
O cérebro que nos faz comer
demais e engordar é o mesmo que nasce programado para odiar
quem entendemos como diferente. Cinco mil anos de civilização
não surtiram nenhum efeito sobre nossas mentalidades pré-históricas:
ainda nos comportamos como se vivêssemos em grupos de caçadores-coletores
com no máximo 150 integrantes, e não em uma sociedade
global com bilhões de pessoas.
Esta é a primeira conclusão da minissérie
documental “Por que Odiamos?”, que estreia no canal
Discovery no próximo sábado (19), às 21h10.
O projeto nasceu de uma ideia de Steven Spielberg. Desde que
dirigiu “A Lista de Schindler” (1993), o cineasta
queria conhecer as razões que fazem com que vizinhos cordiais
se tornem, de uma hora para a outra, inimigos mortais.
Cinco anos atrás, Spielberg resolveu transformar esta
ideia em realidade. Convocou o documentarista Alex Gibney, que
já venceu um Oscar por “Um Táxi para a Escuridão”
(2007), para dividir com ele a produção executiva
da série. Juntos, eles convidaram Geeta Gandbihr e Samuel
Pollard —que, entre muitos outros prêmios, acumulam
alguns Emmys nas categorias documentais— para assinarem
a direção.
Isto foi antes do plebiscito do brexit, da eleição
de Donald Trump e da onda populista de direita que levou à
ascensão de líderes como Rodrigo Duterte nas Filipinas,
Viktor Orbán na Hungria e Jair Bolsonaro no Brasil. Todos
esses fenômenos políticos têm um componente
de intolerância em seus DNAs. Ou seja: por mais que analise
fatos históricos como o Holocausto ou o genocídio
em Ruanda, “Por que Odiamos?” está na ordem
do dia.
Cada um dos seis episódios da série é conduzido
por um especialista no tema abordado. Este repórter assistiu
ao primeiro, que teve uma pré-estreia de gala no Museu
da Tolerância, em Los Angeles, com a presença dos
diretores e produtores. No capítulo exibido, o antropólogo
Brian Hare explora as origens
biológicas do ódio.
Um dos aspectos mais interessantes é a comparação
do ser humano com seus parentes mais próximos na natureza:
os chimpanzés, que costumam colaborar com membros de seus
próprios grupos, mas são extremamente agressivos
com indivíduos “estrangeiros”; e os bonobos,
uma espécie de macaco muito semelhante, mas de índole
totalmente pacífica.
No segundo episódio, a cientista Laurie Santos explica
o tribalismo e as muitas maneiras como gostamos de nos dividir.
No terceiro, o jornalista Jelani Cobb investiga as táticas
e ferramentas de manipulação que espalham o medo
e a desinformação.
A ativista britânica Sasha Havlicek, uma especialista em
extremismos, conduz o quarto episódio. “Apesar da
nossa propensão biológica, o ódio organizado
não é um fenômeno orgânico”, disse
ela à Folha. “Há sempre alguém por
trás, investindo muito tempo e dinheiro”.
O pai de Sasha é croata e ela passava férias na
antiga Iugoslávia. “Eu vi, com meus próprios
olhos, como uma comunidade integrada se dissolveu num banho de
sangue, em apenas 18 meses”. Testemunhar esta guerra civil
fez com que, em 2006, Havlicek fundasse o Instituto pelo Diálogo
Estratégico, baseado em Londres.
O quinto episódio é o mais contundente: o assunto
é a destruição em massa, que acontece quando
o ódio escapa a qualquer controle. A condução
cabe à advogada Patricia Sellers, uma expert em direitos
humanos. Por fim, a esperança ressurge no sexto e último
capítulo, com o neurocientista Emile Bruneau lembrando
que também somos programados para a cooperação
e a paz.
“Com quantos mais grupos você se identificar, menor
a chance de se levar pelo discurso do ódio”, diz
a diretora Geeta Gandbihr. “Mas isto é cada vez mais
difícil nesses tempos de redes sociais. Elas têm
que responder pelo mal que causam, pois só estão
interessadas em dinheiro. E a imprensa livre precisa ser fortalecida:
ela é a pedra fundamental da democracia”.
Por que Odiamos?
Quando Estreia em 19/10, às 21h10, no
canal Discovery
