Reportagem do Portal UOL sobre lançamento
de versão de "O Evangelho Segundo o Espiritismo"
em edição antirrascista

"O evangelho segundo o espiritismo - Edição
antirracista"
"Imagem: Divulgação Chico Alves
por Chico Alves / UOL
O combate ao racismo no Brasil ganhou reforço
em um novo segmento: o espiritismo. O grupo progressista Espíritas
à Esquerda está lançando os livros da
maior referência dessa linha religiosa, Allan Kardec, em edições
que discutem e corrigem conceitos racistas que eram usados no século
19, quando o autor escreveu suas obras.
O primeiro livro foi "O evangelho segundo o espiritismo - Edição
antirracista", lançado em 20 de novembro do ano passado,
Dia da Consciência Negra. No próximo mês será
publicado "O livro dos espíritos - Edição
antirracista". São ebooks que podem ser baixados gratuitamente.
A discussão sobre essa atualização começou
há 17 anos, quando o Ministério Público Federal
da Bahia recebeu uma reclamação contra as ideias consideradas
racistas na obra de Kardec. O MP costurou um termo de Ajustamento
de Conduta (TAC) com entidades como a Federação Espírita
Brasileira, a Federação Espírita do Estado
de São Paulo e seis editoras para incluir notas explicativas
sobre o assunto.
"São pequenas anotações no pé de
página apontando para o final do livro, muita gente nem nota
que existam essas notas, ninguém lê", explica
Mariela Bier, graduada em Letras, que participou da atual edição
antirracista e fez o prefácio do livro. "Agora as observações
estão no meio do texto, em um quadro com proposta de interpretação,
não há como não ver".
Até sexta-feira (3), foram registrados 1.814 downloads da
edição antirracista de "O evangelho segundo o
espiritismo".
Segundo Mariela, as notas explicativas negociadas anteriormente
pelo MP já eram problemáticas, por evocar algumas
noções de pseudociência da época do mentor
do espiritismo, que já estão superadas. "O próprio
Kardec dizia que se a ciência avançasse o espiritismo
deveria avançar com a ciência", diz ela.
Por exemplo, Kardec faz comparações em que defende
que há raças mais avançadas que outras. No
texto "Perfectibilidade da raça negra", escreve
o seguinte:
"Os negros, pois, como organização
física, serão sempre os mesmos, como espíritos,
sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer,
primitiva; são verdadeiras crianças às quais
pode-se ensinar muita coisa; mas por cuidados inteligentes, pode-se
sempre modificar certos hábitos, certas tendências,
e já é um progresso que levarão numa outra
existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar
um envoltório em melhores condições.".
O autor era adepto da Frenologia, uma prática
pseudocientífica que analisava o caráter e a capacidade
mental das pessoas através do formato do crânio.
Kardec era o pseudônimo do educador francês Hippolyte
Léon Denizard Rivail, que também atuava como tradutor.
Ele sistematizou as pesquisas sobre fenômenos paranormais
e a mediunidade, e tornou-se assim a referência da religião.
O espiritismo é baseado na evolução do espírito
através da reencarnação, na existência
de vida em outros mundos e na prática mediúnica como
forma de comunicação entre os vivos e os mortos.
"A doutrina espírita é progressista na essência,
mas há uma ala que pensa que essas obras são intocáveis.
Não vamos adulterar, mas fazer a discussão mostrando
que esses textos têm problemas e nós precisamos, sim,
avançar sobre eles", explica Mariela.
Algumas pessoas mais tradicionalistas reclamam da interferência
nos textos de Kardec. "Pretendemos mexer com o conservadorismo",
assume ela. "Não estamos alterando o que ele diz, mas
a forma como diz".