Tempo flui diferente em regiões distintas do Universo, diz
físico italiano
Filipe Vilicic - BBC News Brasil

Tempo flui diferente em
regiões distintas do Universo, diz físico italiano
Em novo livro, o físico italiano Guido Tonelli recorre à
filosofia, às mitologias e às ciências em busca
de respostas para questões fundamentais
Em "Tempo: O Sonho de Matar
Chronos", o físico italiano Guido Tonelli
parte da observação da realidade imediatamente ao nosso
redor, a visível aos nossos olhos, para a exploração
de mundos de objetos astronômicos colossais, assim como o do
que é muito, muito pequeno, na procura de entender como funciona
o fluxo do passado, do presente e do futuro.
"Consideramos o tempo um conceito abstrato por sermos objetos
macroscópicos, vivendo em uma espécie de 'mundo do meio',
no qual o relógio parece fluir perfeitamente e igual para todos",
diz Tonelli, em entrevista à BBC Brasil.
"Fenômenos bem peculiares ocorrem próximos a grandes
massas, como estrelas e buracos negros, nos arredores dos quais o
espaço-tempo é deformado e pode se ter a impressão
de o tempo passar muito mais devagar, assim como tudo é diferente
no mundo microscópico, dos fótons, elétrons e
múons".
A leitura leva o leitor a se imaginar nessas realidades nas quais
parecem não valer as mesmas leis naturais com as quais estamos
acostumados, as da física clássica fundada por Isaac
Newton a partir dos pioneiros estudos da força da gravidade.
Quando se observam tanto os corpos gigantescos que povoam o Universo,
quanto os fenômenos que acontecem em escalas subnucleares, a
passagem harmoniosa de passado para o presente e para o futuro se
distorce, se despedaça e se liquefaz.

Onde o tempo passa mais devagar
No livro, o físico italiano, professor da Universidade de
Pisa, não apresenta novíssimas teorias.
Assim como em sua obra anterior, "Gênesis: a história
do universo em sete dias", lançada em 2019, a habilidade
de Tonelli está em conduzir o leitor pela evolução
do entendimento que temos sobre uma questão fundamental de
nossa existência, não em revolucionar as ciências
com propostas teóricas disruptivas.
Se em "Gênesis" ele apresentou os conceitos mais
modernos da física para responder à pergunta "Como
tudo começou?", em "Tempo", que chegou às
livrarias brasileiras em junho, pela Zahar, a reflexão gira
em torno das questões seminais: "O que é o tempo?",
"Conseguiremos um dia derrotá-lo?", "Ele existe,
mesmo, ou é só ilusão?".
"O tempo é uma substância, um elemento material",
afirma o cientista.
"No nosso dia a dia, não vemos o espaço-tempo
oscilando. Mas a verdade é que o tempo flui diferente, em distintas
regiões do Universo, pois ele depende do local, em particular
da quantidade de massa ao redor."
Tonelli é adepto de alegorias. No livro, ele imagina físicos
viajando em direção a um buraco negro supermassivo.
Um deles, em uma nave a uma distância segura do fenômeno.
A outra espaçonave, contudo, tem a ousadia de se aventurar,
cruzando a fronteira do buraco negro, conhecida pelo termo "horizonte
de eventos". Essa segunda, portanto, adentra o evento cósmico.
Ao atravessar o horizonte de eventos, o tempo parece continuar a
passar normalmente para quem está dentro da nave dos exploradores.
Porém, se esses cientistas emitirem um sinal de rádio
para os outros colegas, na outra espaçonave, uma eternidade
passaria até a mensagem ser recebida.
Em referência ao mundo exterior, enquanto se passassem alguns
segundos dentro do buraco negro, poderiam se passar séculos
e até milênios para quem está, por exemplo, na
Terra.
"Próximo a corpos de supermassa, o tempo caminha proporcionalmente
bem, bem mais devagar", explica Tonelli à BBC Brasil.
"Em teoria, apenas tecnicidades nos impedem de dobrar o tempo
a nosso favor. Tenho certeza que um dia faremos isso."
Ele resgata como o público percebia os físicos que
inauguraram os estudos da mecânica quântica, como Einstein:
"Naquela era da primeira década do século passado,
esses cientistas se faziam perguntas que, aos olhos do senso comum,
pareciam inúteis, como 'por que o fóton viaja à
velocidade da luz, mas não a supera?'. O mundo, porém,
estava era preocupado com outras questões, como a fome e a
iminência da Primeira Guerra Mundial".
Entretanto, Tonelli defende como foram essas bases científicas
que levaram ao desenvolvimento de inovações como celulares,
satélites, o raio-X e a energia nuclear.
Como pesquisador, o físico italiano tem experiência
na liderança de equipes do Grande Colisor de Hádrons,
o acelerador de partículas localizado no subsolo da fronteira
da Suíça com a França.
Ele era um dos principais cientistas do laboratório quando
ocorreu o anúncio da descoberta do bóson de Higgs, detectado
pelas placas do equipamento no ano de 2012.
"Quando há uma descoberta científica de peso,
nosso mundo não muda imediatamente. Décadas depois,
todavia, esse mesmo achado costuma levar a revoluções
tecnológicas", avalia Tornelli.
"Com a confirmação do bóson de Higgs, agora
temos certeza que a massa dos objetos, sejam das estrelas ou de nossos
corpos humanos, não são certezas absolutas. Elas dependem
da existência de um campo, formado pelos bósons, e que
em tese pode ser manipulado", acrescenta o físico.
"Imagino que essa descoberta poderá levar a progressos
incríveis".
A Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, mantém
uma página na internet, a Nasa Spinoff, que compila avanços
tecnológicos presentes no dia a dia e que tiveram origem na
ciência espacial realizada em seus laboratórios, esta
fruto direto da evolução da Física quântica.
São elencados mais de 2.000 produtos, desenvolvidos desde
1976, em áreas como agronomia, transportes, geração
de energia, medicina, tecnologia da informação, dentre
outras.

A origem do tempo
Os antigos gregos viam Chronos (uma divindade que personifica "o
tempo") como um titã.
O gigante devorava os próprios filhos, por medo de uma profecia
de que um deles o deporia. Até que Zeus enganou o pai, que
comeu uma pedra envenenada em seu lugar. Assim, Zeus matou Chronos,
o tempo, e se tornou imortal.
"No passado, o ser humano se via como um ser frágil em
meio a um cosmo eterno, feito do Sol, das estrelas, dos planetas,
das divindades imortais", diz o autor de "Tempo".
"Hoje, sabemos que tudo tem seu fim. A energia do Sol, por exemplo,
vai se esgotar em alguns bilhões de anos, e nossa estrela irá
assim morrer".
Há séculos, não tínhamos as ferramentas
para medir com precisão distâncias e passagens de tempo
pequenas demais, ou exageradamente grandes. A civilização,
assim, recorria à mitologia e à religiosidade.
Segundo a narrativa da Bíblia, por exemplo, a criação
do mundo teria se dado em 6 de outubro de 3761 a.C..
Hoje, a Ciência já concluiu que nossa espécie,
a humana, surgiu na África há cerca de 300 mil anos,
como descendentes de outros primatas.
Vivemos na Terra, planeta que surgiu há 4,5 bilhões
de anos no Sistema Solar.
Todos habitamos o mesmo Universo, que teve início em uma grande
expansão, o Big Bang, há 13,8 bilhões de anos.
"O espaço-tempo, como campo e substância, teriam
nascido junto com o surgimento da massa e da energia no cosmo",
acrescenta Tonelli.
O que é o tempo?
Em seu novo livro, o físico italiano não se aventura
por uma definição precisa do que é o tempo, além
de apontá-lo como uma substância e como parte de um campo
onipresente.
Contudo, ele faz referências a cientistas que exploram as teorias
mais modernas da mecânica quântica sobre o tema, a exemplo
de seu conterrâneo, e também físico, Carlo Rovelli.
Autor de best-sellers de divulgação científica,
como "Sete breves lições de física",
de 2015, no meio acadêmico, Rovelli, hoje com 66 anos, é
reverenciado por suas pesquisas seminais sobre a existência
do que ele chama de "gravidade quântica em loop".
"As teorias quânticas vão se tornar parte de nossa
compreensão básica do mundo. Porém, levará
tempo para isso acontecer, como demorou mais de um século para
aceitarem o modelo heliocêntrico de Copérnico",
disse ele em entrevista em dezembro do ano passado, na ocasião
do lançamento no Brasil de seu último livro, "O
Abismo Vertiginoso".
Rovelli, comparado frequentemente por veículos de imprensa
ao físico inglês Stephen Hawking (1942-2018), devido
ao sucesso de suas obras de divulgação científica
em torno de estudos próprios e de colegas da mecânica
quântica, ficou conhecido também por sua visão
única sobre as propriedades do tempo.
Em 2012, ele ganhou fama por começar uma palestra do evento
TEDx com a afirmação "o tempo não existe".
Mas ele afirma acreditar, sim, na existência do tempo. Só
não é este com o qual estamos acostumados, o dos dias,
semanas e meses do calendário.
"O que chamamos de tempo não funciona como uma característica
real do Universo", disse ele na entrevista.
Em outro de seus livros, "A Ordem do Tempo", de 2017, Rovelli
explora as concepções que a humanidade já teve
acerca desse elemento crucial da realidade: de Newton, que teorizava
duas formas de tempo, e Einstein, para quem o espaço-tempo
resultaria de deformações do campo gravitacional, ao
atual estágio de pesquisas.
Para os cientistas da vertente de Rovelli, cujas teorias ecoam nos
capítulos finais de "Tempo", nos quais se abordam
problemáticas sobre a entropia do Universo, o tempo é
um elemento térmico.
Em vez de medida cronológica, como a calculada nos calendários,
ele seria uma variável resultante da crescente entropia do
cosmo, ao longo de seus 13,8 bilhões de anos de existência.
O subtítulo do livro de Tonelli, "O Sonho de Matar Chronos",
faz referência ao desejo de superar a mortalidade, pela analogia
ao mito grego que narra como Zeus alcançou a divindade ao envenenar
o titã, seu pai.
Contudo, apesar de acreditar na possibilidade de dobrar e manipular
o campo do espaço-tempo, o autor não vislumbra qualquer
possibilidade de vencermos a mortalidade, como fez Zeus.
"Nada é eterno, toda estrutura de matéria, seja
um humano, uma estrela, uma galáxia, é frágil intrinsecamente",
afirma o autor. "Cedo ou tarde, tudo se acaba".
Enquanto partículas elementares, como o bóson de Higgs,
têm tempo de duração curtíssimo, de mínimas
frações de microssegundos, estrelas, planetas e galáxias
permanecem no cosmo por bilhões de anos.
Mas, no fim, como teoriza a física moderna, até mesmo
o Universo um dia acabará.
Guido Tonelli defende uma teoria da física moderna que indica
o cosmo se encerrando na escuridão e frio total.
Segunda essa tese, a expansão cósmica, iniciada com o
Big Bang, não se interromperá até romper o próprio
campo do espaço-tempo.
"Se a estrutura do Universo não mais suportar o espaço-tempo,
aí será o verdadeiro fim dos tempos, um Apocalipse, mas
como contado pela física quântica", conclui.