Matemáticos podem esboçar alguns
cenários possíveis sobre o Big Bang. Foto: Nico Roper/Quanta
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por Steve Nadis
O Estado de São Paulo
Quanta Magazine
QUANTA MAGAZINE - Há cerca de
13,8 bilhões de anos, todo o cosmos consistia em uma pequena
bola de energia quente e densa que explodiu repentinamente.
Foi assim que tudo começou, de
acordo com a história científica padrão do Big
Bang, uma teoria que tomou forma pela primeira vez na
década de 1920. A história foi aprimorada ao longo das
décadas, principalmente na década de 1980, quando muitos
cosmólogos passaram a acreditar que, em seus primeiros momentos,
o Universo passou por um breve período de expansão extraordinariamente
rápida chamado inflação, antes de se estabelecer
em uma velocidade mais baixa.
Acredita-se que esse breve período tenha sido
causado por uma forma peculiar de matéria de alta energia que
inverte a gravidade, “inflando” o tecido do Universo de
forma exponencialmente rápida e fazendo com que ele cresça
por um fator de um milhão de bilhões de bilhões
em menos de um bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo
de bilionésimo de segundo. A inflação explica por
que o Universo parece ser tão suave e homogêneo quando
os astrônomos o examinam em grandes escalas.
Mas se a inflação é responsável
por tudo o que pode ser visto hoje, isso levanta a questão: O
que, se é que houve algo, veio antes?
Ainda não foi desenvolvido nenhum experimento
que possa observar o que aconteceu antes da inflação.
Entretanto, os matemáticos podem esboçar alguns cenários
possíveis. A estratégia é aplicar a teoria geral
da relatividade de Einstein - uma teoria que equipara a gravidade à
curvatura do espaço-tempo - o mais longe possível no tempo.
Essa é a esperança de três pesquisadores:
Ghazal Geshnizjani, do Perimeter Institute, Eric Ling, da Universidade
de Copenhague, e Jerome Quintin, da Universidade de Waterloo. O trio
publicou recentemente um artigo no Journal of High Energy Physics
no qual, segundo Ling, “mostramos matematicamente que pode haver
uma maneira de ver além do nosso Universo”.
Trabalhando em conjunto com Jerome Quintin e Eric
Ling, Ghazal Geshnizjani, do Perimeter Institute,
examinou as maneiras pelas quais o espaço-tempo pode ser estendido
além do Big Bang. Foto: Evan Pappas/ Perimeter Institute
Robert Brandenberger, físico da Universidade
McGill que não participou do estudo, disse que o novo artigo
“estabelece um novo padrão de rigor para a análise”
da matemática do início dos tempos. Em alguns casos, o
que a princípio parece ser uma singularidade - um ponto no espaço-tempo
em que as descrições matemáticas perdem o sentido
- pode, de fato, ser uma ilusão.
Uma taxonomia de singularidades
A questão central com a qual Geshnizjani,
Ling e Quintin se deparam é se existe um ponto anterior à
inflação no qual as leis da gravidade se rompem em uma
singularidade. O exemplo mais simples de uma singularidade matemática
é o que acontece com a função 1/x quando x se aproxima
de zero. A função recebe um número x como entrada
e produz outro número. À medida que x fica cada vez menor,
1/x fica cada vez maior, aproximando-se do infinito. Se x for zero,
a função não estará mais bem definida: Não
se pode confiar nela como uma descrição da realidade.
Às vezes, porém, os matemáticos
conseguem contornar uma singularidade. Por exemplo, considere o meridiano
principal, que passa por Greenwich, Inglaterra, na longitude zero. Se
você tivesse uma função de 1/longitude, ela ficaria
maluca em Greenwich. Mas, na verdade, não há nada fisicamente
especial no subúrbio de Londres: você poderia facilmente
redefinir a longitude zero para passar por algum outro lugar na Terra
e, então, sua função se comportaria perfeitamente
normal ao se aproximar do Royal Observatory em Greenwich.
"Mostramos matematicamente que pode haver
uma maneira de ver além do nosso universo",
disse Eric Ling, da Universidade de Copenhague. Foto:
Annachiara Piubello
Algo semelhante acontece nos limites dos modelos matemáticos
de buracos negros. As equações que descrevem buracos negros
esféricos não rotativos, elaboradas pelo físico
Karl Schwarzschild em 1916, têm um termo cujo denominador vai
para zero no horizonte de eventos do buraco negro - a superfície
que circunda um buraco negro além da qual nada pode escapar.
Isso levou os físicos a acreditar que o horizonte de eventos
era uma singularidade física.
Porém, oito anos depois, o astrônomo Arthur Eddington mostrou
que, se for usado um conjunto diferente de coordenadas, a singularidade
desaparece. Assim como o meridiano principal, o horizonte de eventos
é uma ilusão: um artefato matemático chamado de
singularidade de coordenadas, que só surge devido à escolha
das coordenadas.
No centro de um buraco negro, por outro lado, a
densidade e a curvatura vão para o infinito de uma forma que
não pode ser eliminada com o uso de um sistema de coordenadas
diferente. As leis da relatividade geral começam a se tornar
sem sentido. Isso é chamado de singularidade de curvatura. Isso
implica que está ocorrendo algo que está além da
capacidade de descrição das teorias físicas e matemáticas
atuais.
Geshnizjani, Ling e Quintin estudaram se o início
do Big Bang é mais parecido com o centro de um buraco negro ou
mais parecido com um horizonte de eventos. Sua investigação
se baseia em um teorema comprovado em 2003 por Arvind Borde, Alan Guth
(uma das primeiras pessoas a propor a ideia de inflação)
e Alexander Vilenkin. Esse teorema, conhecido pelas iniciais dos autores
como BGV, diz que a inflação deve ter tido um início
- ela não pode ter continuado incessantemente no passado. Deve
ter havido uma singularidade para dar o pontapé inicial. A BGV
estabelece a existência dessa singularidade, sem dizer que tipo
de singularidade é essa.
Como diz Quintin, ele e seus colegas trabalharam para
descobrir se essa singularidade é uma parede de tijolos - uma
singularidade de curvatura - ou uma cortina que pode ser puxada para
trás - uma singularidade de coordenadas. Eric Woolgar, matemático
da Universidade de Alberta que não participou do estudo, disse
que ele esclarece nossa visão da singularidade do Big Bang. “Eles
podem dizer se a curvatura é infinita na singularidade inicial
ou se a singularidade é mais branda, o que pode nos permitir
estender nosso modelo do Universo para épocas anteriores ao Big
Bang.”
"Os raios de luz podem de fato atravessar
o limite", disse Jerome Quintin, da Universidade de Waterloo. Foto:
Gabriela Secara
Para classificar os possíveis cenários
pré-inflacionários, os três pesquisadores usaram
um parâmetro chamado fator de escala que descreve como a distância
entre os objetos mudou ao longo do tempo à medida que o Universo
se expande. Por definição, o Big Bang é o momento
em que o fator de escala era zero - tudo foi espremido em um ponto sem
dimensão.
Durante a inflação, o fator de escala aumentou em uma
velocidade exponencial. Antes da inflação, o fator de
escala poderia ter variado de várias maneiras. O novo artigo
fornece uma taxonomia de singularidades para diferentes cenários
de fator de escala. “Mostramos que, sob certas condições,
o fator de escala produzirá uma singularidade de curvatura e,
sob outras condições, não”, disse Ling.
Os pesquisadores já sabiam que em um Universo
com a chamada energia escura, mas sem matéria, o início
da inflação identificado no teorema BGV é uma singularidade
de coordenadas que pode ser eliminada. Mas o Universo real tem matéria,
é claro. Será que os truques matemáticos também
possibilitam contornar sua singularidade? Os pesquisadores demonstraram
que, se a quantidade de matéria for insignificante em comparação
com a quantidade de energia escura, a singularidade poderá ser
eliminada. “Os raios de luz podem de fato atravessar o limite”,
disse Quintin. “E, nesse sentido, você pode ver além
do limite; não é como uma parede de tijolos.” A
história do Universo se estenderia além do Big Bang.
No entanto, os cosmólogos acreditam
que o Universo primitivo tinha mais matéria do que energia. Nesse
caso, o novo trabalho mostra que a singularidade do BGV seria uma verdadeira
singularidade de curvatura física, na qual as leis da gravidade
deixam de fazer sentido.
Uma singularidade sugere o fato de que
a relatividade geral não pode ser uma descrição
completa das regras básicas da física. Estão sendo
feitos esforços para formar essa descrição, o que
exigiria a reconciliação da relatividade geral com a mecânica
quântica. Ling disse que vê o novo artigo como um trampolim
para essa teoria. Para dar sentido ao Universo nos níveis mais
altos de energia, disse ele, “primeiro precisamos entender a física
clássica da melhor forma possível”.
História original republicada com
permissão da Quanta Magazine, uma publicação
editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation.
Leia o conteúdo original em Mathematicians
Attempt to Glimpse Past the Big Bang.