14/11/2024
Redação
Role, BBC News Mundo
Dois homens fizeram, há 25 anos, uma aposta que
poderia ter passado me brancas nuvens.
Mas eram duas figuras de renome em suas áreas:
o filósofo australiano David Chalmers e o neurocientista teuto-americano
Christof Koch.
E o desafio foi sobre um intrigante assunto ligado à
nossa existência: a consciência.
Koch e Chalmers concordaram em estabelecer uma série
de estudos com pesquisadores colaboradores para testar ideias sobre
como o cérebro gera consciência.
Tudo dependia de encontrar algo que foi definido como "os correlatos
neurais da consciência".
O filósofo David Chalmers (esq.) e o neurocientista
Christof Koch
- clique para ampliar -
Parece complicado, mas Koch explicou
o que seriam esses "correlatos neurais" de forma mais didática
em uma entrevista à revista científica sueca Forskning
& Framsteg: "São as pegadas da consciência deixadas
no órgão da consciência, que é o cérebro".
O que eles queriam descobrir, acrescentou, é "quais partes
do cérebro são necessárias para realizar uma experiência
consciente", o que ajudaria a finalmente entender como a consciência
é alcançada.
Duas décadas e meia depois, o filósofo e o cientista se
encontraram na 26ª reunião anual da Associação
de Estudos Científicos da Consciência, realizada recentemente
na Universidade de Nova York (EUA).
E foi então que se declarou o vencedor indiscutível
da aposta.
David Chalmers e Christof Koch falaram com James Copnall,
do programa Newsday do serviço mundial da BBC. O apresentador
começou perguntando à dupla como tudo começou.
Confira as perguntas e respostas:
Chalmers - Foi em 1998, em uma
conferência em Bremen, na Alemanha, sobre os correlatos neurais
da consciência, a ideia de que certas áreas do cérebro
podem estar diretamente associadas à consciência.
Christof (Koch) ficou muito entusiasmado com essa ideia
e apostou que em 25 anos teríamos identificado as áreas
do cérebro que estão ligadas à consciência.
Eu pensei que era um pouco otimista, então apostei que não.
Newsday - Christof, o que você
estava pensando? Por que você estava tão otimista?
Koch - Porque junto com Francis Crick,
o biólogo molecular britânico que descobriu a estrutura
helicoidal da molécula hereditária de DNA, havíamos
pensado em um programa empírico em 1990 que, para nos afastarmos
dos debates filosóficos sobre a consciência e a natureza
da realidade e da mente e da alma, tudo isso, focaríamos nas
marcas que a consciência deixa no cérebro.
Sabemos que o cérebro é o órgão
da consciência, não o coração.
Sabemos que não envolve o cérebro inteiro,
apenas partes dele: você pode perder partes do cerebelo ou da
medula espinhal, por exemplo, mas ainda estar consciente.
Com argumentos como esse, pensamos em um programa empírico
para fazer progresso empírico: um programa que fosse independente,
no qual não importa de qual convicção filosófica
particular você fosse. Idealista [conceito em que só vidas
biológicas têm consciência] ou pampsiquista [todos
os objetos, até os inanimados, têm alguma forma de consciência],
você poderia avançar esta questão empírica.
Newsday - Então a ideia era que, se podemos
classificar o DNA, descobrir o que nossos genes significam, então
por que não descobrir a consciência?
Koch - Precisamente.
A ideia é encontrar onde se origina a consciência
- clique para ampliar -
Newsday - Você aceitou que perdeu
a aposta, mas o quão perto você acha que chegou de ganhar?
Koch - Bem, aprendemos muito nos últimos
25 anos.
Aprendemos mais sobre o cérebro na última
década do que em toda a história da humanidade. Sabemos
melhor como manipulá-lo, seja experimentalmente em laboratório
ou tomando substâncias psicodélicas ou outras.
Assim, estamos começando a rastrear onde a consciência
vive, por assim dizer, nas densas selvas do cérebro.
Mas não chegamos a um consenso entre a comunidade
de neurocientistas, clínicos e psicólogos que estudam
esse assunto.
Newsday - David, como filósofo,
você acha que é possível que a consciência
seja simplesmente incognoscível?
Chalmers - Bem, há um gigantesco
mistério filosófico aqui: é o problema filosófico
mente-corpo.
Como os processos físicos no corpo e no cérebro
lhe dão uma mente.
Como a consciência existe em primeiro lugar.
Isso é o que chamamos de problema difícil
da consciência, e é um mistério filosófico
e científico muito profundo.
Acho importante ressaltar que essa aposta não
era sobre por que a consciência existe. Tratava-se deliberadamente
de uma questão científica mais administrável: quais
áreas do cérebro estão mais intimamente associadas
à consciência.
E acho que, em princípio, essa é uma questão
para a qual deveríamos estar em posição de descobrir
a resposta a qualquer momento.
Koch - Discordo, James, de sua
pergunta sobre se a consciência será para sempre incognoscível
[inacessível à inteligência humana].
Não! Temos um conhecimento muito íntimo
da consciência porque é o nosso mundo, o que você
vê, as vozes que você ouve agora são uma experiência
consciente.
Portanto, estamos intimamente familiarizados com isso.
Na verdade, estamos mais familiarizados com a consciência do que
com qualquer outra coisa.
O que pode permanecer incognoscível é,
como diz David, por que estamos conscientes, como surge a consciência
de um órgão como o cérebro?
No entanto, no centro de nossa existência neste
mundo está a consciência.
A consciência é um dos maiores mistérios
que a Ciência e a filosofia enfrentam.
Descartes dizia que a melhor maneira de resolver a questão era
ignorá-la
- clique para ampliar -
Newsday - David, depois de todos esses
anos, Christof te pagou o vinho... Valeu a pena esperar?
Chalmers - Sim. A aposta era que quem
ganhasse receberia uma caixa de bom vinho e no final Christof cedeu
e me deu 6 garrafas de vinho.
Acabamos por beber um excelente Madeira 1978.
Além disso, decidimos fazer outra aposta por
mais 25 anos. Então nos encontraremos novamente em 2048 para
ver se descobrimos os correlatos neurais da consciência até
então.
Newsday - Christof, sua confiança
sobre esse caminho não foi afetada, então você terá
uma nova chance.
Koch - Sim, a tecnologia está
melhorando, especialmente com empresas como a Neuralink de Elon Musk
e outras tecnologias relacionadas, estamos melhorando em intervir diretamente
no cérebro.
Na verdade, agradeci o fato de ter perdido a batalha,
obviamente, mas acho que todos nós ganhamos a guerra pela Ciência:
todos nós aprendemos muito sobre a base neurológica da
consciência, e isso é progresso.
É assim que a Ciência funciona.
Newsday - Vinte e cinco anos atrás,
vocês eram jovens pioneiros brilhantes em seu campo. O que os
jovens nesse patamar ??estão pensando hoje? A consciência
da inteligência artificial em 25 anos, talvez?
Chalmers - Podemos fazer uma IA (inteligência
artificial) consciente? Esse é um desafio muito grande para os
próximos anos.
É também uma questão filosófica:
devemos construir uma IA consciente? Seria conveniente ou poderia ter
consequências ruins para nós ou para a IA?
De qualquer forma, acho que a IA é o maior desafio
de nossos tempos.
Koch - As máquinas podem ser
conscientes? Não sabemos. É uma questão em aberto.