Reportagem da Folha de SP
por Juliano Spyer
> Antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo
de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório
Evangélico
Evangélicos universitários são vítimas
de assédio moral?
Disputa entre universidades públicas e igrejas é mau
exemplo e produz vítimas
"Para os meus colegas e professores,
não há a possibilidade de alguém ser crente
e de esquerda. Ou você é bolsonarista ou é crente
falsa!"
Esse foi o desabafo de uma interlocutora ao ler a minha última
coluna sobre a dificuldade de a esquerda dialogar com mulheres evangélicas.
Essa interlocutora é uma jovem negra, primeira de sua família
a entrar na universidade e concluiu recentemente a graduação
na Unicamp, no campo das ciências humanas. Para escrever sobre
casos como esse, não mencionarei os nomes e o curso de cada
interlocutor para não expô-los.
A jovem explica sua posição: "Quando eu falo
para as pessoas na universidade que eu sou crente, elas esperam,
principalmente os professores, que eu abandone o meu estado de ‘barbárie’
para me ‘civilizar’ saindo da religião. E, como
eu não larguei a fé, deixei de ser bem-vinda ali.
Não é uma atitude explícita, mas a gente percebe…".
Como ela frequenta uma igreja neopentecostal, associada a pastores
aproveitadores e ao desejo de prosperidade, não se sente
respeitada nem na universidade nem por outros crentes. "Para
nenhum deles existe a possibilidade de coexistência nesses
espaços," diz. Mas ela admite que encontrou mais possibilidades
para se posicionar na universidade. "Na minha igreja é
impossível", afirma.
Quando, em 2018, meu segundo interlocutor, ex-estudante da USP,
postou que jamais votaria em Bolsonaro, um amigo de sua igreja respondeu:
"Foi infectado pela faculdade, amigo?".
E, na universidade, a "zoeira" comum entre estudantes
às vezes cruzava a linha da intolerância religiosa.
"Quando contei a um colega que acreditava no nascimento virginal
de Jesus, ele respondeu que, na verdade, isso é uma historinha
para esconder um suposto adultério de Maria."
"Confesso," ele diz, "que a postura dos irmãos
da igreja sempre doeu mais. Eu via as chacotas na universidade como
ignorância, mas esperava que o vínculo com um irmão
em Cristo fosse algo maior do que crenças na política
e que eu nunca seria tirado do convívio, da comunhão".
Meu terceiro interlocutor, formado pela Unila, também atravessou
a graduação rejeitado e criticado pelos dois lados.
"Fui me sentindo deslocado na igreja e na universidade. Uns
e outros invalidavam a minha fé. Parece que passei a graduação
jogando Twister, um pé na igreja, uma mão na universidade
e o corpo todo torcido."
A disputa entre universidades públicas e igrejas, além
de mau exemplo à sociedade, parece estar produzindo vítimas.
Os dois lados se apresentam como acolhedores dos vulneráveis
e das diferenças.
Mas há um modo de chamar essas práticas, que vitimam
jovens que vivem entre esses dois mundos, com outro termo que não
assédio moral?