Santiago Ramon y Cajal foi o cientista espanhol
que descobriu a estrutura dos neurônios. E, por isso,
ganhou o Prêmio Nobel em 1906. O cérebro de cada
um de nós contém 86 bilhões de
neurônios. É muito: lembre que hoje
só existem 8 bilhões de seres humanos no planeta,
menos de um décimo do número de neurônios
no cérebro de cada um de nós. Ramon y Cajal
descobriu que os neurônios estavam interligados por
longos filamentos, os dendritos e axônios. Cada neurônio
recebe sinais elétricos de dezenas de outros neurônios
através de sinapses presentes nos dendritos e, dependendo
de quanto é estimulado ou inibido por esses sinais,
envia sinais elétricos para outros neurônios
através de seu axônio.
Essa descoberta gerou a analogia que é usada até
hoje para explicar o funcionamento do cérebro: uma
gigantesca rede de interconexões elétricas entre
neurônios, algo parecido com a rede elétrica
ou telefônica que interliga países, cidades,
casas e pontos de luz ou tomadas dentro de cada prédio.
O modelo do cérebro, visto como uma rede de conexões,
foi reforçado quando se descobriu que os axônios
conectam, por exemplo, os olhos às regiões do
cérebro que controlam a visão e também
as regiões do cérebro que controlam os movimentos
dos músculos.
Essa rede que conecta os 86
bilhões de neurônios entre si é chamada
de conectoma e está longe de ser totalmente
conhecida. Um dos objetivos dos neurocientistas é construir
um mapa dessa rede, como construir um mapa de uma rede elétrica
de uma cidade ou um projeto elétrico de uma casa. Por
trás desse objetivo está a crença que,
conhecendo o conectoma, será possível entender
como nosso cérebro funciona, guarda nossas memórias
ou produz nossa consciência.
Outra consequência dessa
teoria é que a forma, ou geometria do cérebro,
não é relevante, o importante é qual
parte está ligada a que parte. É como o circuito
elétrico de uma casa: o que importa é qual interruptor
liga a lâmpada. Se o interruptor está do lado
esquerdo ou direito de uma porta isso não é
relevante para o funcionamento do sistema.
Essa semana foi publicado um estudo que mostra que esta maneira
de imaginar o cérebro pode estar errada ou incompleta.
Isso pode revolucionar nossa maneira de entender o cérebro,
mudando nosso paradigma, de maneira semelhante à ocorrida
quando a teoria da relatividade de Einstein substituiu a visão
newtoniana da Física.
Mesmo sem saber os detalhes do conectoma, os cientistas
conseguem estudar que partes do cérebro estão
ativas ou inativas quando estamos em repouso, executando uma
atividade qualquer, como ver um filme, ler um livro, andar
ou falar. Isso é feito usando uma máquina de
ressonância semelhante às que existem nos hospitais.
Essas máquinas conseguem produzir filmes que mostram
que parte do cérebro está ativa, ligada ou desligada
quando o cérebro executa tarefas como as descritas
acima.

Automodos geométricos comparados
com automodos baseados em conectomas
Essa variação
na atividade de cada região do cérebro corresponde
a maior ou menor atividade dos neurônios presentes nessas
regiões e se espalham pelo cérebro como se fossem
ondas de atividade. A teoria clássica é que
este espalhamento da atividade depende unicamente da estrutura
do conectoma. Mas será que pode existir outra explicação
para esse fenômeno?
Em muitos sistemas, as propriedades
observadas dependem da forma do objeto, algo que a teoria
do conectoma não leva em conta. Alguns exemplos
são a produção do som por um tambor,
a transmissão de luz em uma fibra óptica ou
o movimento de correntes elétricas em diversos materiais.
Em todos esses casos existe um modelo matemático, que
só depende da forma (ou da geometria) do objeto, de
sua composição e organização,
que explica esse comportamento.
O que um grupo de cientistas
australianos fez foi tentar usar esses modelos físico/matemáticos
(chamados de eigenmodes) para explicar a ativação
e o espalhamento da atividade dos neurônios quando o
cérebro executa diferentes atividades. O sistema usado
é complicado, mas basta entender que os cientistas
utilizaram 10 mil desses filmes de atividade cerebral, obtidos
em experimentos com pacientes, e tentaram modelar o que acontecia
no cérebro usando o modelo de conectoma e o modelo
dos eigenmodes. Para surpresa dos cientistas, os modelos usando
os métodos de eigenmodes se mostraram capazes de simular
o que ocorre no cérebro. E mais, quando comparados
com modelos baseados nos conectomas, se mostraram capazes
de explicar melhor o que é medido de fato no cérebro
dos voluntários.
Esses resultados indicam que
talvez a maneira como o cérebro funciona seja diferente
do que imaginávamos até agora. Se isso se confirmar
é provável que, para compreender seu funcionamento,
teremos que construir modelos (talvez mais simples, talvez
mais complicados) do que os imaginados pelas teorias tradicionais
do conectoma.
Ainda é cedo para entender
como essa descoberta vai impactar as pesquisas sobre o cérebro,
mas muitas vezes na história da ciência uma mudança
de paradigma pode levar os cientistas a progredir rapidamente.
Isso ocorre pois o progresso estava bloqueado por um paradigma
incorreto ou incompleto. Foi isso que ocorreu na astronomia
quando a ideia que a Terra era o centro do universo foi substituída
pela ideia que os planetas, a Terra inclusive, giram ao redor
do Sol. Vamos ter de esperar, mas seguramente essa descoberta
vai gerar muita discussão.
Mais informações:
Geometric constraints on human brain function. Nature