguinte: - 'Nenhum sistema de crença é
construída sobre bases sólidas, se não se pode
encarar as investigações da razão em todas as
épocas da humanidade.'
"Em conformidade com seus princípios,
que não impõe nenhuma restrição, não
usa a coerção, deseja nenhum outro seguidor, a não
ser aqueles que vêm a ele voluntariamente e de um sentimento
de pura convicção; dá a exposição
de seus princípios e deixa os outros livres para adotá-los
conforme queiram".
Na página 307 na Revista de 1869, Allan Kardec
diz:
"Para todos os sentimentos de inveja e ciúme
por parte de outras pessoas, nós possuímos um meio infalível
para torná-los inócuos. Vamos nos esforçar para
desenvolver a nossa inteligência, para melhorar os nossos corações
e mentes. Vamos competir com os outros na prática das boas
obras, no exercício da caridade e do auto-sacrifício.
Deixe o lema do "amor fraterno" ser inscrito em nossa bandeira,
e deixe que a busca da verdade seja o objetivo da nossa existência.
Imbuídos destes sentimentos, podemos desafiar a zombaria dos
nossos contraditores e da má vontade de nossos inimigos. Se
nos enganarmos, vamos reconhecer o nosso erro, e superá-lo:
observando estritamente as leis da caridade e auto-sacrifício,
evitando todo sentimento de inveja e ciúme, temos a certeza
de que estamos no caminho certo. Estes devem ser os nossos princípios,
são eles os laços de unidade, que deverão reunir
todos os 'homens de boa vontade sobre a terra', enquanto o egoísmo
e a falsidade definitivamente os separariam."
Espiritualistas e Espíritas de todos os
países, vamos refletir sobre essas palavras memoráveis.
P. G. LEYMARIE
Rue de Lille, em Paris.
Notas do tradutor:
[1] Na transcrição do original
está grafado Pierrard.
[2] Na transcrição está Duffaulz, mas este provavelmente
é um problema de digitalização do documento original.
[3] É possível que tenha havido algum problema na edição
desta data, 1855; como sabemos a primeira edição do Livro
dos Espíritos apareceu apenas em 1857.
[4] Sabe-se que a revisão (e segunda edição) do
Livro dos Espíritos apareceu apenas em 1860; mas, esta questão
é bem controversa.
[5] A numeração desta página e de outras mais a
frente estavam erradas na transcrição do original; aparentemente,
deve ter ocorrido algum problema de digitalização.
Fonte: http://decodificando-livro-espiritos.blogspot.com/2010/05/uma-controversia-com-leymarie.html