28/09/2024
Por Carolina Delboni
Suicídio é
a terceira causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo
dados da Fiocruz. Mas por quê? O que acontece com essa geração
e como podemos ajuda-los? Especialistas esclarecem dúvidas.
"Na minha geração
é comum tentar se matar. Eu tenho amigos que já tentaram.
Isso é não é estranho pra gente", me disse
um adolescente de 16 anos enquanto conversávamos sobre um acontecimento
numa festa. A frase, que eu escutei em março, ressoa constantemente
na minha cabeça. Como pode uma geração de adolescentes
"normalizar" o suicídio? Por que naturalizamos o que
não é natural? Ou como pode uma geração
de adolescentes ter o suicídio como saída dos problemas
da vida? O que será que eles não estão dando conta?
Onde estamos falhando como pais e educadores?
As perguntas sempre são muitas quando o assunto é suicídio.
Buscar respostas, buscar compreensão de algo que parece incompreensível
parece nos dar uma chance de respiro. Mas o tema exige aprofundamento,
cuidado e responsabilidade. É preciso falar sobre ele para que
mais pessoas possam conhecer as causas e possam oferecer apoio a adolescentes
e jovens que estão por perto.
Os números têm crescido e a Fiocruz identificou um aumento
de 6% no suicídio de adolescentes e jovens entre 2011 e 2022.
É a terceira causa de morte no Brasil. De fato, temos uma geração
exposta a elevadas tentativas de suicídio e aumento das práticas
de autolesão. Para a psicóloga e Dra. em Saúde
Mental, Karen Scavacini, do instituto Vita Alere, a
suposta normalização expressa na frase do adolescente
pode estar relacionada à exposição constante a
violência e ao sofrimento coletivo, o que influenciam a percepção
deles frente ao suicídio.
"O suicídio é multifatorial
em todos os casos. Essa questão mais social, a violência,
o impacto de uma comunicação ou de gatilhos que esse adolescente
pode ter, é parte desses multifatores que vão ser sociais,
culturais, econômicos, psicológicos, psiquiátricos,
tecnológicos e situacionais," elenca.
Ela acrescenta que, quando você está muito
exposto a violência, ao sofrimento coletivo, pode ocorrer o que
chamamos de dessensibilização em relação
ao sofrimento, que significa perder pessoas, perder vidas.
"A própria normalização do
suicídio, em alguns casos, pode ser a romantização
do suicídio como saída para essa violência. Quanto
mais os jovens são expostos a cenas de tragédia, seja
em seu ambiente, na mídia, ou no conteúdo que consomem,
isso vai trazendo a sensação de que essas questões
são comuns, e isso pode diminuir a percepção do
valor da vida", observa Scavacini.
Além disso, pode também dar a sensação
de que ninguém se importa com aquela dor, com aquelas vidas perdidas,
o que pode aumentar a sensação de injustiça e a
ideia de que a vida não é valorizada.
Segundo dados da Fiocruz, suicídio é
a terceira causa de morte na adolescência Foto: Adobe Stock
Alguns números. Conforme
o artigo publicado pela Fiocruz em fevereiro deste ano, a taxa de suicídio
entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022.
Já as taxas de notificações por autolesões
na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo
período. O número foi maior que na população
em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio
de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.
Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto
de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado
na The Lancet Regional Health - Américas, desenvolvido
pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para
Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com
pesquisadores de Harvard.
Segundo a especialista do Vita Alere, a racionalização
da violência também afeta a saúde mental dos jovens.
Quando a violência é percebida como aceitável ou
inevitável, os adolescentes podem ver o suicídio e a autolesão
como respostas ao desespero. "Quando você normaliza o comportamento
agressivo e dessensibiliza o sofrimento, isso pode aumentar tentativas
de suicídio e autolesão", explica Scavacini.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe milhões
de ligações por ano no Brasil, indicando a alta demanda
por suporte emocional. Só em 2021, o CVV registrou mais de 3
milhões de atendimentos via telefone, chat, e-mail e presencialmente.
A violência como expressão emocional
e a vulnerabilidade dos jovens
Outra questão, diz respeito a maneira
como o suicídio é noticiado ou percebido. Para Karen,
o aumento de casos podem ser influenciados, especialmente entre jovens
que já estão vulneráveis, por perdas de amigos
ou parentes por suicídio.
"Outro ponto importante é que os meninos são frequentemente
incentivados a se comunicar através da violência, e não
pela emoção. Nossa socialização e cultura
ainda veem a demonstração de vulnerabilidade como fraqueza,
enquanto a agressividade é aceitável ou até esperada.
Muitas vezes, a violência é dirigida para fora ou para
dentro, e precisamos de muitas mudanças culturais, de justiça
e de cuidado para alterar essa dinâmica", diz Scavacini.
Para reverter essa naturalização do suicídio
entre adolescentes, é fundamental promover uma abordagem que
comece com a conscientização sobre a gravidade do problema
e inclua ações preventivas. "Falar abertamente sobre
saúde mental nas escolas é essencial, mas isso deve ser
acompanhado por ações concretas que abordem as violências
que ocorrem nesses ambientes", defende Scavacini.
"É preciso um conjunto de ações
amplas, que vão desde a promoção de diálogos
até intervenções práticas. A tríade
da mudança, como gosto de chamar, inclui consciência do
problema, competência para lidar com ele e diálogo aberto.
Sem essas três dimensões, a mudança não acontece.
Além disso, é importante o treinamento de professores,
campanhas envolvendo pais e comunidades, e o desenvolvimento de habilidades
socioemocionais. É fundamental ter espaços de apoio e
uma rede que inclua profissionais de saúde, educadores e a mídia,
para que os jovens saibam que podem buscar ajuda em momentos de crise
e que existem alternativas à violência", destaca a
psicóloga.
Iniciativas importantes fazem a diferença
Projetos como Meninos Também
Falam e o Espaço SER Casa Matheus Campos,
além do curso para educadores Falar Ajuda são
exemplos de como podemos avançar nesse campo, mas ainda há
muito a ser feito. "É necessário preparar a comunidade
para lidar com essas questões e disponibilizar locais de apoio,
como o CVV (número 188), o Podefalar.org.br
do Unicef e o Mapasaudemental.com.br", afirma
Scavacini.
Por fim, Scavacini ressalta que estamos vendo um aumento nas taxas de
suicídio entre adolescentes, em parte devido à impulsividade,
ao sofrimento intenso e à falta de esperança em um futuro.
"A violência e o sofrimento coletivo são apenas uma
parte desse complexo universo que impacta a saúde mental dos
jovens, e a falta de acesso a cuidados de saúde mental adequados
agrava ainda mais o problema," conclui.
Há tempos, talvez em 2023, escrevi um texto onde dizia que precisávamos
devolver aos jovens a possibilidade de futuro. É isso. Estamos
diante de uma geração vulnerável emocionalmente,
que tem poucas ferramentas para lidar com as emoções (porque
tem tido menos possibilidades de experenciar a vida e daí aprender
com ela), com baixas perspectivas de futuro e expostos às violências
mais complexas do mundo atual. O resultado tem se revelado de maneira
catastrófica.
As taxas de suicídio subiram e é possível observar
na convivência, no dia a dia com eles, o tamanho sofrimento frente
à questões emocionais e até cotidianas da vida.
Adolescentes precisam de mais afeto, gentileza e cuidado. Adolescentes
precisam de amparo. De algo ou alguém que os proteja. E a gente
precisa, urgentemente, começar a fazer nossa parte.
Reclamar menos da vida, cuidar das nossas questões emocionais,
sorrir mais para os filhos, acolher as emoções, validá-las.
E ajudá-los a construir meios de sustentação das
alegrias e das tristezas da vida.
Onde buscar ajuda
Se você está passando por sofrimento psíquico
ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde
encontrar ajuda:
Centro de Valorização
da Vida (CVV)
Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato
com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço
gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por
dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat
no site ou pelo telefone 188.
Canal Pode Falar
Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para
adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo
WhatsApp - 61 9660-8843, de segunda a sexta-feira, das 8h às
22h.
SUS
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps)
são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas
para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades
específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de
São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível
buscar os endereços das unidades nesta página.
Mapa da Saúde Mental
O site
traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento
psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais
de orientação sobre transtornos mentais.