25/04/2008
Ethan Bronner
Em Jerusalém
New York Times
O debate público em Israel
nesta semana passou do Hamas para o "hametz". Mas permaneceu
igualmente acalorado.
O hametz é o pão e outros produtos fermentados
que muitos judeus não comem nos oito dias do Pessach, a Páscoa
judaica, que começa na noite de sábado. A Bíblia
diz que quando Deus libertou os judeus da escravidão no Egito,
eles partiram com tamanha pressa que não houve tempo para o pão
crescer, e para marcar a circunstância, comer pão fermentado
durante o feriado é proibido.
O foco do debate aqui é uma decisão
de um juiz municipal de Jerusalém de derrubar as condenações
a quatro lojas e restaurantes por terem vendido pizza e pãezinhos
durante o feriado no ano passado, apesar de uma lei que muitos consideravam
proibir as empresas de fazê-lo. O juiz disse que a lei proíbe
apenas a exposição pública de hametz, não
sua venda dentro das lojas.

Em padaria na região de Kiryat Gat,um
judeu ortodoxo prepara o matzo, pão sem fermento
Apesar da maioria dos debates sobre o papel público meticulosamente
negociado da religião em Israel se enquadrar nas linhas previsíveis
de religiosos praticantes contra seculares, esta discussão tem
sido diferente. E expõe a ansiedade palpável em torno
da necessidade de definir e defender a natureza judaica do Estado, à
medida que o 60º aniversário de Israel se aproxima no próximo
mês.
Em artigos de opinião e conversas informais,
alguns israelenses não-religiosos disseram gostar da ausência
de hametz por oito dias e que era um símbolo pequeno mas potente
de uma identidade coletiva única.
A defensora mais proeminente desta posição
foi a ministra das Relações Exteriores, Tzipi Livni, uma
mulher secular, que escreveu no jornal "Maariv" que lamentava
a decisão do juiz.
"Aparentemente, a proibição à
exibição pública ou venda de pão na Pessach
é uma questão pequena e marginal, mas acredito que não
é o caso", ela escreveu.
"No meu entender, esta proibição faz parte da questão
substantiva de como desejamos caracterizar nossa identidade no lar
nacional do povo judeu."
Muitos concordaram com ela e argumentaram, como ela,
que desde que os negociadores palestinos com Israel e aqueles que os
apóiam rejeitaram definir Israel como um "Estado judeu",
era mais importante do que nunca fazê-lo.
"Quanto mais permitirmos nos afastar da tradição
judaica, mais fácil será para aqueles que rejeitam nossa
legitimidade como Estado judeu", disse Sharona Mazalian, que
vive fora de Tel Aviv, trabalha para um legislador conservador e secular
e deseja o hametz proibido durante o Pessach.
"Nós nos consideramos um Estado judeu,
democrático. Mas quanto menos judaicos formos, mais fácil
será para os outros dizerem: 'Por que não ser apenas
um Estado democrático para judeus e árabes viverem juntos?'"
Ammon Rubinstein, um ex-ministro secular e liberal da
educação e ex-reitor da escola de direito da Universidade
de Tel Aviv, disse que o juiz em Jerusalém estava certo em sua
decisão, porque a intenção da lei era evitar ferir
a sensibilidade religiosa ao exibir publicamente o hametz, não
impedir totalmente sua venda.
Mas ele notou:
"Há este sentimento no momento de que
temos de alguma forma de permanecermos judaicos. Tzipi Livni representa
isso - uma secular desejando por um ambiente judeu".
Isto parece particularmente verdadeiro na Pessach. Em
recentes pesquisas, entre 65% e 70% dos judeus israelenses dizem que
evitarão hametz na próxima semana, apesar da maioria não
ser praticante religiosa.
Há algo particularmente significativo em relação
à Pessach em Israel. Como Liat Collins, uma colunista, escreveu
no "The Jerusalem Post", a Pessach, o festival da liberdade,
"representa tudo de que nos orgulhamos: sobrevivência contras
as chances, identidade nacional e um retorno à Terra Prometida.
Todas as coisas pelas quais somos admirados -e vilipendiados- por milhares
de anos".
Mas assim como muitos judeus israelenses buscam um sentimento
judeu na vida pública de Israel -eles gostam da forma como o
país desacelera na tarde de sexta-feira para o sabá, a
forma como segue o calendário judaico -eles ressentem o fato
de como os partidos religiosos são aqueles que estabelecem a
agenda.
Após o juiz ter proferido sua decisão,
vários partidos ortodoxos a declararam uma calamidade e prometeram
aprovar uma lei proibindo toda a venda de hametz durante a Pessach.
Quando o Gabinete se recusou a tratar do assunto, o Partido Shas ameaçou
uma crise governamental mas recuou, dizendo que levaria seu caso ao
Parlamento.
Moshe Halbertal, um professor de filosofia judaica da
Universidade Hebraica daqui, disse:
"O que vejo acontecendo é um senso de
busca por uma identidade judaica, o que realmente aprecio. Mas eu
acho que é errado fazê-lo por meio do sistema legal".
Ele disse que seu modelo para a expressão pública
judaica era a forma como Israel marcava o Yom Kippur, quando, por meio
de uma convenção não escrita, ninguém dirige.
"Não há lei sobre dirigir no Yom
Kippur, mas todos respeitam", ele disse.
Mas Yair Sheleg, um judeu praticante que escreve para
o jornal "Haaretz", apresentou o argumento oposto em uma recente
coluna, apoiando a proibição da exibição
e venda de hametz durante a Pessach.
Ele disse que uma sociedade deve usar suas leis em relação
ao espaço público para ajudar a moldar seus valores centrais,
"e neste sentido proibir a exibição pública
de hametz na Pessach não difere em princípio da legislação
sobre o fechamento de restaurantes e cinemas no Dia de Lembrança
do Holocausto ou no Dia da Lembrança".
Sheleg notou que há alguns anos o Parlamento
aprovou uma lei para destruir um monumento a Baruch Goldstein, o colono
judeu nascido no Brooklyn que matou 29 muçulmanos que oravam
em Hebron em 1994. Sheleg notou que ele ficava longe da vista do público
e causava pouco mal evidente, mas eliminá-lo era uma expressão
apropriada dos valores públicos centrais.
Nahum Barnea, um colunista do "Yediot Aharonot",
disse que a disputa o fez perceber como Israel, mesmo ao se aproximar
de seu 60º aniversário, "ainda está tentando
se definir, algo que a maioria dos Estados não precisa fazer".
"Nós ainda estamos debatendo nossa existência,
não apenas em termos de política mas em termos de ideologia",
ele disse. "O que é Israel? O que é um Estado judeu?
E como o hametz pode nos ajudar a encontrar a resposta?"
Tradução: George El Khouri Andolfato
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2008/04/18/ult574u8394.jhtm
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