Espiritualidade e Sociedade



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30/01/2025


Por Mariana Rosário — São Paulo
O Globo

 


'Os pacientes não separam fé e ciência',
diz oncologista que defende conversas sobre espiritualidade


Clarissa Mathias, membro da respeitada Sociedade de Clínica Oncológica Americana (ASCO), fala sobre como o diálogo sobre crenças têm ganhado espaço nos consultórios


 

Primeira brasileira a fazer parte do conselho da prestigiada Sociedade de Clínica Oncológica Americana (ASCO), a médica Clarissa Matias, também oncologista do Grupo Oncoclínicas/Hospital Santa Izabel, é acostumada a fazer uma pergunta bem pessoal aos pacientes que a encontram para um tratamento de câncer: questiona se a pessoa em questão tem religião ou espiritualidade definida, para a surpresa de alguns.

A conversa, ela explica, é atalho para que a os homens e mulheres em tratamento se sintam mais compreendidos e respeitados diante de um período em que haverá uma série de mudanças drásticas na rotina. O interesse pelo tema é tamanho que Clarissa acaba de lançar sua segunda publicação sobre o assunto, chamada “Encontros com Espiritualidade", pela Editora DOC. O livro é fruto de lives realizadas desde a pandemia da Covid-19 para tratar de temas como fé, amor (a si e aos outros) e relações familiares. Ao GLOBO, Clarissa fala sobre como a medicina tem se aberto às mais diversas crenças e como os pacientes podem se beneficiar desse tipo de conversa. “A espiritualidade pode estar relacionada à resiliência de quem passa pelo tratamento”, afirma.

De que maneira a medicina tem se aberto à espiritualidade?
Há pouco eu estava com um artigo que saiu recentemente sobre espiritualidade como prescrição médica. Temos hoje uma profusão de estudos (sobre a temática), uma quantidade enorme de análises que estão sendo feitas. Muitos médicos, durante bastante tempo, nem mesmo assumiam que tinham algum tipo de religiosidade, eles achavam que não precisavam disso para prática da medicina. Hoje estamos em um caminho diferente. Nos últimos anos, o aumento de trabalhos científicos sobre o tema tem ocorrido de maneira exponencial. Há alguns anos, no congresso mundial da ASCO, um encontro muito tradicional de especialistas, teve uma sessão plenária especialmente sobre o tema da espiritualidade. Foi muito disruptivo.

Como essa integração pode ser positiva ao paciente?
Essa questão da espiritualidade pode estar atrelada à resiliência de quem está sob tratamento. O período de doença, em qualquer especialidade, é difícil. Existe para aquela pessoa uma cisão entre uma vida de normalidade e um período em que você tem que fazer várias adaptações no seu dia-a-dia, o que também incluem mudanças na família. Eu sempre pergunto ao paciente se ele tem espiritualidade ou uma prática religiosa. Isso pode ser importante até para decisões terapêuticas, algumas religiões não permitem transfusões sanguíneas, por exemplo. Em outros casos, é preciso respeitar certos dogmas. É importante saber isso para que exista diálogo com o paciente dentro do consultório.

Tem quem se surpreenda com esse tipo de conversa?
Essa semana mesmo uma paciente me contou que era a primeira vez que alguém tinha esse tipo de abordagem com ela. A pessoa, nesse sentido, se sente acolhida. Nunca tratei ninguém que se incomodou com esse tipo de pergunta, ou se sentisse invadido. Claro, tem quem diga: sou ateu e não pratico nada relacionado à espiritualidade. E tudo bem. O mais importante é o respeito nessa relação. O feedback dos pacientes é extremamente positivo.

Teve medo de se dedicar à espiritualidade? Que sua carreira fosse de alguma forma prejudicada por isso?
Eu sou espírita praticamente desde que nasci. Cresci em uma casa de religiosidade muito grande. Dia desses encontrei um diário meu que escrevi aos 12, 13 anos de idade e lá havia menções a isso. Já médica, quando eu fui presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, nós publicamos o consenso sobre espiritualidade (o documento explica, por exemplo, a definição de religião e espiritualidade, além de elencar alguns indicadores que pontuam que o paciente se beneficia ao falar sobre o tema). Saiu um pouco depois de um consenso semelhante publicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sempre fui muito bem recebida ao falar sobre o assunto, lançamos o livro em inglês e sempre levo comigo cópias, dou de presente. É um tema para o qual as pessoas querem se abrir. Nosso plano é lançar um livro do tipo por ano.

Existe um senso comum de que se a pessoa estiver muito ligada à religiosidade não seguirá as determinações da ciência. Como funciona isso?
Não é o tipo de situação que eu vejo em consultório, pelo contrário. Existe essa interpretação das pessoas que são Testemunhas de Jeová sobre não realizar transfusões de sangue. Aqui no Hospital Santa Izabel, em Salvador, onde sou líder do centro de câncer, abraçamos a causa de quem quer fazer tratamento sem (transfusão) de sangue, com a preparação correta. É uma bandeira importante para nós.

Então, para o paciente não há separação entre fé e medicina?
Não, não andam separadas. E os novos trabalhos estão demonstrando isso.

A senhora já falou anteriormente que acha que a prevenção ao câncer é um assunto que recebe menos atenção do que deveria. Quem está deixando de falar sobre o assunto?
Falar sobre câncer é tarefa de todo mundo. Tem que começar dentro de casa, com os exercícios físicos que cada um pode fazer, acertando a dieta, reduzindo a ingestão de comida, deixando de fumar. Também é um tema que não pode estar fora das escolas, dos programas de governo, das sociedades. Esse assunto precisa ser encarado por todos com seriedade. Até porque 30% dos cânceres são preveníveis.

 


Fonte: https://oglobo.globo.com/saude/viver-o-cancer/noticia/2025/01/29/os-pacientes-nao-separam-fe-e-ciencia-diz-oncologista-que-defende-conversas-sobre-espiritualidade.ghtml

 

 

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