20/02/2025
Médiuns têm alterações
genéticas, mostra estudo coordenado pela USP
Pesquisa comparou pessoas identificadas com o dom
a parentes de primeiro grau sem nenhuma habilidade do tipo
Por Anna Virginia Balloussier
Reportagem da Folha de SP

O médium Chico Xavier durante sessão
espírita, em 1978
Ser médium não é
necessariamente coisa do outro mundo. Pode estar nos genes, inclusive.
É o que sustenta um estudo que
investiga as bases genéticas da mediunidade, publicado pelo Brazilian
Journal of Psychiatry, revista científica em que os artigos são
revisados por pares acadêmicos. A coordenação ficou
a cargo de Wagner Farid Gattaz, professor do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo) e à frente do Laboratório de Neurociências
na universidade.
A pesquisa de campo, realizada entre
2020 e 2021, comparou 54 pessoas identificadas como médiuns com
53 parentes de primeiro grau delas, sem nenhuma habilidade do tipo.
Umbanda e espiritismo foram as principais fontes religiosas do grupo.
"O estudo desvendou alguns genes
que estão presentes em médiuns, mas não em pessoas
que não o são e têm o mesmo background cultural,
nutritivo e religioso", diz Gattaz. "Isso significa que alguns
desses genes poderiam estar ligados ao dom da mediunidade."
A seleção dos participantes
seguiu os seguintes critérios: recrutar médiuns reconhecidos
pelo grau de acerto de suas predições, que praticavam
pelo menos uma vez por semana a mediunidade e que não ganhavam
dinheiro com ela, ou seja, não cobravam por consultas.
Os resultados revelaram quase 16 mil
variantes genéticas encontradas exclusivamente neles, "que
provavelmente impactam a função de 7.269 genes".
Conclui o texto publicado: "Esses genes surgem como possíveis
candidatos para futuras investigações das bases biológicas
que permitem experiências espirituais como a mediunidade".
"Esses genes estão em grande
parte ligados ao sistema imune e inflamatório. Um deles, de maneira
interessante, está ligado à glândula pineal, que
foi tida por muitos filósofos e pesquisadores do passado como
a glândula responsável pela conexão entre o cérebro
e a mente", afirma o coordenador da pesquisa. Ele frisa, contudo,
que essa hipótese precisaria ser confirmada experimentalmente.
Coautor do estudo e diretor do Nupes
(Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde), da Universidade
Federal de Juiz de Fora, Alexander Moreira-Almeida justifica a opção
por contrastar os médiuns com seus familiares. "Se eu pegasse
um grupo de controle que fosse uma outra pessoa qualquer, aleatória,
poderia ter muita diferença sociocultural, econômica e
também da própria genética. Quando a gente pega
um parente, vai ter uma genética muito mais parecida e um background
sociocultural muito mais próximo."
Os pesquisadores analisaram o exoma dos voluntários,
que contém os genes que vão codificar as proteínas.
Muitas partes do genoma, que é a sequência completa do
DNA, não têm função muito clara. "Já
o exoma é aquela que provavelmente é mais ativa funcionalmente,
com maior impacto sobre a formação do corpo da pessoa",
explica Almeida-Moreira.
Darcy Neves Moreira, 82, serviu de objeto
de estudo para a trupe da ciência. Ela é professora aposentada
e coordena reuniões num centro espírita na zona norte
carioca.
Descreve o dom que lhe atribuem como
a capacidade de "sentir a influência dos espíritos".
Tinha 18 anos quando detectou a sua, conta. "Senti uma presença
do meu lado. Comecei a pensar algumas coisas sobre o nosso trabalho.
Percebi que não eram propriamente minhas ideias, mas ideias sugeridas
pelo amigo que estava ali pertinho de mim."
São mais de seis décadas
"tentando aprimorar esse canal de comunicação com
os espíritos, o que me traz muita alegria", ela afirma.
"É a certeza de que continuamos a viver em outro plano."
Roberto Lúcio Vieira de Souza,
66, também cedeu uma amostra de sua saliva para a pesquisa. Diz
que compreendeu seu potencial mediúnico na adolescência,
quando apresentava sintomas que os médicos não conseguiam
explicar. Tinha câimbras dolorosas durante o sono, "acompanhadas
da sensação iminente de morte, o que me desequilibrava
emocionalmente".
Integrava um movimento católico para jovens na época e
queria inclusive virar padre. Acabou numa casa de umbanda para entender
as agruras físicas. "Lá fui informado sobre a mediunidade
e comecei a desenvolvê-la."
Souza diz que mais tarde descobriu por
que se sentia tão mal. Numa vida passada, fora um senhor de escravizados
que, irritado com um deles, mandou amarrá-lo no pátio
da casa e passar uma carroça sobre suas pernas. Ele foi deixado
por dias ali, até morrer.
O próprio espírito do
homem assassinado teria lhe contado essa versão. "Ele gritava
que queria as suas pernas de volta e que eu deveria morrer com muita
dor nas pernas, como ele. Segundo um amigo espiritual, essa era uma
atitude comum da minha pessoa naquela encarnação. Eu teria
sido um homem muito irascível, orgulhoso e cruel."
Psiquiatra e autor de livros psicografados,
Souza é diretor de uma instituição espírita
em Belo Horizonte que se diz especializada em saúde mental e
dependência química.
Gattaz, no comando da turma que esquadrinhou
sua genética, afirma que não é preciso ter um determinado
combo de genes para ser um médium. "O nosso estudo mostra
apenas que alguns desses genes são candidatos para serem estudados
em novas pesquisas e podem contribuir para o desenvolvimento do dom
da mediunidade."
Ele já havia liderado outro front
do estudo, que apura a saúde mental nos ditos médiuns.
Saldo: eles não se diferenciam de seus parentes na prevalência
de transtornos mentais. Não apresentaram, por exemplo, sintomas
de quadros psicóticos, como desorganização cognitiva
ou paranoia.
Pontuaram mais, contudo, nos itens que
avaliaram alterações na sensopercepção —
como ver ou ouvir o que outros não percebem.