Está triste e pra baixo e não sabe o motivo? Resposta
pode estar nos pequenos traumas
por Luciana Garbin
jornal Estado de São Paulo
Você tem família, trabalho,
saúde, amigos. Dispõe de comida na mesa, um lugar
legal pra morar, nenhuma história catastrófica na
biografia. Mas não se sente feliz em boa parte do tempo e
ainda tem de aguentar comentários do tipo: ‘Por que
está tão pra baixo se não tem do que reclamar?’
Como explicar essa melancolia, angústia e falta de energia
sem motivo aparente? Segundo a cientista britânica
Meg Arroll, a resposta pode estar no acúmulo
de pequenos traumas e arranhões psicológicos aos quais
não costumamos prestar atenção, mas têm
um impacto mais profundo do que podemos imaginar no nosso dia a
dia e bem-estar.
Psicóloga, cientista
e autora
Sou psicóloga – mas não
como você pode imaginar.
Não há fraldas, pranchetas ou quartos brancos abafados
aqui, apenas uma pessoa amigável, acessível e genuína
que por acaso é uma psicóloga totalmente treinada
e qualificada. Estou aqui para ajudar - porque todos nós
temos que lidar com os problemas complicados da vida, que são
complexos e cotidiano.
“A grande maioria dos meus clientes não sofreu nenhum
trauma grave, como abuso físico ou sexual, nem viveu em uma
zona de guerra ou vivenciou na infância a morte de quem cuidava
deles, mas sempre há leves fissuras e ligeiros solavancos
ao longo do caminho que deixam uma marca”, escreve Meg em
seu livro Pequenos
Traumas: Superando as barreiras emocionais que afetam a nossa saúde
mental, recém-lançado no Brasil pela
Editora Vestígio.

PEQUENAS COISAS TÊM GRANDES IMPACTOS.
Como
você está se sentindo hoje? Se sua resposta for um desanimado
“vou indo”, um mero “mais ou menos” ou um
ressonante “exausto”, pare por um momento e respire. Talvez
você não consiga identificar exatamente por quê,
mas sabe que não está tudo bem.
A vida moderna pode ser estressante, para dizer
o mínimo: sentimos o peso sobre nossos ombros enquanto nos
esforçamos para equilibrar vida pessoal, trabalho, tarefas
domésticas, obrigações familiares e compromissos
sociais – tudo isso com um sorriso no rosto, como mandam as
redes sociais.
Mas, muitas vezes, não percebemos as microagressões
envolvidas nesse esforço cotidiano, essas pequenas feridas
emocionais que vão se acumulando até transbordar em
uma enxurrada de estresse, ansiedade e depressão.
Neste livro, a renomada psicóloga britânica
Meg Arroll nos mostra como identificar os pequenos traumas que afetam
a nossa saúde física e mental
São pequenas feridas emocionais que vão se acumulando
e, segundo a autora, “crescem como juros de cartão de
crédito”, causando estresse, cansaço, ansiedade,
falta de confiança. As causas podem variar: desarmonia na família,
problemas na infância, relacionamentos amorosos problemáticos,
falsos amigos, humilhação em sala de aula, instabilidade
no emprego, pressão por desempenho, problemas constantes de
orçamento e, nos últimos tempos, trolagem digital, entre
vários outros. Muitos bem conhecidos da maioria de nós.
O problema é que nem sempre é fácil achar ajuda
para superar seus impactos.
PhD em Psicologia Médica e de Saúde pela universidade
de Surrey, no Reino Unido, Meg afirma que se sentir um lixo e sofrer
com perfeccionismo, por exemplo, não são quadros que
um médico consiga facilmente diagnosticar ou tratar porque
não costumam se encaixar em critérios de enciclopédias
médicas. E, como a Psicologia é uma ciência relativamente
nova, estudiosos e psicólogos tendiam até pouco tempo
atrás a focar apenas nos transtornos graves. Com isso, pessoas
com questões psicológicas não consideradas “sérias”
o suficiente eram deixadas à deriva. Apesar de também
poderem ser profundamente extenuantes para quem as carrega.
A boa notícia, lembra Meg, é que se tomarmos consciência
desses pequenos traumas podemos usá-los a nosso favor e construir
uma “imunidade psicológica” que não só
nos ajudará a viver melhor como nos protegerá futuramente
do impacto de traumas bem maiores. Como perder pessoas queridas, passar
por um divórcio, ter alguma doença ou dano físico
mais grave e, aí sim, desenvolver problemas de saúde
diagnosticáveis, como depressão.

Pequenas feridas emocionais vão se acumulando
ao longo da vida e, segundo a psicóloga britânica Meg
Arroll,
“crescem como juros de cartão de crédito”
Meg relata no livro que os psiquiatras Thomas Holmes e Richard Rahe
se debruçaram sobre mais de 5 mil conjuntos de observações
médicas e compilaram uma lista de eventos - dos mais traumáticos,
como a morte de um cônjuge, aos menos significativos, mas ainda
assim estressantes, como tomar uma multa de trânsito. Depois
deram a cada incidente uma pontuação, ou “unidade
de mudança de vida”. Ao analisarem os resultados, os
pesquisadores concluíram que, além da gravidade dos
acontecimentos, a quantidade de ocorrências simultâneas
no período de um ano pareceu ser um indicativo importante para
problemas de saúde. “Algumas situações
que vivenciamos podem nos tornar vulneráveis a problemas tanto
de saúde física quanto mental, especialmente se acontecerem
num curto espaço de tempo”, concluíram.
Para lidar com eles, a autora propõe seguir três passos:
- Conscientização: descobrir como os pequenos traumas
afetam suas experiências;
- Aceitação: fase mais desafiadora do processo, que
não pode ser pulada, e implica estar disposto a vivenciar os
altos e baixos do caminho;
- Ação: adotar medidas para criar, ativamente, a vida
que se deseja.
Perpassando tudo isso está aprender a lidar com as emoções
negativas, que geralmente tentamos esconder. “Todo mundo fica
bravo, triste e frustrado de tempos em tempos, mas e se em vez de
esconder essas emoções aprendermos a processá-las
de modo saudável e adaptável?”, pergunta Meg.
“A diferença entre uma vida plena e uma que constantemente
parece uma decepção tem a ver com a maneira de lidar
com essa emoções, e não com a exclusão
do sentimento ‘ruim’.”