Universo paralelo - Pacientes de terapia de
regressão afirmam ter visto o espaço entre uma vida
e outra. Esses relatos levam espiritualistas, professores, médicos
e estudiosos a se debruçarem sobre o assunto
por Celina Côrtes e Rita Moraes
Isto é
A possibilidade de vida e morte
serem mais do que processos biológicos, a existência
da alma e a ideia de viver várias vezes são temas
que agitam discussões filosóficas e religiosas desde
tempos remotos. Os tibetanos, os egípcios e os hebreus da
antiguidade tinham cada um a sua versão para o que acontecia
depois da morte. Em todas as culturas e mitologias, há referências
sobre essas questões que sempre permearam a busca de identidade
do ser humano. O assunto polêmico também agita o meio
científico. Muitos estudiosos se dedicam a desvendar em laboratório
o misterioso mundo do além. No final de outubro, cientistas
e religiosos se reuniram em Brasília no congresso Discutindo
a Morte e a Vida após Ela, organizado pela Legião
da Boa Vontade (LBV). Em pauta, estudos e análises de físicos
e matemáticos de possíveis evidências registradas
a esse respeito, como as visões descritas por pacientes em
estado terminal, de quase morte ou coma.
“Há uma tese que diz que são alucinações
geradas pela falta de oxigênio no cérebro. O problema
é que existem apenas evidências e não provas
desses fenômenos. E eles podem ter explicações
alternativas apesar de se repetirem da mesma forma em vários
lugares do mundo”, diz Waldyr Rodrigues, professor da Unicamp,
matemático e doutor em física pela Universidade de
Torino, na Itália, um dos palestrantes do congresso.
O professor lembra, no entanto, que as verdades científicas
são às vezes efêmeras – o que é
absolutamente certo hoje pode deixar de ser amanhã. “Muitas
teorias são aceitas sem uma rigorosa avaliação
só por virem de profissionais de prestígio. Ouvimos
recentemente a tese de que o universo seria finito e teria a forma
de dodecaedro. A topologia do universo é também uma
coisa que não se pode provar, apenas deduzir. Por isso, erra
quem diz que só acredita no que a ciência pode mostrar”,
afirma ele. A contribuição dos espiritualistas passa
pela busca de formas contundentes para a aceitação
do transcendental, como a gravação de vozes e até
de imagens de espíritos.
Mas, enquanto os religiosos e os cientistas tentam “apalpar”
esse mundo imaterial, outros querem é saber o que é
que se faz por lá. Há cerca de 40 anos, em alguns
consultórios de psicologia o assunto passou a ser considerado
aceitável devido aos relatos de pacientes submetidos à
terapia de vidas ou vivências passadas. No tratamento, eles
são levados, por indução hipnótica ou
relaxamento, a reviver memórias traumáticas de supostas
reencarnações. Um vasto campo de pesquisas foi aberto
pela menção da experiência em vários
corpos e, passada a primeira fase de perplexidade, surgiu o interesse
pelo que chamam de entrevidas – período entre uma encarnação
e outra. Se o ser humano vive várias vidas, o que faz entre
uma e outra? Segundo os pacientes, se prepara para a nova empreitada
na Terra. Muitos são levados a hospitais, outros a centros
de recuperação e estudos. Eles descrevem com riqueza
de detalhes os estados emocionais, conflitos e encontros com familiares
ou seres mais evoluídos. O estágio no além
foi um dos temas abordados no Primeiro Congresso Mundial de Terapia
Regressiva, realizado na Holanda em junho, que reuniu 230 representantes
de associações e institutos de terapia de regressão
de vários países. E sobre essa etapa espiritual também
versa o recém-lançado livro Nascer, morrer, renascer
(Editora Record, 240 páginas, R$ 36), da terapeuta carioca
Célia Resende, 51 anos, que traz relatos de sete pacientes.
Evolução – No congresso europeu,
o tema foi proposto pela psicóloga americana Linda Backman,
56 anos, que trabalha há nove com terapia de vidas passadas
e há dois com o entrevidas. A psicóloga pesquisou
pormenores desse período, pedindo a seus pacientes que observassem,
por exemplo, como se viam. E a novidade apresentada é que
a evolução da alma pode ser aferida por sua cor. “As
mais evoluídas vão do azul ao púrpura”,
afirma. No consultório da terapeuta carioca Célia
Resende, acessar o entrevidas não é uma regra. Alguns
pacientes vão de uma vida para outra sem mencionar esse intervalo.
Mas ela explica que a vida e a morte tanto quanto esse período
fazem parte de uma consciência global. “A vida atual,
as passadas e o entrevidas são apenas etapas de experiências
da consciência, alma ou espírito”, sugere.
Em seu livro, aparece uma visão detalhada do além.
De acordo com o relato de seus pacientes, há locais de natureza
exuberante e prédios com equipamentos médicos e de
comunicação altamente sofisticados. “Eles falam
de avançadas máquinas usadas na cura e regressão
de memória aplicada para ajudar no autoconhecimento que antecede
cada reencarnação”, explica. As cidades espirituais
possuem estações de transição e hospitais
para acolhimento dos que chegam, situadas sobre diversas regiões
do planeta. Há também o que denomina de Centro de
Pesquisas da Consciência, onde o espírito vê
projetados em uma tela os fatos traumáticos de encarnações
anteriores. “Os orientadores também ajudam a visualizar
mentalmente, como fazem os terapeutas de vidas passadas”,
esclarece.
A descrição do entrevidas mostra que também,
e principalmente, as decisões de aperfeiçoar as relações
conflituosas são tomadas nesse período. O estudante
carioca Alexandre Maia Pastore, 24 anos, procurou o atendimento
em 2001 devido a dificuldades nos estudos, mas acabou por desfazer
alguns nós emocionais. Ele não tinha amigos nem namorada
e seu relacionamento com os pais era difícil. Na terapia,
descobriu que em outra vida, por coincidência, foi irmão
adotivo de seu atual pai e teria fugido com a mulher dele, que é
sua mãe na vida atual. “Guardava um grande sentimento
de culpa e não conseguia manter um relacionamento. Agora,
estou namorando e entrei na faculdade de cinema”, comemora.
Ele conta que, após a morte nessa encarnação,
foi recebido pelo irmão traído, que havia morrido
antes dele e já o perdoara. “Ao reviver esse momento,
consegui me perdoar”, lembra. Depois, foi para um hospital.
“Lá havia vários aparelhos estranhos. Fiquei
me recuperando até que me disseram que eu já estava
pronto para voltar”, diz.
Eficácia – Os que passam pela experiência
de assumir outras personalidades ficam fascinados em se descobrirem
como soldados, sacerdotes ou simples escravos e reviverem suas dores,
amores, ódios e fracassos. Mas o que dá credibilidade
à terapia é, segundo seus pacientes, a eficácia.
A maioria resolve entraves psicológicos ou de saúde
que a medicina ou terapia convencional não deram conta de
sanar. Alguns chegam preocupados com o fato de as idéias
reencarnacionistas não fazerem parte de suas crenças
religiosas, mas logo são avisados de que isso não
importa para o sucesso do tratamento. Foi o que comprovou a americana
Nicole Lerch, 45 anos, criada no protestantismo. Ela sofria de uma
tendinite crônica que a impedia de tocar violino. Em 1997,
se mudou para o Rio de Janeiro, entrou na Orquestra Sinfônica
Brasileira e se tornou professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), mas passou um ano sem trabalhar e só se
livrou da tendinite com a terapia. Ela se viu como um lenhador que
teve o braço esquerdo amputado depois de um grave ferimento.
Um encontro no pós-morte contribuiu para que ela apagasse
o registro negativo do trauma. “Depois de um entorpecimento,
encontrei Ivan, um grande amigo daquela vida. Ele me mostrou que
meu braço estava inteiro. Eu tinha sido atingida apenas no
físico e não no espírito”, relembra.
Segundo os terapeutas, mesmo que as imagens, sensações
e sentimentos despertados durante o processo terapêutico não
sejam lembranças reais, e sim formas representativas, elas
cumprem a função de trazer para o consciente problemas
mal resolvidos e traumas jogados para debaixo do tapete da mente.
De qualquer forma, já há um esforço para se
comprovar cientificamente se essas memórias são verídicas
ou não passam de elaboração mental. Há
três anos, o Instituto Nacional de Pesquisa e Terapia Vivencial
Peres, de São Paulo, pesquisa o funcionamento do cérebro
durante a terapia regressiva. Entre os estudos, um feito em parceria
com a Universidade da Pensilvânia monitorou o fluxo sanguíneo
no cérebro e revelou que as estruturas mais solicitadas são
as do lobo médio temporal e as do lobo pré-frontal
esquerdo, que respondem pela memória e pela emoção.
A conclusão é que as histórias contadas durante
a terapia regressiva não são fruto da imaginação,
pois, se assim fosse, o lobo frontal seria acionado e a carga emocional
não seria tão intensa.
Traumas – O instituto de pesquisas paulista
adota um método próprio de regressão, criado
pela psiquiatra Maria Júlia Prieto Peres, a terapia reestruturativa
vivencial. E, segundo ela, o entrevidas é sempre abordado.
“São revistas todas as fases da vida para detectar
traumas que possam ter relação com a queixa do paciente.
Se ele for para uma suposta vida passada, é conduzido a vivenciar
a suposta morte e o suposto período entrevidas”, diz
ela. Maria Júlia explica que também é comum
a menção de momentos dolorosos neste período.
Sentimentos como solidão, abandono, tristeza, ódio
e paixão permanecem intactos no além. Mas há
também a referência a amigos, familiares e desconhecidos
iluminados. “Alguns falam de seres benéficos, outros
de uma luz ou energia boa que os conduz a locais de repouso e recuperação”,
diz a psiquiatra. Também são descritas a visão
do próprio velório e enterro e a permanência
entre os vivos.
Quem viveu essa experiência foi a professora Elizabeth de
Melo Massaranduba, 48 anos, de São Paulo, que procurou a
terapia para curar crises de pânico. Separada, ela tinha que
tomar conta sozinha dos dois filhos. Trabalhava em dois empregos
e não aceitava a situação. Descobriu que a
revolta era um traço reincidente em sua trajetória
espiritual. Em uma de suas vidas, ela era o dono de um palácio
que morreu esfaqueado, mas ficou no prédio atormentando seus
moradores. “Eu não me conformava com a morte e só
saí de lá coagida. Dois homens de branco me carregaram
pelos braços. Eu esperneava, dizendo que era amigo do rei
e que aquilo não ficaria impune. Cheguei a uma construção
arredondada muito diferente. Aí, a imagem se apagou”,
conta. Em outra passagem, dois homens mostraram que suas dificuldades
faziam parte de um planejamento feito por ela mesma. “Muito
sérios, eles me levaram para um lugar amplo e claro. Numa
parede, com oito telas, vi flashes de várias vidas. Antes
de nascer, eu tinha optado por resgatar algumas faltas e estava
renegando isso”, conta ela.
Segundo a psiquiatra paulista Maria Teodora Ribeiro Guimarães,
com pós-graduação em análise transacional
pela Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, que preside a
Sociedade Brasileira de Terapia de Vidas Passadas, em Campinas (SP),
é comum os pacientes se verem programando a próxima
volta à Terra. “Aí a pessoa entende por que
pediu para voltar naquele contexto”, acrescenta. A engenheira
carioca Sandra Tazernari, 53 anos, descobriu que, depois de ter
sido um sacerdote em uma vida, resolveu voltar à Terra em
situação precária para liderar uma tribo nômade
do deserto e fazê-la progredir. “Quando deixei o corpo,
me vi em um lugar muito estranho, como se fosse uma bolha, de material
estranho, transparente. Depois, já adaptada, passei a ajudar
os que chegavam a se recuperar do trauma da transição”,
conta.
Um ponto básico defendido pelos terapeutas é a existência
de uma “sabedoria espiritual” que aparece quando se
está no estado alterado de consciência, provocado pela
terapia. Nesse momento, as pessoas dizem que as muitas vidas são
formas de realizar a evolução espiritual e que o entrevidas
é o momento de reavaliação e de preparo para
a próxima tentativa na Terra. “Nesse período,
os espíritos podem ser tratados, trabalhar, estudar e conhecer
estágios de evolução diferentes. Depois, reencarnam
para testar o aprendizado”, explica a psicóloga Elaine
de Lucca, de São Paulo, autora de Regressão –
a evolução da terapia de vida passada (Editora NovaLuz).
Ao tentar resolver suas dificuldades de manter relacionamentos amorosos,
a supervisora de atendimento Keite Gomes de Toledo, 29 anos, paciente
de Elaine, não só descobriu que em muitas vidas ela
desprezara quem a amava como também se viu estudando para
mudar esse comportamento. Em uma das regressões, ela era
um homem rústico, que morreu ferido na cabeça. “Me
vi saindo do corpo, sentia a cabeça sangrar e doer. Fiquei
num lugar escuro com gente de aspecto negativo até que uma
mulher de roupa branca apareceu. Ela propôs que eu a seguisse,
resisti por um tempo. Quando concordei, fui para um lugar muito
limpo, onde cuidaram de mim. Depois me vi num jardim, lendo um livro”,
conta ela. Keite diz que tem consciência de que precisa ser
mais receptiva. “Estou tentando”, diz ela.
Todas essas informações sobre o entrevidas também
aparecem na pesquisa feita por Joel Whitton, especialista em hipno-regressão
e professor de psiquiatria da Universidade de Toronto, no Canadá,
autor
do livro Vida, transição, vida, editado no Brasil
em 1992. Ele chama a lembrança direta do estágio entrevidas
de metaconsciência. No estudo, 30 pacientes sob hipnose foram
instruídos a datar as encarnações – o
que não é comum no processo terapêutico, quando
o foco são as memórias emocionais –, o que lhe
permitiu até calcular o tempo entre uma encarnação
e outra. O intervalo mais curto mencionado é de dez meses
e o maior, de 800 anos.
É interessante notar que, se a idéia da vida após
a morte faz parte da base de religiões orientais como o budismo
e o hinduísmo, esses detalhes coincidem com os conceitos
defendidos pelo espiritismo kardecista. Vários livros psicografados
pelo médium Chico Xavier, morto no ano passado, mostram situações
e cenários semelhantes. É o que informa a bióloga
mineira Marta Antunes, 57 anos, diretora do Departamento de Estudos
do Espiritismo da Federação Espírita Brasileira,
sediada em Brasília. Ela esclarece que quanto mais evoluído,
mais tempo o espírito fica no entrevidas. “Os que chegam
ao estado maior de evolução só voltam à
Terra se quiserem. Todos são submetidos ao que Alan Kardec,
o codificador do espiritismo, chama de planejamento reencarnatório.
Os menos evoluídos nada escolhem, são tutelados por
orientadores. A escolha depende da evolução do espírito”,
completa.
Teorias como essas soam como total absurdo para muitos. O médico
psiquiatra Carlos Byton, de São Paulo, com pós-graduação
no Instituto Jung, de Zurique, acha que tudo não passa de
fantasia. “É uma projeção. As pessoas
deslocam seus problemas para outras épocas”, reduz.
Também descrente, o psicanalista italiano radicado no Rio,
Giorgio Trotto, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise,
é mais flexível. “As vidas passadas são
reflexo do inconsciente coletivo. Toda a experiência de antepassados
e da humanidade se acumula na mente humana ao longo de sua evolução”,
propõe. O psicanalista e psiquiatra Benilton Bezerra, professor
do Instituto Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e
membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro,
diz compreender as motivações éticas para a
tese da reencarnação, da qual não é
adepto. “Ela responsabiliza o sujeito pelas consequências
de seus atos, como nas religiões orientais”, diz.
Enquanto as provas científicas sobre o além não
aparecem, só resta o caminho da fé aos interessados
em tema tão fascinante. De qualquer forma, os bons resultados
da terapia de vidas passadas não deixam de intrigar os céticos.