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20/09/2023

 


Cientistas realizam congresso para definir se a consciência é decifrável

Cientistas fizeram um ‘congresso’ este ano para testar as duas teorias principais sobre ela


O Estado de S. Paulo
ELIZABETH FINKEL

 

 

 

 

A ciência apresenta rotineiramente teorias e depois as ataca com dados até restar apenas uma. Na incipiente ciência da consciência, ainda não surgiu uma teoria dominante. Mais de 20 ainda são levadas a sério. E não é por falta de dados. Desde que Francis Crick, o codescobridor da dupla hélice do DNA, legitimou a consciência como um tema de estudo há mais de três décadas, os pesquisadores têm utilizado uma variedade de tecnologias avançadas para sondar os cérebros dos indivíduos submetidos aos testes, rastreando as assinaturas da atividade neural que poderia refletir a consciência. A avalanche de dados resultante já deveria ter destruído pelo menos as teorias mais frágeis.

Há cinco anos, a Templeton World Charity Foundation iniciou uma série de “colaborações adversárias” para que a seleção começasse. Em junho, vimos os resultados da primeira dessas colaborações, que colocou duas teorias de alto perfil uma contra a outra: a do espaço de trabalho neuronal global (GNWT) e a da informação integrada (IIT). Os resultados, anunciados no desfecho de um evento esportivo na 26.ª reunião da Associação para o Estudo Científico da Consciência de Nova York, também foram usados para resolver uma aposta de 25 anos entre o neurocientista Christof Koch, do Allen Institute for Brain Science, e o filósofo David Chalmers, da Universidade de Nova York (NYU), que cunhou o termo “o problema difícil” para desafiar a presunção de que se pode explicar o sentimento subjetivo de consciência com a análise dos circuitos do cérebro.

No palco do Skirball Center da NYU, o neurocientista admitiu que o filósofo estava certo: os correlatos neurais da consciência ainda não haviam sido definidos. No entanto, Koch proclamou: “É uma vitória para a ciência”.

 

OS CORRELATOS DA CONSCIÊNCIA

Quando Crick e Koch publicaram o seu artigo de referência Towards a Neurobiological Theory of Consciousness (Rumo a uma Teoria Neurobiológica da Consciência) em 1990, o seu objetivo era colocar a consciência – durante 2 mil anos o território dos filósofos – numa base científica. A consciência na sua totalidade, argumentavam eles, era um conceito muito amplo e controverso para servir como ponto de partida.

Em vez disso, eles se concentraram num aspecto cientificamente tratável: a percepção visual, que envolve se tornar consciente de ver, por exemplo, a cor vermelha. O objetivo científico era encontrar os circuitos que se correlacionassem com essa experiência, ou, como eles diziam, os “correlatos neurais da consciência”. A decodificação dos primeiros estágios da percepção visual já havia se revelado um terreno fértil para a ciência. Padrões de luz que incidem na retina enviam sinais ao córtex visual, na parte posterior do cérebro. Lá, mais de 12 módulos neurais processam os sinais correspondentes às bordas, cores e movimentos das imagens. Seus resultados se combinam para construir uma imagem dinâmica final daquilo que vemos conscientemente.

O que consolidou a utilidade da percepção visual para Crick e Koch foi que o elo final dessa cadeia – a consciência – poderia ser separado do resto. Desde a década de 1970, os neurocientistas conhecem pessoas com “visão cega” que não têm experiência de visão devido a danos no cérebro, mas que conseguem andar numa sala sem esbarrar em obstáculos. Embora mantenham a capacidade de processar uma imagem, falta-lhes a capacidade de ter consciência dela.

Todos nós podemos experimentar uma forma dessa desconexão. Considere a conhecida ilusão de ótica que pode ser percebida como um vaso ou como dois rostos de perfil. Algo na forma como nosso cérebro processa as percepções nos impede de estar conscientes de ambas simultaneamente.

Os psicólogos experimentais podem tirar vantagem dessa peculiaridade através do fenômeno da rivalidade binocular. Nosso cérebro normalmente não tem problemas para combinar as imagens ligeiramente diferentes e sobrepostas que recebe dos olhos esquerdo e direito. Mas se as imagens são muito diferentes, em vez de se fundirem, se tornam rivais: primeiramente uma imagem domina a nossa percepção, depois a outra. Quando o neurocientista Nikos Logothetis, do Max Planck Institute for Biological Cybernetics, descreveu a rivalidade binocular em 1996, Crick ficou tão entusiasmado que proclamou que os correlatos neurais da consciência seriam encontrados no final do século 20. (Entusiasmo semelhante levou à aposta de Koch com Chalmers). Nas últimas duas décadas, scanners cerebrais cada vez mais sofisticados monitoraram indivíduos submetidos a testes à medida que suas percepções eram manipuladas durante estudos de consciência. Gotas de dados transformaram-se em cascatas, mas, em vez de serem eliminadas, as teorias da consciência multiplicaram-se.

Uma ampla divisão entre essas muitas teorias é que algumas delas, como a GNWT, requerem a participação das partes do cérebro que permitem a cognição, onde “pensamos”, enquanto a IIT e outras afirmam que os correlatos neurais dependem das áreas do cérebro envolvidas na percepção, onde “sentimos”. As ideias são frequentemente descritas casualmente como teorias “da frente do cérebro” versus teorias “da parte posterior do cérebro” (embora a distinção anatômica real seja menos evidente). Esta bifurcação intrigante ecoa antigas divergências filosóficas sobre se a consciência tem a ver com pensar, como no “Penso, logo existo” de Descartes, ou sobre “não pensar”, como no estado experimentado por um iogue meditando.

Para o neurocientista Stanislas Dehaene, do Collège de France, arquiteto-chefe da GNWT, o pensamento é uma parte central do estado consciente. Referindo-se à IIT, ele me disse: “É uma grande diferença entre as nossas teorias. Não acredito em consciência purificada”. A GNWT afirma que um pequeno subconjunto de informações que processamos de forma constante inconscientemente é selecionado para passar por um gargalo e chegar a um “espaço de trabalho” consciente. Lá, a informação é integrada e transmitida para outras áreas do cérebro para torná-la disponível globalmente para a tomada de decisões e aprendizagem. “O ‘espaço de trabalho’ existe para uma função”, disse Dehaene. Como a tomada de decisões e a aprendizagem são responsabilidades do córtex pré-frontal, a parte frontal do cérebro é crucial para a consciência.

O germe da ideia foi proposto em 1988 pelo psicólogo Bernard Baars, agora na Society for Mind Brain Sciences, que viu uma analogia com o “quadro negro” das primeiras arquiteturas de sistemas de inteligência artificial, onde programas independentes partilhavam informações. Dehaene então vinculou esse modelo conceitual às descobertas da neurociência de ponta e usou modelos computacionais para desenvolver a GNWT.



POR OUTRO LADO.

A IIT não faz analogias com a arquitetura de IA. Giulio Tononi, neurocientista e psiquiatra da Universidade de Wisconsin, Madison, desenvolveu a teoria começando com cinco axiomas sobre a consciência: ela é intrínseca à entidade que a possui; sua composição é estruturada; é rica em informações; é integrada e não redutível a componentes; e é exclusiva de outras experiências. Ele então desenvolveu descrições matemáticas para se adequar a esses axiomas. Para Tononi e outros teóricos da IIT, a estrutura neural mais consistente com esses descritores matemáticos é uma arquitetura em forma de grade associada a regiões sensoriais, que eles apelidaram de “zona quente”.

Mas a GNWT e a IIT são apenas duas das teorias que localizam elementos-chave da consciência em polos opostos do cérebro. Existem outros conceitos cognitivos da parte frontal do cérebro, incluindo várias teorias de ordem superior (HOTs) e a teoria de inferência ativa, e uma variedade de conceitos sensoriais da parte posterior do cérebro, como as teorias de primeira ordem intimamente relacionadas e as teorias localistas.

 



TESTE

Eliminar algumas delas testando suas previsões pode parecer muito simples. Infelizmente, isso não se revelou uma verdade. Há cinco anos, Dawid Potgieter, chefe da seção de programas especiais da Templeton World Charity Foundation, ficou surpreso ao descobrir que ainda existiam tantas teorias viáveis sobre a consciência.

Koch sugeriu um confronto direto, algo que foi usado algumas vezes para resolver controvérsias na Física e na Psicologia. Na década de 1980, o pesquisador de Psicologia Dan Kahneman, da Universidade Princeton, cunhou o termo “colaboração adversária” para descrever exercícios em que cientistas com pontos de vista opostos desenvolviam experimentos em conjunto. Ao trabalharem juntos, eles poderiam amenizar divergências sobre objetivos e metodologias que poderiam prejudicar as conclusões do trabalho.

Potgieter estava ansioso para tentar. Em março de 2018, ele e Koch organizaram um workshop de fim de semana no Allen Institute em Seattle para 14 participantes. Nos nove meses seguintes, as discussões continuaram. Os teóricos aprofundaram as suas teorias e ofereceram novas previsões.

A equipe apresentou duas propostas experimentais para separar as previsões da IIT e da GNWT. Os indivíduos em teste seriam apresentados a uma série de imagens variadas, como rostos, relógios e letras do alfabeto em diferentes fontes. No início de cada série, duas imagens específicas seriam definidas como alvos (digamos, o rosto de uma mulher e um relógio antigo), e os participantes recebiam a tarefa de relatá-las apertando um botão caso vissem alguma delas. Os decodificadores de sinais cerebrais de última geração correlacionariam os padrões de disparo neural com o que os indivíduos estavam vendo.

Os pesquisadores começaram a trabalhar realizando os experimentos sugeridos pela equipe do workshop. Na noite de 23 de junho, um público entusiasmado se reuniu na NYU para saber o resultado dessa experiência. Ambas as teorias foram desafiadas pelos resultados. Mas, na contagem final exibida na tela do evento, a IIT obteve mais destaques verdes do que a GNWT. Apesar disso, os próprios líderes do projeto estão convencidos de que não houve vencedor. E nenhum lado admitiu derrota. “Esses resultados confirmam algumas previsões da IIT e da GNWT, ao mesmo tempo que desafiam substancialmente ambas as teorias”, escreveram eles em um artigo que descreve os resultados no servidor de pré-publicação biorxiv.org.


O RITMO DO PROGRESSO

Então a ciência avançou? Nem todo mundo pensa assim. Alguns pesquisadores, como Olivia Carter, psicóloga da Universidade de Melbourne e ex-presidente da ASSC, pensam que as duas teorias estavam demasiado distantes para que as suas previsões pudessem ser comparadas de forma significativa. “Meu sentimento pessoal é de que elas estão testando coisas totalmente diferentes”, disse ela. “A IIT está se concentrando em conteúdo fenomenal e a GNWT está muito mais interessada na memória de trabalho e na atenção.” Essa avaliação parece adequada. E frustrante, dado que uma comparação dispositiva foi o propósito declarado da colaboração adversária. Para Lucia Melloni, do Max Planck Institute, o fato de os adversários não terem mudado de ideia não diminui o valor do processo. “Pessoas não mudam de ideia, mas a forma como reagem a desafios faz com que a teoria progrida ou degenere. Neste último caso, com o tempo a teoria ‘morre’ e os cientistas a abandonam.”

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20230920

 

 

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