Fé não cura depressão
Andar com fé é bom, mas, no caso da depressão,
a fé só não falha se vier acompanhada de
tarja preta
Por Mariliz Pereira Jorge
Falar sobre depressão de forma sincera é uma atitude
admirável, ainda mais quando parte de pessoas que ajudam
a dar visibilidade e diminuir o preconceito em relação
a uma doença que atinge milhões. De um tempo para
cá, vemos cada vez mais artistas, políticos, jornalistas
se despirem publicamente e admitirem suas fragilidades psicológicas.
Eu mesma já escrevi nesta Folha, em 2015, sobre como uma
crise
de pânico me jogou no fundo de um buraco de onde só
saí quase dois anos depois.
Quarta (05/06/2019), o cantor Lucas Lucco, em entrevista ao jornal,
contou que pensou em parar várias vezes, resolveu descansar,
diminuir o ritmo de trabalho e “só com fé
conseguiu ficar bem”. Entendo que a depressão e doenças
correlatas, como o pânico, são tratadas de forma
individual porque afetam as pessoas de maneira única. Mas
acho preocupante que a receita de Lucco se resuma a descanso e
fé, sem deixar claro se teve acompanhamento médico
e se usou remédios para controlar o seu quadro.
É o tipo de declaração que apenas reforça
o preconceito e ajuda a enquadrar a depressão como uma
doença menor, que pode ser resolvida com uma noite de sono,
um banho de mar, acendendo uma vela. Interromper ou desacelerar
a vida profissional nem sempre são alternativas para muitas
pessoas, que temem perder seus empregos ao revelar que sofrem
de distúrbios psicológicos. É o tipo de coisa
que nem sempre garante qualquer tipo de melhora.
Em muitos casos pode mascarar a gravidade da situação
porque o doente se ilude com a falsa promessa de melhora, que
não vem assim tão facilmente. E fica com vergonha
de admitir para ele e para os outros que não. Você
pode dormir muitas horas seguidas, um fim de semana inteiro, fazer
caminhadas, tomar banhos de rio, pegar um pouco de sol para melhorar
a vitamina D, assistir a uma comédia, jantar com as melhores
companhias, estar rodeado pelas pessoas que mais gosta, ter todo
o tempo do mundo para fazer apenas o que dá prazer.
Mudança de estilo de vida ajuda, claro, mas o que cura
depressão, ou pelo menos controla essa praga que nos deixa
com a alma doente, é acompanhamento psicológico
e, muitas vezes, remédio controlado. Não dá
para romantizar uma doença que muitas vezes mata. Por isso,
me preocupa bastante quando vejo alguém dizer que foi curado
pela fé.
Ser positivo, acreditar, tentar olhar a vida com mais otimismo,
ter fé, seja em si mesmo, em Buda, em Deus, no universo,
tem muito valor. Nos conforta pensar que há alguma força,
divina ou não, que conspira para que a gente recupere nossa
sanidade mental, mas é importante que doentes, familiares,
amigos, colegas de trabalho e a sociedade em geral entendam que
nem reza brava tira um depressivo de dentro do buraco, sem a ajuda
da medicina.
Costumo dizer que uma vez depressivo sempre depressivo, por mais
controlada que a doença esteja. Eu me sinto como um ex-alcoólatra.
Estou ótima, mas não posso me descuidar. Sei que
tristezas, decepções e frustrações
fazem parte da vida e que depende de mim a forma como lido e encaro
tudo. Mas durante um tempo os remédios foram essenciais.
Me ajudaram a sair da cama durante várias semanas de tratamento.
Foram a mãozinha que precisava para encontrar equilíbrio
para buscar as minhas próprias forças e andar novamente
sozinha. Espero não precisar mais deles, mas fico aliviada
de saber que eles existem. Andar com fé é bom, mas,
nesse caso, a fé só não falha se vier acompanhada
de tarja preta.
Mariliz Pereira Jorge
Jornalista e roteirista de TV
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* Comentários - extras:
Comentamos este texto por email com o amigo psicólogo
Jader Sampaio (em 08/06/2019), que
comentou informalmente sobre a questão:
Embora tenha formado em psicologia, muito cedo ingressei
no ensino e na pesquisa na área de organizações
e trabalho, o que não me dá a experiência
necessária para falar de assuntos clínicos.
Quando se fala de depressão, há diversos diagnósticos
se usarmos, por exemplo, dsm5, código da associação
psiquiátrica norte-americana.
O leigo e o espírita confundem muito facilmente depressão
com tristeza. Essa segunda é mais ou menos pontual, em
matéria de tempo e geralmente reativa, acontece devido
a um acontecimento.
A depressão é um transtorno continuado, e pode ocorrer
sem eventos externos. Os neurotransmissores podem ter um papel
no tratamento da depressão e talvez em sua causa.
Concordo com a autora que psicoterapia e psiquiatria podem ser
necessárias no tratamento da depressão. E também
concordo que a depressão pode matar (suicídio)
Contudo, não devemos esquecer dos recursos espíritas,
que entram como tratamento complementar. Passes, oração,
frequência em atividades do grupo, inclusive as assistenciais
e sociais, pelo menos retiram momentaneamente o doente que consiga
sair de casa, dos padrões de pensamento do transtorno mental.
Um ambiente sem drogas ilícitas, sem alcoólicos
e sem grandes pressões, marcado pelo afeto e respeito nas
relações, não faz parte do problema, auxilia
na solução.
Um abraço
Jáder