22/06/2025
Além de Chico Xavier: por que há tantos espíritas
no Triângulo Mineiro?

por Heloísa Barrense
UOL, em São Paulo
Dados do Censo do IBGE divulgados
na última semana mostram que o Triângulo Mineiro é
uma das regiões brasileiras com a maior concentração
de espíritas — só em Uberaba (MG), 14,58% da população
se identifica com a religião, em Sacramento (MG), esse número
chega a 15%. Ainda que o espiritismo tenha sofrido um pequeno declínio
no país (de 2,2% para 1,8%), essa região mineira ainda
apresenta números relevantes. E a explicação
para isso não está apenas na influência de Chico
Xavier, médium nascido em Pedro Leopoldo (MG).
O que aconteceu
Antes de Chico Xavier, o Triângulo Mineiro já estava
familiarizado com o espiritismo. A religião, que tem origens
na França, chegou ao país por meio de uma elite intelectual
que se reunia especialmente nas capitais, como São Paulo. Mas,
naquela época, com a construção das estradas
de ferro em direção a Minas, as ideias que antes se
propagavam nos grandes centros urbanos começam a ganhar destaque
no interior.
"Naquela época existia uma ideia
de levar o desenvolvimento de São Paulo para os interiores,
com a Companhia Mogiana [meados de 1888], por exemplo. É
devido a essa possibilidade de transporte que vai chegando o material
espírita - antes apenas na Europa - e influencia as elites
locais que se identificam de certo modo com a busca pela intelectualidade
europeia."
João Damasio, professor da
UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
Um português ajudou a expandir o espiritismo no Triângulo
Mineiro. António Gonçalves da Silva, conhecido
como Batuíra, migrou de Portugal para o Brasil ainda criança,
tendo se estabelecido em São Paulo. Ele trabalhou com a distribuição
do jornal Correio Paulistano e, mais tarde, com a revista espírita
Reformador. A partir daí, além de ter contato com os
preceitos da religião, Batuíra se converte e repassa
a palavra no interior de Minas Gerais, entre as andanças do
trabalho. "Ele ganhou esse apelido porque é também
o nome de um pássaro, que é muito rápido. Nessas
andanças ele se tornou espirita, fazia palestras, conversava
com as pessoas sobre a religião. Do que temos datado, é
o primeiro que chega no interior de Minas com essas notícias",
diz Damasio.

Grupos familiares começam
a aderir à religião. Com o contato com o espiritismo,
as famílias começam a se reunir para estudar os preceitos
do espiritismo. Um deles é Mariano da Cunha Júnior,
conhecido como Sinhô Mariano, responsável por criar o
primeiro centro espírita rural, no povoado de Santa Maria,
entre as cidades que hoje são Sacramento (MG) e Conquista (MG).
"Os primeiros grupos são
familiares que vão estudar as obras de Allan Kardec e vão
tentar fazer as descobertas pessoais e de comunicação
com os espíritos. Mas isso vai se tornando público
nessa região pelo encontro entre as pessoas que têm
acesso à literatura francesa. É um encontro de uma
elite com acesso à literatura estrangeira que vem da Europa
via São Paulo para o território de Minas, com uma
realidade de sertão, os Gerais, que é uma região
que vai ser demarcada por uma demanda de assistência social,
que faz parte do espiritismo."
João Damasio, professor da UFU
Eurípedes foi um dos expoentes do espiritismo.
Nascido em Sacramento (MG), o professor Eurípedes Barsanulf
era, inclusive, sobrinho de Sinhô Mariano. Foi ele quem fundou
o primeiro colégio espírita do país, o Colégio
Allan Kardec, que disponibilizou educação gratuita para
pessoas empobrecidas e crianças órfãs, por meio
da pedagogia Pestalozzi.
Colégio torna espiritismo mais público.
"Eurípedes olhou para os textos do Allan Kardec para além
de uma doutrina espirituosa, mas também como uma forma de educação.
Então, ele decide criar esse colégio, onde aplica essa
pedagogia espírita. Assim, ele torna o espiritismo mais público.
As pessoas estranham porque ele é de família tradicional,
e isso naquela época significa ser católico. Isso vai
demarcar algo que depois os estudiosos vão entender como um
sincretismo religioso em que o espiritismo adota algumas santidades
católicas para a prática", diz Damasio.
Chico Xavier aparece anos depois, reinventando o espiritismo.
Francisco Cândido Xavier é um dos maiores nomes do espiritismo
no Brasil e no mundo. Apesar de não ser originalmente do Triângulo
Mineiro, é por lá que ele acaba fazendo história.
"Ele trouxe a figura de Jesus, da caridade. O espiritismo até
então era muito mal interpretado, e o Chico trouxe uma visão
de que é uma religião com a figura central como a de
Cristo, da caridade e do amor ao próximo", diz Alisson
Pontes, presidente da UEM (União Espírita Mineira).
Ele se muda para o Triângulo Mineiro quando a região
já tinha história consolidada no espiritismo.
Ele decide viver em Uberaba (MG) e, na época, já era
conhecido como médium. Por isso, muitas pessoas que estavam
próximas também começaram a frequentar a região,
aumentando a popularização pelo Brasil.
" Se houve um momento em que
o espiritismo estava no auge, era no Triângulo Mineiro, com
a presença dele, que até hoje é a figura brasileira
mais conhecida do movimento espírita. Ele deixou a ideia
do coletivo. As pessoas que permanecem lá com as suas atividades
se mantiveram por essa ideia de coletivo, de união."
Alisson Pontes, presidente da UEM (União
Espírita Mineira)
Chico Xavier morre em 2002, mas o legado do espiritismo
ainda segue vivo no Triângulo Mineiro. Para Damasio,
as condições socioeconômicas da região,
somadas ao período em que o espiritismo chega ao Brasil e as
próprias mensagens deixadas pelas figuras que ajudaram a constituir
a religião no país, fizeram do Triângulo Mineiro
um grande memorial para a religião.
"O espiritismo também
contribui para uma questão que marcou a história para
além da religião, que foi o encontro do Brasil com
as questões do desenvolvimento — do imaginário
de uma elite local com situações muito concretas e
reais do sertão. E é no espiritismo que essa elite
enxerga uma forma de lidar com isso. Mas, nessa região, também
tem um contraponto: as pessoas mais humildes, como Chico Xavier,
começam a fazer o trabalho do espiritismo. Apesar de a religião
ter vindo de elites locais, essas pessoas acabaram encontrando ressonância
e fortalecendo a religião na cultura popular."
João Damasio, professor da UFU
Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/06/12/triangulo-mineiro-espiritismo.htm
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