O otimismo pode ser um fator de proteção
contra a demência e é possível adotar estratégias
para alcançar essa perspectiva, segundo discussões promovidas
no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento
e Emoções, realizado no Rio de Janeiro no final
de junho.
O evento contou com a apresentação de
um estudo conduzido na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que
reforça o que outras pesquisas já apontaram: a existência
de uma relação entre a maneira como a pessoa encara
a realidade e seu desempenho cognitivo.
Para avaliar essa ligação, os cientistas utilizaram
dados de mais de 9 mil pacientes do Estudo Longitudinal da Saúde
dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que tem uma bateria de questões
como “tem sentimento de felicidade quando pensa no que já
viveu?”, “gosta de fazer coisas novas?” e “sente-se
otimista em relação ao futuro?”. Os participantes
podiam responder com “nunca”, “às vezes”
ou “sempre”.
O grupo percebeu que as respostas para a última pergunta tinham
relação com o desempenho nos testes aplicados para avaliar
declínio cognitivo e perda de funcionalidade – o ELSI
não faz uma avaliação clínica da demência,
mas usa esses aspectos para monitorar o desenvolvimento de provável
demência. Aqueles que diziam se sentir otimistas em relação
ao futuro tiveram 53% menos chances de desenvolver sinais de demência
em comparação com aqueles que nunca se sentiam assim,
segundo a pesquisa.
Os resultados estão em sintonia com artigos anteriores que
mostraram uma associação entre otimismo e melhores resultados
cognitivos. Em um estudo com 4,6 mil pessoas publicado na revista
científica Psychosomatic
Medicine, o otimismo foi prospectivamente associado a
uma probabilidade reduzida de declínio cognitivo. “À
medida que o otimismo aumentava, o risco de comprometimento cognitivo
diminuía”, escreveram os autores.
O estudo
A demência é uma síndrome que
pode se manifestar por meio de diferentes tipos de doenças
– o Alzheimer é a principal delas – que, ao longo
do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro,
geralmente levando ao declínio da função cognitiva,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Algumas causas são reversíveis (quando ela é
causada por alterações metabólicas, um trauma
ou processo infeccioso), mas em uma grande parcela dos casos isso
ainda não é possível.
Fatores como alimentação saudável e uma vida
socialmente ativa são apontados como protetores contra a síndrome,
mas a psicóloga Laura Beatriz Dias Estrada queria saber se
variáveis psicológicas e de personalidade também
poderiam apresentar alguma ligação com esse processo.
Ela estudou o tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC)
e foi orientada por Helen Berdinoto Durgante, professora da UFPel,
e Wyllians Vendramini Borelli, professor da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Parte dos resultados do estudo foi apresentada
no congresso e o artigo completo será publicado na revista
Dementia & Neuropsychologia.
O que é otimismo?
“O otimismo tem a ver com o
processo cognitivo, com a forma mental de interpretar eventos. Se
acontecesse algo neste momento, uma tragédia ou algo negativo,
a pessoa com um processamento otimista levaria em conta o todo: ‘é
algo que fugiu da minha vontade’ ou ‘é algo que
não depende de mim’”, explicou Helen no congresso.
“Uma perspectiva otimista tende
também a levar em conta o caráter mutável, ou
seja, não é porque aconteceu agora que toda vez vai
ser assim”, complementou a professora. A perspectiva pessimista,
por outro lado, afunila e suscita pensamentos como “fui eu quem
causei isso” ou “eu deveria, eu poderia ter feito aquilo”.
Laura Estrada destacou que o otimismo
não é apenas sobre pensar. Ele está associado
a um traço de personalidade chamado pelos psicólogos
de conscienciosidade ou realização. “O otimismo
aprendido, que é sobre o que estamos falando, é totalmente
prático. Ele vai funcionar como o filtro que permeia nossas
escolhas diárias. Por exemplo, acredito que um futuro melhor
é possível e eu mereço esse futuro, por isso
vou fazer check-ups médicos, ter uma alimentação
saudável e fazer atividade física.”
O otimismo atrelado à conscienciosidade é uma das hipóteses
levantadas pelos pesquisadores para tentar explicar a associação
com a demência: pessoas que pensam assim tendem a ter
comportamentos mais saudáveis.
Outra hipótese tem a ver com a chamada resiliência
cognitiva, ou seja, com a capacidade de adaptação
do cérebro – nesse caso, ao envelhecimento. “Entre
idosos que envelhecem de forma mais positiva, o cérebro consegue
compensar melhor perdas que são irreversíveis para a
idade. Eles têm uma flexibilidade de comportamento mental melhor,
conseguem tomar melhores decisões, principalmente com relação
ao bem-estar”, explicou Estrada.
Três caminhos até
o otimismo
Fernando Campos Gomes, professor de
neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP), não participou do trabalho, mas foi convidado
pelo evento para explicar como treinar o cérebro para ser mais
otimista.
“Independentemente de a doença ser de foro psíquico,
neuropsíquico, como uma demência, ou física, pessoas
otimistas têm uma tendência a ter uma evolução
mais favorável porque o sistema imunológico e a parte
cardiovascular funcionam melhor, e a própria interpretação
do problema é diferente”, explicou. Além disso,
o paciente com um traço de personalidade ou um comportamento
mais otimista adere melhor ao tratamento, o que gera impacto no desfecho.
Ao Estadão, ele sugeriu três formas de treinar o otimismo:
com a prática de esportes competitivos, pelo
exercício da gratidão e a meditação.
A competição, explicou Gomes, não precisa necessariamente
envolver outra pessoa. Pode ser uma corrida contra o relógio,
por exemplo. O importante é definir uma meta, como correr tantos
metros em determinado tempo.
Com isso, o indivíduo vivencia
todo o processo de se preparar física e psicologicamente, aceita
se colocar à prova e tem de lidar com o resultado. “Nenhuma
pessoa, por mais pessimista ou desmotivada que seja, vai começar
uma prova achando que nada vai dar certo”, comentou. “Ela
vai ter a chance de exercitar a frustração.”
Em relação à
gratidão, a sugestão é encontrar ao menos três
coisas positivas no dia e, antes de ir dormir, escrever sobre elas
– e é escrever mesmo, não teclar.
“Você começa a
modular principalmente os lóbulos frontais, uma área
relacionada com a nossa cognição, com pensamento abstrato,
imaginação e tomada de decisão”, detalhou
o professor. “Porque, em última análise, o que
o pessimista e o otimista fazem é ler a situação
e dar um veredicto, que muitas vezes vai conduzir a tomada de decisão
e a atitude sequencial.”
A essas duas formas, Gomes somou uma
terceira estratégia, a meditação. “A prática
de meditação estimula o sistema nervoso parassimpático,
reduz o estresse e deixa a pessoa mais autocentrada”, comentou.
Isso incentiva um maior estado de pertencimento e afasta o indivíduo
da tendência de interpretar tudo de maneira negativa.