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>  Lévi-Strauss - retrospectiva pelo centenário do antropólogo do Estruturalismo


28/11/2008

 

Amparado em uma erudição monumental, Lévi-Strauss inseriu o pensamento ameríndio no horizonte da filosofia do Ocidente, diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro

 

Despatin e Gobeli/Reprodução

Lévi-Strauss em sua residência, em Paris, em 1993

 

CAIO LIUDVIK
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

 

Um dos principais antropólogos brasileiros, Eduardo Viveiros de Castro se notabilizou também pela retomada criativa, em livros como "A Inconstância da Alma Selvagem" (ed. Cosac Naify), dos métodos e do projeto teórico de Claude Lévi-Strauss.

E tal dívida intelectual fica patente pelo entusiasmo com que, na entrevista a seguir, saúda o centenário do pai da antropologia estrutural.

Professor no Museu Nacional (RJ), Viveiros de Castro também comenta o percurso de Lévi-Strauss, sua recepção pela antropologia brasileira e sua atualidade como paradigma científico e forma de compreensão crítica dos impasses do mundo global.

FOLHA - Como sintetizaria a importância de Lévi-Strauss para a antropologia e o pensamento ocidentais?
EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO - Lévi-Strauss reinventou a antropologia, ao desmontar os fundamentos metafísicos do colonialismo ocidental, e ao mesmo tempo revolucionou a filosofia, ao abrir um dos principais caminhos do século [20] para que outros pudessem desmontar os fundamentos colonialistas da metafísica ocidental.

FOLHA - Quais de suas obras o sr. destacaria? Por quê?
VIVEIROS DE CASTRO - Todas. "As Estruturas Elementares do Parentesco" (1949) é um dos grandes clássicos do pensamento sociológico, um livro de mesma estatura que "Economia e Sociedade", de Max Weber, ou que "As Formas Elementares da Vida Religiosa", de Durkheim.

"Tristes Trópicos" (1955) suscitou uma modificação dramática na sensibilidade européia em relação ao lugar da civilização ocidental na história humana.

"O Pensamento Selvagem" (1962) colocou os mundos intelectuais que estavam fora da órbita das chamadas "grandes tradições" (as culturas estatais, antigas ou modernas) ao alcance do horizonte filosófico euro-americano.

Isso tudo dito, penso, porém, que os estudos mais tardios sobre as mitologias ameríndias, a saber, a tetralogia "Mitológicas" (1964-71) e as três monografias posteriores ("A Via das Máscaras", 1979, "A Oleira Ciumenta", 1985, e "História de Lince", 1991) são o ponto alto da trajetória intelectual de Lévi-Strauss.

Com esses livros, Lévi-Strauss tirou o pensamento ameríndio do gueto em que jazia desde o século 16 e lhe deu carta de cidadania para ingressar com a cabeça erguida no futuro intelectual da espécie. A partir das "Mitológicas", a obra de Lévi-Strauss se torna o momento em que o pensamento ameríndio faz seu lance de dados, ultrapassando seu próprio "contexto" cultural e se mostrando capaz de dar a pensar a outrem, isto é, a todo aquele que, persa ou francês, se disponha a pensar -sem mais.

Meu livro favorito de Lévi-Strauss são dois: "As Origens dos Modos à Mesa", o terceiro volume das "Mitológicas", maravilhosamente bem pensado, e "História de Lince", livro curto e grandioso, sombrio e genial, onde se acha exposta a teoria indígena da "descoberta" da América pelos europeus.

FOLHA - Em que circunstâncias o sr. entrou em contato pela primeira vez com a obra lévi-straussiana? Que impacto esse "encontro" teve para o seu próprio modo de conceber e praticar a antropologia? Poderia exemplificar com alguma de suas obras?
VIVEIROS DE CASTRO - Os dois primeiros livros de antropologia que li foram "As Estruturas Elementares" e "O Cru e o Cozido", em 1970-71, em cursos que [o crítico] Luiz Costa Lima dava na PUC-RJ na época.

Note-se que, se foram os patronos da USP que trouxeram Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 1930, não foi a USP quem trouxe o estruturalismo para essas plagas, a partir do final dos anos 1960. A antropologia estrutural custou um bocado a pegar no ambiente paulistano, por razões muito características, que não cabe adentrar aqui. A exceção que confirma a regra, para o caso de São Paulo, foi o grande Bento Prado Jr., que sempre esteve um passo ou dois à frente de seus congêneres.

A experiência de leitura de "O Cru e o Cozido" (volume 1 das "Mitológicas"), em particular, foi decisiva para mim. Mergulhado como me achava, aos vinte e bem poucos anos, na efervescência cultural da época, a época da tropicália e da antropofagia (uma teoria política da bricolagem cultural), dos experimentos radicais da arte conceitual brasileira, da ascese barroca da poesia concreta, da querela do formalismo versus conteudismo em arte, do nacional-popular, das raízes, e tendo tomado fervorosamente o partido tropical-concreto, a leitura daquela série de mitos picarescos analisados por Lévi-Strauss, pornográficos às vezes, surrealistas sempre, tropicalistas literalmente, mitos tratados de modo impavidamente algébrico em "O Cru e o Cozido", me ofereceu à imaginação esse objeto perfeito: uma matemática rabelaisiana.

Lévi-Strauss é a síntese, muito gálica, de Rabelais e Descartes.

FOLHA - Hoje é possível considerar a antropologia estrutural, em algum sentido, ultrapassada?
VIVEIROS DE CASTRO - Essa questão faria mais sentido se aplicada à coleção de verão de 2007 de algum costureiro ou a alguma droga ou ritmo da moda nas discotecas (ainda se chamam assim?) de Londres, Mikonos ou Recife.

Mas, se é para a respondermos: bem, sim, a antropologia estrutural está, em alguns sentidos, ultrapassada, como a filosofia de Kant está em alguns sentidos ultrapassada, ou a poesia de Dante.

Mas, como sabemos, isso não impede que ninguém se possa chamar filósofo se não leu e meditou profundamente sobre Kant, nem poeta se não leu nem se maravilhou com Dante.

Em outros sentidos, a antropologia estrutural nem sequer começou a ser explorada em toda a sua complexidade. O estruturalismo está muito longe de ter tido todas as suas potencialidades analíticas esgotadas, e a fase das leituras brutalmente simplificadoras da obra lévi-straussiana - simplificação dialeticamente necessária, sem dúvida, para o prodigioso florescimento de novos temas e problemas na antropologia dos últimos 30 anos (e para a ressurreição de alguns temas bem velhos; já ia dizer, ultrapassados) - aproxima-se de seu fim.

Após a recauchutagem do evolucionismo pela psicoantropologia cognitiva, essa ciência perpetuamente promissora; após a ressurgência do difusionismo com a sociologia crítica da "invenção da tradição"; depois da volta do funcionalismo (mas ele alguma vez foi mesmo embora?) com a economia política da globalização; bem, talvez tenha chegado a hora de desesquecer e recomplicar - como dizia Leach, de "repensar" - o estruturalismo.

FOLHA - Em "As Idéias de Lévi-Strauss" (ed. Cultrix), Edmund Leach mostra que a antropologia anglo-americana é herdeira de Malinowski na ênfase em aspectos como observação participante, menos generalizações e foco nas diferenças - mais do que nas semelhanças - entre as culturas. E por isso tais antropólogos tenderiam a criticar o viés de Lévi-Strauss, que seria mais comparável ao de Frazer: erudição monumental, mas pouco trabalho de campo e uma vontade de elucidar os traços universais da "mente humana", negligenciando as particularidades culturais. Como vê tais críticas?
VIVEIROS DE CASTRO - Leach era um piadista, um caso curioso de enfant terrible vitalício da antropologia britânica. Pois suas críticas a Lévi-Strauss devem ser lidas tendo-se em mente que Leach foi justamente o principal difusor do estruturalismo nas terras malinowskianas da antropologia britânica.

(A antropologia norte-americana tem pouco a ver com Malinowski: não misturemos as estações).

Foi aliás graças ao ensino de Leach que, hoje, se pode dizer que o verdadeiro espirito do estruturalismo está mais vivo na antropologia britânica, graças à liderança intelectual de uma ex-estudante de Leach em Cambridge, a antropóloga Marilyn Strathern (o maior nome surgido na disciplina desde Lévi-Strauss), do que na França, onde o pensamento lévi-straussiano foi submetido, por alguns antropólogos eminentes no plano local, a uma empresa sistemática de sabotagem intelectual. Quanto a isso de erudição monumental (não consigo imaginar essa expressão como significando uma crítica) versus particularidades culturais -tal coisa não existe.

A distinção entre antropologias francesa e britânica não se reduz a - nem sequer passa por - um contraste entre generalizações e busca de semelhanças versus estudos monográficos particularizantes.

Aliás, nada mais particularizante e minuciosamente etnográfico que a etnologia francesa de hoje. E Lévi-Strauss nunca se interessou pelas semelhanças, mas pelas diferenças. Ou melhor, pelos sistemas formados pelas diferenças entre as diversas culturas particulares. A oposição entre universal e particular é uma roubada epistemológica. Isso não existe.

FOLHA - Outro grande nome da antropologia contemporânea, Clifford Geertz, teceu críticas duras a "Tristes Trópicos", dizendo tratar-se de um livro a ser lido sobretudo como ficção, literatura, mais do que como etnologia. O sr. concorda? Como o sr. avalia essa obra de Lévi-Strauss?
VIVEIROS DE CASTRO - As críticas de Geertz (aliás, já morto há algum tempo) não são tão recentes assim. As primeiras delas datam do começo dos anos 1970, se não me falha a memória. De qualquer modo, elas são irrelevantes.

Geertz se distinguiu por criticar logo os dois estilistas máximos, no sentido literário tanto como conceitual, que a antropologia jamais conheceu: o britânico Evans-Pritchard e o francês Lévi-Strauss. Parece coisa de inveja da excelência alheia. "Tristes Trópicos" não é um livro de ficção. É um livro que redefiniu as fronteiras e as funções intelectuais da ficção e da etnologia. Eu troco a obra inteira de Geertz - que não é nada má, diga-se de passagem - por um único capítulo de "Tristes Trópicos".

FOLHA - Em que medida as fortes denúncias de Lévi-Strauss contra o etnocentrismo do Ocidente ajudam hoje a pensar os rumos da civilização globalizada?
VIVEIROS DE CASTRO - As denúncias de Lévi-Strauss simplesmente anteciparam o que hoje está cada vez mais evidente: que a espécie entrou em um apertadíssimo beco sem saída.

E que, se alguma esperança há, esta reside em nossa capacidade de prestar a mais humilde, séria e solícita das atenções à tradição intelectual dos povos que não tiveram a pretensão inacreditavelmente estúpida e arrogante de se colocar como maiores do que o mundo em que vivem.


MITO FORTE

Para Manuela Carneiro da Cunha, antropólogo está tendo a glória de ser redescoberto em vida, após ter sido considerado superado em alguns círculos

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No longo prazo, todo pensador célebre pode estar certo de duas coisas: de morrer e de ser considerado superado. Tem sorte quando a primeira ocorre antes da segunda".

A boutade é do antropólogo americano Marshall Sahlins. Mas Lévi-Strauss faz no dia 28 cem anos, tempo suficiente para um terceiro momento: o de ser tido por superado em alguns círculos, mas de ser redescoberto ainda em vida.
Pois sua importância renasce quase meio século após seu apogeu inicial, os anos de ouro do estruturalismo.

O Brasil e os EUA tiveram ambos importância decisiva em sua vida e sua obra. Sem o programa Rockefeller de resgate de intelectuais ameaçados na Europa, é muito plausível que Lévi-Strauss não tivesse sobrevivido à Segunda Guerra Mundial. O Brasil, com efeito, negou-lhe um visto em 1940.

Sem a Biblioteca Pública de Nova York, sem a Escola Livre de Altos Estudos, sem a amizade do lingüista Roman Jakobson e dos surrealistas em Nova York, a obra dele teria sido muito diferente.
Mas, sem os anos brasileiros, sem as expedições aos bororos, aos cadiuéus, aos nambiquaras, também não teríamos o Lévi-Strauss que tivemos.

Não só, como veremos, porque foram suas primeiras publicações sobre os índios brasileiros que o fizeram notar nos EUA e ensejaram que ele estivesse no rol dos intelectuais a serem "salvos" -e não só porque são eles que protagonizam "Tristes Trópicos", escrito quando Lévi-Strauss se julgava definitivamente excluído do sistema universitário francês.

Por isso "Tristes Trópicos" não é um livro acadêmico, é um livro de viagem filosófica e sensorial que se abre com a célebre declaração: "Odeio as viagens".

É um livro cheio de idéias, de análises e de sugestões, maravilhosamente bem escrito, que contribuiu para a eleição do autor, anos mais tarde, à Academia Francesa. E, finalmente, é um livro em que Lévi-Strauss se abre, pelo menos um pouco.

Para alguém que foi acusado de ser "cerebral", em "Tristes Trópicos" ele mostra uma sensibilidade extraordinária às paisagens.

Posso atestar que, quando em 1985 eu o acompanhei, a seu pedido, numa viagem-relâmpago aos bororos -que, por motivos diversos, nunca chegamos a ver-, ele não se frustrou. Ficou feliz em rever um ninho de joão-de-barro e as nuvens do céu de Mato Grosso.

Dissemos que EUA e Brasil, ambos, foram essenciais na vida e na obra de Lévi-Strauss. Mas qual foi, reciprocamente, a importância de Lévi-Strauss nesses dois países?

Nos EUA, com poucas exceções, não se entendeu e não se procura mais entender Lévi-Strauss. E Lévi-Strauss no Brasil? É sabido que, no Brasil, o jovem Lévi-Strauss não foi imediatamente reconhecido, até porque ainda não tinha escrito nada ou quase nada.

Sua influência repercutiu fortemente aqui nos anos 1960 e 1970, sobretudo com os estudos das sociedades gês no Brasil Central, que foram concebidos sob o impacto dos seus artigos sobre o dualismo, mas também desenhados para tentar refutá-los.

Na Universidade de São Paulo, Ruth Cardoso se interessava especialmente por Lévi-Strauss; eu mesma, em 1973, procurei mostrar o lugar da estrutura mítica no agenciamento da história, em um ensaio sobre a lógica do mito e a lógica da ação.

Hoje, em alguns centros de antropologia no Brasil, o pensamento de Lévi-Strauss continua vivo e atual, no sentido de que continua a gerar questões e abordagens que, combinadas a outras influências e fermentadas pela etnografia, inspiram-se em uma leitura sutil tanto do que ele analisou explicitamente quanto daquilo que indicou ou deixou entrever.

Por que essa afinidade?

Não é impossível que ele e os povos indígenas do Brasil tenham sido feitos para se entenderem mutuamente, isto é -para retomar uma fórmula célebre da abertura de "O Cru e o Cozido"-, que seu pensamento tenha tomado forma ou se reconhecido no pensamento indígena tanto quanto este tomou forma e se reconheceu no seu pensamento.
Creio que é a partir dessa hipótese que Eduardo Viveiros de Castro tomou a si a tarefa não de retomar Lévi-Strauss ao pé da letra, mas sim de retomar seu procedimento, levando em conta o sentido e o alcance das questões levantadas pelo pensamento indígena.

Assim como fez Marilyn Strathern na Nova Guiné, ele mostrou a importância, para o antropólogo, de se deixar guiar pelo pensamento do outro.

Foi ainda Eduardo Viveiros de Castro quem observou recentemente que, se foi possível descrever "As Estruturas Elementares do Parentesco" como obra pré-estruturalista, as "Mitológicas", por sua vez, poderiam ser lidas como pós-estruturalistas.

De fato, ele discerniu, nas "Mitológicas", não uma preponderância de silogismos totêmicos, isto é, da lógica classificatória proposta desde "O Totemismo Hoje" (1962), e sim um procedimento que pode ser dito pós-estruturalista, feito de rizomas e de percursos imbricados.

Em suma, um esboço do que fizeram mais tarde Deleuze e Guattari -mostrando assim que, contrariamente aos que simploriamente vêem no pós-estruturalismo um antiestruturalismo, trata-se, ao contrário, de discernir as entrelinhas, as análises concretas e os subtextos (além dos próprios textos) de Lévi-Strauss.

Mauro Almeida, da Unicamp, também renovou a leitura de Lévi-Strauss de forma original e contribuiu para uma leitura adequada do alcance da inspiração matemática e cibernética em Lévi-Strauss, salientando a sua noção de entropia.

Um dos aspectos mais misteriosos dos escritos de Lévi-Strauss é a célebre e desconcertante "fórmula canônica" do mito, mencionada em 1955 e, quando parecia fadada ao esquecimento, ressurgida subitamente em "A Oleira Ciumenta" e "História de Lince".

Almeida deu à fórmula canônica uma interpretação original, que a conecta à concepção de dialética que Lévi-Strauss, em 1962, opunha à de Jean-Paul Sartre: uma forma e uma fórmula de superação, de abdução, de "dedução transcendental", diria o antropólogo, que permite fazer o salto sobre o vazio, ligando os silogismos que se esgotam a novos domínios ao mesmo tempo semânticos e geográficos.

Por esses poucos exemplos que nem de longe esgotam as leituras que aqui se fazem, percebe-se que os brasileiros, à semelhança do que os árabes fizeram com Aristóteles na Idade Média, conservaram viva a obra de Lévi-Strauss.

Souberam lê-la de modo original, sutil e fecundo. Sutil porque reconheceram no próprio autor as passagens e aspectos em que ele complica e subverte aquilo que deu ensejo a leituras simplistas. Fecundo porque partiram não só da letra, mas também do espírito que animou a sua obra.

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MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga e professora na Universidade de Chicago. Uma versão deste texto foi publicada em "Lévi-Strauss - Leituras Brasileiras" (ed. UFMG).

 

AS OBRAS CAPITAIS

As Estruturas Elementares do Parentesco (1949) - Marco fundador da antropologia estrutural, o livro foi escrito durante o exílio nos EUA e sob a direta influência de seus contatos intelectuais e amizade com o lingüista Roman Jakobson.
O conceito que dá título ao livro refere-se aos sistemas de parentesco que prescrevem o casamento com um certo tipo de parentes, ou seja, que classificam os parentes em cônjuges possíveis e proibidos.
A obra é um clássico também por ter substituído, como eixo de análise etnológica, o fato natural da consangüinidade pelo fato cultural da aliança.
Lévi-Strauss, em diálogo com Sigmund Freud, repensa o problema universal da proibição do incesto -fenômeno já não mais interpretado pela óptica da proibição moral, e sim como fator lógico de constituição da sociedade, ao permitir a "transação" de mulheres entre os grupos exogâmicos.

Introdução à obra de Marcel Mauss (1950) - Este ensaio, encomendado pelo sociólogo Georges Gurvitch -mais tarde, bastante hostil às teses de Lévi-Strauss-, vai bem além de sua finalidade imediata, uma apresentação protocolar da coletânea "Sociologia e Antropologia", de Marcel Mauss (ed. Cosac Naify), um dos mais importantes cientistas sociais do século 20.
Lévi-Strauss comenta o vanguardismo de Mauss em aspectos como a correlação entre etnologia e psicanálise, mas também, com ousadia, designa o sobrinho de Durkheim como um Moisés que conduziu o povo à Terra Prometida sem ter tido a oportunidade de entrar nela.
Com essa metáfora bíblica, quis dizer que Mauss, com a teoria da reciprocidade desenvolvida em "O Ensaio sobre a Dádiva" (1925), intuiu descobertas a que a antropologia só pôde chegar mais tarde, com o próprio Lévi-Strauss, graças aos aportes da lingüística estrutural.
Exemplo disso seria o conceito lévi-straussiano de "pensamento simbólico" como lógica inconsciente do espírito humano e matriz universal de possibilidades combinatórias das quais cada sistema cultural faz usos peculiares.

Tristes Trópicos (1955) - Considerada por muitos sua obra-prima, esta autobiografia intelectual relata, entre outros episódios, a vinda de Lévi-Strauss ao Brasil nos anos 1930, juntamente com outros professores franceses, para trabalhar na fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
Ele comenta o sentido de sua vocação de antropólogo, no contexto de suas decepções com a filosofia "metafísica" dominante nos meios universitários franceses da época.
Menciona a geologia, o marxismo e a psicanálise como as "três mestras" inspiradoras de sua obra, pela percepção que compartilham de que "compreender consiste em reduzir um tipo de realidade a outro". E tece observações etnográficas que atestam como seu contato com povos indígenas brasileiros foi decisivo na gestação de sua futura teoria estruturalista.
O livro é marcante também pelas digressões sombrias a respeito das perspectivas da civilização mundial, marcada, segundo ele, pelo inchaço demográfico e pela homogeneização cultural.

Antropologia Estrutural (1958) - Coletânea com alguns dos principais escritos de Lévi-Strauss no período entre 1944 e 1956.
São exemplos o programático "A Análise Estrutural em Lingüística e em Antropologia", além de "O Feiticeiro e Sua Magia" e "A Eficácia Simbólica" - textos nos quais apresenta surpreendentes paralelos estruturais entre as figuras do xamã e do psicanalista.
Muitas vezes acusado pelos marxistas de negar a dimensão histórica, dada sua ênfase tanto na sincronia dos fenômenos sociais quanto nas constantes universais da humanidade, o autor francês irá abordar tal problema em "História e Etnologia".
Já em "A Estrutura dos Mitos", o antropólogo relê o mito de Édipo - mencionando a interpretação freudiana como a mais recente "versão" mítica do relato- e lança as bases teóricas e metodológicas do que, após o parentesco, veio a ser o outro grande campo de aplicação do estruturalismo etnológico: a mitologia.

O Pensamento Selvagem (1962) - Lançado no mesmo ano que "O Totemismo Hoje" -que lhe serve, no dizer do autor, como uma "introdução histórica e crítica", ao analisar uma categoria então fundamental na explicação dos povos ditos primitivos-, é uma espécie de prelúdio às "Mitológicas".
Descartando preconceitos evolucionistas, tais como a noção de "pensamento pré-lógico" (de Lévy-Bruhl), Lévi-Strauss diz ser o pensamento mítico uma "forma intelectual de bricolagem", que recupera num processo contínuo os resíduos de eventos empíricos, e uma "ciência do concreto", tão estruturada, lógica e rigorosa quanto o pensamento científico moderno, e igualmente capaz de formular analogias e generalizações.
Dedicado à memória do filósofo Maurice Merleau-Ponty, se encerra porém com uma célebre ofensiva contra outro expoente do pensamento fenomenológico-existencial: Jean-Paul Sartre.
Na visão dialética da história na obra de Sartre, Lévi-Strauss vê uma outra forma de projeção eurocêntrica e um valioso documento etnográfico acerca da "mitologia de nosso tempo".

Mitológicas (1964-71) - Com base na análise de cerca de 800 mitos ameríndios e inspirado nos moldes da música -que considera semelhantes aos do mito-, essa colossal tetralogia é composta por "O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu".
Seu objetivo é mostrar "de que modo categorias empíricas, como, por exemplo, as de cru e cozido, de fresco e de podre, de molhado e de queimado etc., definíveis com precisão pela mera observação etnográfica, (...) podem servir como ferramentas conceituais para isolar noções abstratas e encadeá-las em proposições".
Desse modo, seria possível chegar a níveis cada vez mais amplos de generalização e, em última instância, desbravar os fundamentos universais do espírito humano. O meio para isso, segundo o antropólogo, seria o rastreamento das múltiplas recombinações, permutações e oposições -e não, como na teoria simbolista, significados ocultos de símbolos abstraídos do contexto - por meio das quais os "mitos se pensam entre si".

Antropologia Estrutural 2 (1973) - Nesta nova coletânea, tem destaque o clássico "Raça e História" (1952) - libelo, escrito a pedido da Unesco, contra o racismo, no qual o antropólogo sintetiza sua visão da história mundial e sua defesa da diversidade cultural.
Cabe mencionar também "A Gesta de Asdiwal", estudo de um mito indígena da costa canadense do Pacífico; "O Campo da Antropologia", aula inaugural do autor no Collège de France, em 1960; e "Jean-Jacques Rousseau, fundador das Ciências do Homem" (1962).
Neste último, o filósofo genebrino é evocado como precursor da etnologia por ter formulado o preceito de que, se para estudar "os homens" é preciso olhar perto de si, para estudar "o homem" é preciso aprender a dirigir para longe o olhar e descobrir semelhanças depois de observar as diferenças.
Dez anos mais tarde, Lévi-Strauss lançaria um novo conjunto de artigos que, segundo suas próprias palavras, poderia ser considerado o terceiro volume da "Antropologia Estrutural", porém batizado de "O Olhar Distanciado".

A Via das Máscaras (1975) -Tomando como referência a arte dos índios da costa noroeste dos EUA, Lévi-Strauss retoma questões fundamentais da estética e da história da arte.
Ele argumenta que o grafismo, a plástica e a cor podem ser entendidos como instrumentos de que um povo, escola doutrinal ou período se utilizam para se distinguir dos seus vizinhos, rivais ou predecessores.

Minhas Palavras (1984) - Lições ministradas por Claude Lévi-Strauss entre 1959 e 1982 no Collège de France e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Foi nesta escola onde, disse, "minhas idéias sobre a mitologia ganharam forma", o que é testemunhado em especial pelo curso, no ano letivo de 1951-52, dedicado à "Visita das Almas", cujo resumo consta desta coletânea.
Por meio das aulas e conferências aqui publicadas -que versam também sobre parentesco e organização social, entre outros temas-, o leitor pode entrar em contato, portanto, com os movimentos da reflexão lévi-straussiana ao longo do tempo e também com a gênese e esboço de algumas das principais obras do autor -como "O Pensamento Selvagem" e "Mitológicas".

A Oleira Ciumenta (1985) -Nesta nova incursão pelo vasto território dos mitos ameríndios, Lévi-Strauss analisa, em suas analogias nos povos mais diversos, a figura da ceramista (oleira) e as relações desse ofício com o sentimento do ciúme.
No capítulo final, ""Totem e Tabu" Versão Jivaro", o antropólogo francês retoma uma vez mais o diálogo do estruturalismo com a psicanálise. Ele combate, em Freud, a suposta afinidade descoberta entre crianças, neuróticos e primitivos, assim como o monopólio dado ao "código sexual" de decifração dos símbolos míticos e oníricos.

De Perto e de Longe (1988) - Esses diálogos com o jornalista Didier Eribon, juntamente com as entrevistas a Georges Charbonnier, em 1961, estão entre as mais acessíveis introduções a toda a complexidade de um dos maiores antropólogos de todos os tempos.
Lévi-Strauss comenta seu percurso, suas idéias e obras, confessa que gostaria de ter sido autor dramático e constrói um auto-retrato muito revelador.
Por exemplo, em passagens como a que se identifica subjetivamente com o "primitivismo" que lhe fornece boa parte de seus objetos de estudo: "Tenho a inteligência neolítica; não sou alguém que capitaliza, que faz frutificar seu conhecimento; sou antes alguém que se desloca a uma fronteira sempre instável".

História de Lince (1991) - Num esforço de "síntese de reflexões dispersas ao longo dos anos", o autor investiga as fontes filosóficas e éticas do dualismo ameríndio.
Estuda como as lendas da América resistem a fazer com que uma situação inicialmente dual seja reduzida a uma identidade perfeita, sustentando, antes, um dualismo dinâmico e em permanente desequilíbrio.
Nisso o antropólogo desvela uma atitude de "abertura ao outro" que pautou os nativos quando dos primeiros contatos com o branco colonizador, e que é uma conduta oposta à de nossa sociedade -voltada a reduzir o diferente a uma imagem especular de si mesma.

Olhar, Escutar, Ler (1993) - Num dos livros em que mais diretamente se dedica a questões relativas à arte -que, não obstante, sempre teve grande importância em suas investigações etnológicas-, Lévi-Strauss evoca, como matéria-prima de análise, algumas de suas grandes experiências estéticas pessoais -do romance de Proust à música de Rameau e Wagner, passando pela pintura de Poussin.
Reflete sobre um soneto de Rimbaud à luz dos modernos estudos de poética de Roman Jakobson, além de investigar as variações e a possível estrutura comum aos três procedimentos estéticos básicos -olhar, escutar, ler.

Saudades do Brasil (1994) -Lévi-Strauss dizia ser o escopo da sua antropologia um "super-racionalismo" capaz de integrar os níveis do sensível e do inteligível.
Neste álbum fotográfico, que remonta às raízes de sua aventura antropológica, ele dá prova da extrema sensibilidade com que vivenciou e registrou as experiências em terras brasileiras durante os anos 1930.
Seja pelas imagens de uma São Paulo a caminho de se converter em metrópole industrial e financeira, seja pelas cenas da vida cotidiana de tribos do Centro-Oeste, o livro é testemunho precioso e elegíaco de uma época (pessoal e coletiva) soterrada pelo tempo e pelo processo histórico hegemônico. Em 1995, o autor lançaria um segundo livro do gênero, "Saudades de São Paulo".
(CAIO LIUDVIK)

 

O BRASIL POR ACIDENTE

Vinda ao país para lecionar na USP, nos anos 1930, foi uma casualidade que redefiniu os rumos da cultura nacional

BEATRIZ PERRONE-MOISÉS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Foi por acaso que Lévi-Strauss veio ao Brasil. Em 1934, depois de estudar direito e filosofia, já tinha descoberto a vocação para a etnologia. Tudo levava o jovem Lévi-Strauss para fora do Velho Mundo, mas nada o trazia obrigatoriamente ao Brasil.

Sua iniciação como etnólogo poderia ter sido realizada em outro lugar: "Se me tivessem proposto a Nova Caledônia [na Oceania] ou a África, eu teria aceitado", diria ele mais tarde. Mas foi aqui que ocorreu.

"Minha carreira foi decidida num domingo do outono de 1934, às 9h, num telefonema", conta ele em "Tristes Trópicos", o livro que o tornou conhecido do grande público como escritor. Livro inclassificável, espécie de microcosmo de toda a obra. O tal telefonema era um convite para vir dar aulas na recém-fundada Universidade de São Paulo, onde poderia, disseram-lhe, fazer pesquisa com os índios nos arrabaldes da cidade.

Os índios estavam bem mais longe, mas o trabalho de campo entre eles, indispensável para obter suas "credenciais de etnólogo", seria realizado aqui. Lévi-Strauss descreve o Brasil, sobretudo em "Tristes Trópicos" (mas também na introdução a "Saudades do Brasil", de 1994), com cheiro, ruído, tato, paladar, audição e visão, operando constantemente com códigos sensoriais, como que prefigurando "O Pensamento Selvagem" (1962) e os mitos desdobrados nas "Mitológicas" (1964-71).

Também descreve a natureza, homenageando paisagens como a do litoral entre Santos e o Rio de Janeiro, a que chama de "trópicos de sonho".

Além disso, ele lembra cidades. O Rio de Janeiro, cidade "mordida" até o osso pela baía de Guanabara, em que tudo parece "démodé". Ou Goiás Velho, um conjunto de "fachadas degradadas" tomadas por cipós, bananeiras e palmeiras.

E Goiânia, "uma planície interminável, misto de terreno baldio e campo de batalha, espetado com postes elétricos e estacas de medição". A São Paulo da década de 1930 lhe parecia ser um exemplo típico das cidades americanas, de ciclo curto, sempre a "meio caminho entre o canteiro de obras e a ruína". Uma cidade que, "de modo geral, [...] tinha os tons fortes e arbitrários que caracterizam as más construções".

Apesar disso, aquela São Paulo da década de 1930 não lhe parecia feia ao ser lembrada mais tarde, apenas selvagem, "como todas as cidades americanas", fez questão de notar. Esse Brasil não tem, contudo, lugar de destaque em seu pensamento. Ocupa, em sua obra, um lugar comparável ao do Sudeste Asiático, da América do Norte ou até da própria Europa.

Dois trópicos
Pertence a um conjunto de lugares que fazem parte da trajetória de Lévi-Strauss, que ele compara e conecta uns aos outros, no que ele mesmo chama de seu "traveling mental".

Os "trópicos desocupados" no Brasil se opõem aos "trópicos superpovoados" na Índia. O Rio, à primeira vista, lembra as galerias de Milão e Amsterdã ou a estação Saint-Lazare em Paris, mas ao ar livre. E também o faz pensar em Nice ou em Biarritz no século 19, assim como Calcutá. Mas o Rio é também o contrário de Chittagong [em Bangladesh].

São Paulo, assim como Chicago e Nova York, surpreende o europeu por parecer precocemente devastada pelo tempo. Porto Esperança figura em sua memória ao lado de Fire Island, no Estado de Nova York, por sua vez espécie de Veneza invertida.

Pelos lugares do mundo, Lévi-Strauss percorre um grupo de transformação conectado por oposições, desdobramentos, inversões, duplicações, como os que vai seguindo entre os mitos ameríndios nas "Mitológicas", grupo em que esse Brasil não é mais do que o ponto de partida de uma viagem que poderia ter começado em qualquer outro lugar.

É outro o Brasil que marca a vida e a obra de Lévi-Strauss. O Brasil que faz dele um americanista e inflete sua produção intelectual é aquele em que vivem nambiquaras, bororos, cadiuéus, tupi-cavaíbas, tupi-mondés... o dos índios.

O que foi decidido naquele imprevisível telefonema levaria Lévi-Strauss a ser um americanista com uma entrada "brasileira", ou um europeu que encontra a América em solo do Brasil.

Qualquer lugar
A trajetória de Lévi-Strauss poderia ter começado em qualquer lugar, contanto que fosse na América. Pois os ameríndios não são meros objetos de sua reflexão, são co-autores de seu pensamento.

O encontro entre Lévi-Strauss e o Novo Mundo é tão importante que especialistas têm apontado uma "indianização" de seu imaginário científico e uma inflexão ameríndia em sua teoria do social, tributária de Marcel Mauss tanto quanto dos nambiquaras ou dos bororos.

"Tinha ido para o Brasil porque queria me tornar etnólogo", disse ele certa vez. Lévi-Strauss tornou-se etnólogo entre os brasis -como chamavam aos índios ainda os românticos- e aprofundou sua iniciação mergulhando na leitura de obras dedicadas aos ameríndios, nas bibliotecas de Nova York.

Tendo inaugurado um diálogo capaz de pôr nossa cultura no caminho de um novo pensamento, como notou Pierre Clastres, o pensamento de Lévi-Strauss, que é também pensamento ameríndio, não cessa de indicar novos caminhos, gerando novas perguntas e outras idéias.

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BEATRIZ PERRONE-MOISÉS é professora no departamento de antropologia da USP.

 

TRÓPICOS NÃO TÃO TRISTES

Apesar de sua importância decisiva para o futuro da disciplina, antropólogo teve contribuição ínfima para os debates que ocorriam no Brasil, nos três anos em que permaneceu no país
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Em "Tristes "Trópicos", a má vontade para com o Brasil e os brasileiros é incontornável
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WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não foi "Tristes Trópicos" o livro que caiu como uma bomba no meio estudantil, que até então jurava por Sartre. Foi "O Pensamento Selvagem": tornou-se ponto de honra sabê-lo de cor. A essa altura, Bento Prado Jr. parafraseou um ditado malandro, que ficou assim: "Boy que é boy não lê Sartre, lê Lévi-Strauss".

Eureca: esse foi o livro de base, ao equiparar o conhecimento indígena às mais altas reflexões da civilização ocidental. Não é pequena a proeza, e reconhecemos em quem o escreveu um herói civilizador. 

Depois, adviria o monumento que é a seqüência das quatro "Mitológicas". Que nos remeteria para trás, para "As Estruturas Elementares do Parentesco", em que o antropólogo ajusta as contas com a tradição das ciências sociais francesas, e para a antropologia estrutural.

Mas o livro inaugural, por aqui, foi mesmo aquele.

Por tudo isso, os paradoxos de nossa conjuntura mostram-se -como diria Lévi-Strauss, louvando-se nos mitos- "bons à penser". Pensar, por exemplo, que ele foi um dos fundadores de nossa Faculdade de Filosofia, criada para ser a cabeça teórica da Universidade de São Paulo.

E isso aos 27 anos, antes que escrevesse qualquer livro. Traz à lembrança o jovem Foucault, que também foi por muitos anos professor nessa escola, dando-nos o privilégio de ministrar o curso de "As Palavras e as Coisas", ainda não escrito.

Contribuição ínfima
Ante o deslumbramento de uma das obras mais influentes do século passado, fica difícil lembrar quão pouco Lévi-Strauss se demorou por aqui (apenas os três anos do contrato) e como foi ínfima a contribuição que deu naquele momento. Não que fosse esse o destino fatal dos europeus fundadores.

Seu sucessor na cadeira de sociologia, Roger Bastide [1898-1974], permaneceria na faculdade por 16 anos, participando intensamente da vida cultural, escrevendo semanalmente para jornais e revistas, discutindo nossa literatura, nossas artes e nosso pensamento. Além de se tornar o iniciador da sociologia da religião no país, com "As Religiões Africanas no Brasil" [ed. Pioneira], mais tarde deflagraria também os estudos sobre o negro na atualidade, com "O Negro na Sociedade de Classes", por iniciativa da Unesco e com assessoria de Florestan Fernandes, seu aluno e assistente. E se dedicaria à formação de levas de estudantes.

Férias na França

Lévi-Strauss seria bem menos participativo.

Durante o ano letivo dava suas aulas e, nas férias, regressava à pátria ou se embrenhava no sertão, para investigar os índios. Jamais precisou quantas expedições fez e quanto tempo ficou nas aldeias, no total.
Mesmo porque foi à França em algumas das férias, contando em "Tristes Trópicos" que já era reconhecido pelos empregados dos navios que faziam a travessia.

Nas entrevistas, passa por alto esse ponto delicado; e, mesmo em sua biografia oficial da Academia Francesa de Letras, só se fala em "várias expedições", entre os anos de 1935 e 1938. Talvez tenha sido sensível ao fato de que construiu uma obra notável, e enorme, em cima de uma experiência de terreno tão reduzida.

"Tristes Trópicos" muito deve à teoria da "tristeza tropical", vigente por aqui à época de sua estada, exposta no influente e então reeditado "Retrato do Brasil" [Companhia das Letras], de Paulo Prado -mas que para nós já era mais do que superada. De toda a obra de Lévi-Strauss, seu destino foi (hélas!) tornar-se o livro mais lido, porque o mais fácil.

Algo de semelhante se passa com "Raízes do Brasil" [Companhia das Letras], o menos complexo dos livros de Sérgio Buarque de Holanda [1902-82].

No livro francês, a má vontade para com o Brasil e os brasileiros é incontornável, e ele zomba de tudo que lhe passa pela frente, inclusive do nível de colegas e estudantes, de nosso subdesenvolvimento geral.
É dele o diagnóstico de que nosso país saltou da barbárie à era da tecnologia sem passar pela civilização. O pior é que no Brasil há muito intelectual que aceita a avaliação negativa, vestindo a carapuça do colonizado que dá autoridade ao colonizador para denegri-lo.

Destaca-se pela originalidade ao afirmar que a baía de Guanabara é feia, opinião bizarra, comparando-a a uma "boca banguela".

Quando a má vontade veio a se dissipar, Lévi-Strauss nem a reconheceu nem quis mais falar disso. E pôde, finalmente, ao redor dos 90 anos, publicar belos livros de fotos com prefácios e títulos afetuosos, como "Saudades do Brasil" (1994) e "Saudades de São Paulo" (1996).

Cordialidade
É verdade que sempre recebeu com calor em seu escritório qualquer brasileiro que o procurasse, mesmo o mais insignificante dos estudantes sem nenhum título. A enorme influência que acabaria por ter em nosso país só se daria décadas mais tarde e, assim mesmo, mediada pela moda do estruturalismo.

Autor inédito, foi aqui que hauriu a matéria-prima de sua obra, no contato, apesar de limitado e esporádico, com os índios. Depois, pesquisaria longamente nossa tradição de estudos de etnologia e antropologia, que estão constantemente citados em seus livros.

O ponto central, a meu ver, é que o contato com o Brasil forneceu a "epifania epistemológica" que iria deflagrar-lhe a imaginação antropológica, definindo o rumo que sua carreira científica tomaria.

Os equívocos dessa conflituosa relação ainda têm reflexos contemporâneos. No intuito de contribuir para o Ano do Brasil na França, "Les Temps Modernes", a revista que Sartre fundou, publicaria (no nº 628) quatro cartas de Lévi-Strauss a Mário de Andrade.

Uma apresentação de dez linhas comete vários erros. O destinatário, dizem lá, "esteve em relação" com o remetente "enquanto diretor cultural da municipalidade de São Paulo". Ora, novos trabalhos têm mostrado que o Departamento Cultural, Mário à frente, co-financiou as expedições do antropólogo.
E o tom das cartas mostra claramente que se trata de um relatório de progresso, de uma satisfação dada ao financiador.

Além disso, Dina Lévi-Strauss, a cônjuge, era assistente de Mário nesse mesmo departamento. Mário criaria uma subdivisão de etnologia, que chegou a desenvolver alguns cursos dados pela assistente.

Como se não bastasse, algumas palavras são traduzidas como se se tratasse da língua do planeta Marte, esquecendo que a França é, do mundo todo, o país que mais dispõe de departamentos de estudos luso-brasileiros, 33 ao todo. Embora a caligrafia do antropólogo seja nítida e os manuscritos se encontrem em bom estado, o endereço, à rua Cincinato Braga, é transcrito como "Luicinato Boraga".

O nome de um intelectual brasileiro bem conhecido como Sérgio Milliet torna-se Serge Miller. E a Rádio Patrulha vem a ser Radio Pakulka.

Como se vê, a malícia dos deuses continua a conspirar para envenenar esses laços.

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WALNICE NOGUEIRA GALVÃO é professora de teoria literária na USP, autora de "Guimarães Rosa" (Publifolha).

ENTENDA O QUE É ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL

DA REDAÇÃO DA FOLHA DE SÃO PAULO

A antropologia estrutural, criada por Claude Lévi-Strauss, foi cunhada em seu livro clássico "Antropologia Estrutural". Publicado originalmente em 1958, ele reúne artigos que definiram o projeto científico do pensador francês. Inspirada pela obra do lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), a antropologia estrutural concentra-se no modo como elementos de um sistema se combinam - e não em seu valor intrínseco.

"Diferença" e "relação" são conceitos essenciais. A combinação desses elementos dá margem a oposições e contradições que servem para dar ao reino social seu dinamismo. A antropologia estrutural considera a cultura um sistema de comunicação por símbolos, que deveria ser analisada da mesma maneira como se analisam, por exemplo, romances.

OBRAS DE LÉVI-STRAUSS NO BRASIL

As Estruturas Elementares do Parentesco (Vozes, 2003)

Antropologia Estrutural 1 (Cosac Naify, 2008)

Antropologia Estrutural 2 (Tempo Brasileiro, 1993)

O Pensamento Selvagem (Papirus, 2005)

Sociologia e Antropologia, de Marcel Mauss (introdução de Claude Lévi-Strauss, Cosac Naify, 2003)

O Cru e o Cozido - Mitológicas 1 (Cosac Naify, 2004)

Do Mel às Cinzas - Mitológicas 2 (Cosac Naify, 2005)

A Origem dos Modos à Mesa - Mitológicas 3 (Cosac Naify, 2006)

O Homem Nu - Mitológicas 4 (Cosac Naify, 2009)

De Perto e de Longe (entrevista a Didier Eribon) (Cosac Naify, 2005)

História de Lince (Companhia das Letras, 1993, esgotado)

Saudades do Brasil (Companhia das Letras, 1994, esgotado)

Saudades de São Paulo (Companhia das Letras, 1996, esgotado)

Tristes Trópicos (Companhia das Letras, 1996)

Olhar, Escutar, Ler (Companhia das Letras, 1997, esgotado)

Minhas Palavras (Brasiliense, 1991, esgotado)

+ CRONOLOGIA

28.nov.1908 - Claude Lévi-Strauss nasce em Bruxelas, na Bélgica. É filho de pais franceses: Raymond Lévi-Strauss e Emma Lévy. Em 1909, a família, de origem judaica, muda-se para Paris

1927 - Inscreve-se em direito e faz curso de filosofia na Sorbonne

1932 - Casa-se com Dina Dreyfus

1933 - É nomeado para o liceu de Laon

1935 - Em fevereiro, embarca para o Brasil. Desembarca em Santos e passa a viver em São Paulo. Reside na rua Cincinato Braga, 395, entre a rua Carlos Sampaio e a avenida Brigadeiro Luís Antônio. Assume a cadeira de sociologia na Universidade de São Paulo. Tem como colegas de trabalho o geógrafo Pierre Monbeig (1908-1987), o historiador Fernand Braudel (1902-1985) e o filósofo Jean Maugüé (1904-1985). Junto com a mulher, também etnóloga, faz a primeira viagem a Mato Grosso, onde inicia os estudos sobre os índios cadiuéus, bororos e nambiquaras

1938 - Desiste da renovação do contrato na Universidade de São Paulo para consagrar-se a uma longa expedição pelo interior do Brasil

1939 - Volta à França e instala, no Museu do Homem, as coleções etnográficas recolhidas nos anos em que esteve no Brasil. Separa-se de Dina

1941 - Com o avanço da Segunda Guerra, decide partir para os EUA. Passa a viver em Nova York, onde ensina na New School for Social Research

1945 - Casa-se com Rose-Marie Ullmo. Deste casamento nasce Laurent. Após a guerra, torna-se conselheiro cultural da Embaixada francesa nos EUA

1947 - Retorna à França

1948 - Defende na Sorbonne a tese "As Estruturas Elementares do Parentesco", que é publicada em 1949

1950 - Com o apoio da Unesco, viaja à Índia e ao Paquistão Oriental (atual Bangladesh). Assume a função de diretor de estudos na Escola Prática de Altos Estudos, na seção de ciências religiosas

1954 - Após o segundo divórcio, casa-se com Monique Roman

1955 - Publica "Tristes Trópicos", autobiografia intelectual, narrativa de viagem ao Brasil e ensaio científico sobre os indígenas cadiuéus, bororos, nambiquaras e tupi-cavaíbas. A obra torna-se um clássico da etnologia e dos estudos sobre o país

1957 - Nascimento do filho Matthieu

1958 - Publica o volume 1 de "Antropologia Estrutural", dedicado à memória do francês Émile Durkheim (1858-1917), um dos fundadores das ciências sociais

1959 - É eleito para a cadeira de antropologia social no Collège de France, fundado em 1530 e uma das mais prestigiosas instituições de ensino da França

1960 - Funda, no Collège de France, o Laboratório de Antropologia Social

1961 - Cria, com colaboradores, a "L'Homme - Revue Française d'Anthropologie" (O Homem - Revista Francesa de Antropologia)

1962 - Publica "O Totemismo Hoje" e "O Pensamento Selvagem" -este último dedicado à memória do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-61)

1964-71 - Lévi-Strauss publica os quatro volumes das "Mitológicas"

1968 - Na França, é condecorado com a Medalha de Ouro do Centro Nacional de Pesquisas Sociais

1973 - Eleito para a Academia Francesa. Publica "Antropologia Estrutural 2", obra dedicada aos membros do Laboratório de Antropologia Social

1974 - Numa quinta-feira, 27 de junho, toma posse na Academia Francesa

1982 - Aposenta-se do Collège de France

1985 - Volta ao Brasil após 46 anos

1989 - O Museu do Homem organiza a exposição "As Américas de Claude Lévi-Strauss"

1994 - Publica "Saudades do Brasil", que reúne fotografias do interior do país que fez entre 1935 e 1938

1996 - Publica "Saudades de São Paulo", com fotografias de São Paulo feitas entre 1935 e 1937. "Se, no título de um livro recente, apliquei ao Brasil (e a São Paulo) o termo "saudade", não foi por lamento de não mais estar lá. De nada me serviria lamentar o que após tantos anos não reencontraria. Eu evocava antes aquele aperto no coração que sentimos quando, ao relembrar ou rever certos lugares, somos penetrados pela evidência de que não há nada no mundo de permanente nem de estável em que possamos nos apoiar" ("Saudades de São Paulo", tradução de Paulo Neves, Cia. das Letras, 1996)

28.nov.2008 - Claude Lévi-Strauss completará cem anos. "É assim que me identifico, viajante, arqueólogo do espaço, procurando em vão reconstituir o exotismo com o auxílio de fragmentos e de destroços" ("Tristes Trópicos", trad. Rosa Freire d'Aguiar, Cia. das Letras)

RETRATO DE UM HOMEM INVISÍVEL

"Sem forças" e encerrado em seu apartamento em um bairro nobre de Paris, Lévi-Strauss não deverá participar das comemorações de seu centenário; amigos falam sobre a convivência com o antropólogo

GABRIELA LONGMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

Mais importante intelectual vivo, Lévi-Strauss completa cem anos, no próximo dia 28, recolhido.
Tido como o pai do estruturalismo e grande responsável pela afirmação da antropologia no campo das ciências humanas, ele assistiu -ou participou- às infinitas transformações políticas, sociais e comportamentais do século 20.

Depois de atravessar duas guerras mundiais, um Maio de 68 e todos os rebuliços que se seguiram, a Paris atual tem muito pouco em comum com aquela em que ele passou a infância e a juventude.
Grande área residencial da burguesia parisiense -comparável, talvez, ao bairro de Higienópolis, em São Paulo-, o 16º arrondissement foi desde sempre a casa de Lévi-Strauss.

É ali que mora, há mais de 50 anos, num quinto andar do número 2 da rua dos Marroniers. A poucas quadras, fica a rua Passy, endereço onde viveu por mais de 20 anos com os pais, num apartamento de onde se avistava ainda o campo e suas fazendas.

Hoje, os prédios de La Défense -principal centro financeiro da França, localizado no extremo oeste- transformaram a paisagem.

A arquitetura de arranha-céu que Lévi-Strauss vira em São Paulo nos anos 1930 e em Nova York nos anos 1940 ganharia um canto específico para se desenvolver, para que o restante de Paris mantivesse preservada a unidade estética dos prédios baixos, telhados com chaminés, terraços de ferro e os bulevares haussmanianos que deixam transparecer os séculos 18 e 19.

Se a arquitetura se manteve em certa medida uniforme, para a alegria dos turistas, a população mudou.
Milhões de chineses, marroquinos, brasileiros, senegaleses, malianos são agora tão parisienses quanto aquele professor de etnologia que trabalhava como subdiretor do Museu do Homem e visitava os mercados de pulgas em busca de peças exóticas para sua coleção.

O kebab é tão popular quanto o crepe. O pluriculturalismo -termo em grande medida lévi-straussiano- é a marca principal desta nova cidade e de seus subúrbios, com todos os problemas de imigração e discriminação que gravitam em torno desse novo quadro.

A Paris de Godard e Truffaut é substituída pela de Laurent Cantet, com "Entre Paredes".

 

"Sem forças"
Mas esta cidade, mais lévi-straussiana do que nunca, tornou-se distante para Lévi-Strauss, que praticamente não sai mais de casa.

No dia 25, não irá ao colóquio que o Collège de France organiza com a presença de alguns de seus principais seguidores.

E, no 28, não estará presente à grande jornada de homenagens que o Museu do Quai Branly prepara para o centenário, com leituras de suas obras, projeção de documentários e fotos das expedições.

"É preciso dizer que ele está absolutamente sem forças", adverte à Folha, por telefone, a secretária que gerencia sua correspondência.

As visitas de seus ex-alunos se tornam cada vez mais raras, assim como rareou-se seu hábito de escutar música clássica ao longo da tarde.

Mas são fatos recentes. Até o ano passado, Lévi-Strauss recebia amigos para jantar, lia publicações de sua área.

Com freqüência, atravessava ainda o rio rumo ao Quartier Latin, onde fazia visitas ao Laboratório de Antropologia Social (LAS), que ele fundou em 1960 após sua nomeação para a recém-criada cadeira de antropologia social do Collège de France, grande consagração de seu nome e seu trabalho.

Visitar hoje o laboratório no nº 52 da rua Cardinale Lemoine é mergulhar na atmosfera parisiense dos anos 1970, com o carpete vermelho manchado, um cheiro agridoce e o design editorial antiquado dos periódicos, expostos lado a lado numa pequena vitrina de vidro.

Com a Sorbonne, a Escola Normal Superior e o Collège de France ali próximos, o 5º arrondissement continua sendo por excelência o bairro dos estudantes - embora as jovens pró-Sarkozy não lembrem em muito as radicais feministas que passeavam pelas ruas no tumulto daquela época.

Dirigido atualmente por Pierre Descola, o centro de pesquisa tem cerca de 50 membros e uma das mais importantes bibliotecas da área de etnologia e etnografia.


Escaninho vazio

Entre os avisos no mural da entrada, uma folha sulfite anuncia um colóquio em homenagem a Lévi-Strauss na Rússia e escaninhos de madeira guardam a correspondência destinada a cada um dos membros. O de Lévi-Strauss está lá, sim, embora vazio.

A vice-diretora Brigitte Derlon lembra-se bem de vê-lo chegar até bem pouco tempo, caminhando com certa dificuldade, mas bem-disposto.

Quando criou o laboratório, o etnólogo francês contava com a companhia de um pesquisador romeno, Isac Chiva, a quem nomeou subdiretor.

Fugindo do stalinismo, o jovem judeu chegou a Paris, onde foi aluno de Lévi-Strauss na Escola Prática de Altos Estudos antes de tornar-se seu parceiro. Hoje, também recolhido em seu apartamento, tem dificuldade para rememorar antigos nomes, datas, histórias.

"Lévi-Strauss está bem, afinal tem cem anos. O problema sou eu, que tenho 82 e estou assim. É muito difícil lembrar. Não deveria ter aceitado te receber para esta entrevista, pois não tenho mais memória", diz.

Cada frase é interrompida e seguida por longos silêncios e as perguntas ficam quase todas sem resposta.

Mas, ao ouvir falar em Lévi-Strauss, o colega caminha da sala até sua biblioteca e começa a mostrar as primeiras edições de "Antropologia Estrutural", "As Estruturas Elementares do Parentesco" e "Tristes Trópicos" autografadas.

"Para Isac Chiva, pesquisador sutil e tenaz, em testemunho de minha estima e amizade", diz uma das dedicatórias. Esses amigos de tanta convivência jantavam juntos há um ano, mas hoje muito raramente trocam um telefonema.


Resposta doce

De uma geração bem mais jovem de pesquisadores, Emmanuel Devaux foi procurá-lo em 1978.

"Eu era um jovem tímido. Queria saber se era pertinente partir para um trabalho de campo na América do Norte, e não na Amazônia, como faziam todos os meus colegas do departamento", contou à Folha.

Lévi-Strauss recebeu-o, muito cortês.

"Vá sim, mas saiba que será deprimente", foi a resposta.

Em 2007, Devaux enviou-lhe um livro, em que questionava os conceitos estruturalistas.

"Recebi uma resposta muito doce que dizia:

"Leio seu livro ainda, embora muito lentamente. O que me deixa mais tempo para meditar sobre nossas concordâncias e discordâncias"."

As atuais concordâncias e discordâncias de Lévi-Strauss em torno da imigração na França, da eleição de Obama, da crise financeira e de outras ordens do dia são um mistério. Faz alguns anos que parou por completo de dar entrevistas por "já não se considerar um homem deste tempo".

E de que tempo ele é, então? Talvez daquele tempo mítico que ele próprio descreve em "A Via das Máscaras".

Tempo em que a coleção de arte primitiva morava no Museu do Homem, e não no enorme Museu do Quai Branly, criado por Jean Nouvel.

Tempos de Barthes, Bachelard, Braudel. Hoje, todos eles viraram nomes de ruas parisienses, escritos em letras brancas sobre placas azuis.

Saussure é uma avenida movimentada perto da Porte de Clichy, bem ao norte. Foucault é uma alameda que termina no rio, colada ao Trocadéro.

Hoje, solto num tempo em que seus amigos, inimigos e seguidores diretos já desapareceram, Lévi-Strauss persiste como homem e como mito -ele que tanto analisou a interação simbólica entre vivos e mortos na sociedade dos bororos.

Disputando com Sartre o título de intelectual mais influente do século 20, ele é ainda um senhor de cem anos, recolhido no silêncio. Absolutamente vivo.

Reportagem completa do jornal FOLHA DE SÃO PAULO



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