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> Medidas coercitivas são insuficientes para combater
intolerância religiosa, diz jurista
Hédio Silva Jr., advogado das religiões afro-brasileiras
no STF, participou de debate ao lado do sociólogo Reginaldo Prandi
15/04/2023
Medidas coercitivas são insuficientes para
combater intolerância religiosa, diz jurista
Hédio Silva Jr., advogado das religiões afro-brasileiras
no STF, participou de debate ao lado do sociólogo Reginaldo
Prandi
Reportagem do / UOL
por Gabriel Araújo
Superar a intolerância em relação às
religiões de matrizes africanas no Brasil implica ingressar
em um sistema de valores, segundo o professor Hédio Silva
Jr., advogado das religiões afro-brasileiras no STF. "E
não se ingressa num sistema de valores com medidas coercitivas",
ele ressalta.
De acordo com o professor, que é coordenador do Instituto
de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro)
e ex-secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do
Estado de São Paulo, alcançar esse novo patamar compreende
mobilizar instrumentos de intervenção estatal, da
indústria cultural, da educação escolar e das
redes sociais. Assim, ele diz, é possível preparar
"o indivíduo para dissociar diferença de inferioridade".
A fala resume uma das principais contribuições da
12ª edição do ciclo Perguntas
sobre o Brasil, que discutiu a questão "Como
as religiões de matriz africana têm conseguido superar
a intolerância?"
"Sendo religiões que contam muito com a presença
sacerdotal da mulher, é como se essas coisas [gestos de intolerância]
se potencializassem", afirmou Prandi, autor de livros como
"Mitologia dos Orixás" (2001) e "Os Candomblés
de São Paulo: a Velha Magia na Metrópole Nova"
(1991).
O sociólogo lembrou como a intolerância religiosa
no Brasil ganhou um novo capítulo no final da década
de 1980, época da redação da Constituição.
Em meio ao marco dos cem anos de abolição da escravidão,
o país assistia ao estabelecimento da liberdade religiosa
no país, garantida no artigo quinto do texto constitucional
de 1988. Por outro lado, disse Prandi, havia o ingresso de representantes
do neopentecostalismo na vida partidária brasileira.
"No curso dos anos 1990, muitas dessas religiões, que
passaram por um profundo processo de modificação teológica,
mudaram também a identificação da fonte do
mal", afirmou o sociólogo.
"Se antes todo o mal provinha da figura desgastada e já
quase desmerecida do velho diabo, agora ele foi colocado no colo
das divindades afro-brasileiras cultuadas nos terreiros."
Por isso é tão difícil, segundo ele, superar
essa intolerância. "Esse preconceito não é
difuso. É institucionalizado, mantido, fermentado, construído
e divulgado em muitas das diferentes denominações
protestantes novas", ele disse, reforçando a capilaridade
política que o grupo alcançou nos últimos anos.
Ataques a terreiros e a demais instituições que abrigam
religiões de matrizes africanas são frequentes no
país. Apenas em 2021, o então Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu 586 denúncias
de intolerância religiosa pelo Disque 100 – Rio de Janeiro
e São Paulo lideram no número de denúncias
feitas.
"É papel do Estado assegurar que toda essa diversidade
religiosa possa se expressar no espaço privado e, especialmente,
no espaço público, em ambientes de convivência
harmoniosa e de coexistência", diz o advogado.
A conversa entre Hédio Silva Jr., Reginaldo Prandi e Maíra
da Rosa foi transmitida nos canais do Sesc São Paulo, do
Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube, e continua disponível
na íntegra nos canais. Assista abaixo.
O ciclo de diálogos Perguntas
sobre o Brasil se inspira na lista elaborada pelo projeto
200 anos, 200 livros para discutir temas relevantes da contemporaneidade.
Lançada em maio do ano passado, a iniciativa reuniu duas
centenas de obras importantes para entender o país a partir
da indicação de 169 intelectuais da língua
portuguesa.