25/03/2008
Neil MacFarquhar
em Cambridge, Massachusetts
Uma pequena controvérsia a respeito de como a
Universidade Harvard pratica a tolerância foi desencadeada por
duas questões relativas às crenças muçulmanas
- se a chamada para as orações deve soar em Harvard Yard
(área gramada da universidade de cerca de 100 mil metros quadrados)
e se as mulheres devem contar com um horário exclusivo no ginásio
de esportes.
De acordo com os alunos da universidade, debates acalorados
irromperam em salas de discussão dos dormitórios, e diversos
artigos de opinião no jornal dos estudantes, "The Harvard
Crimson", criticaram ambas as práticas.
"Creio que devido ao fato de Harvard ser
um campus secular, há um temor por parte de alguns alunos de
que crenças ou práticas religiosas possam ser impostas
a pessoas que não querem ter nada a ver com essas tradições",
diz Jessa Birdsall, uma aluna do segundo ano que diz acreditar que
a universidade poderia acomodar as crenças de todos os estudantes.
O debate teve início no início de fevereiro,
quando a faculdade de cursos de graduação reservou um
dos três maiores ginásios do seu campus principal, o Quadrangle
Recreational Athletic Center, apenas para as mulheres nas segundas-feiras
de 15h às 17h, e nas terças e quintas de 8h às
10h.
O porta-voz da faculdade, Robert Mitchell, não
quis descrever como se chegou a tal decisão, mas vários
alunos disseram que um pequeno grupo de estudantes muçulmanas
de graduação que moram no dormitório Leverett House
solicitaram a mudança.
Esse grupo de mulheres achou que as roupas de ginástica
violavam a prescrição muçulmana de que os dois
sexos devem usar vestimentas apropriadas em ambientes compartilhados.
Assim, elas pediram que o dormitório reservasse os seus mini-ginásios
para mulheres algumas horas por semana. O pedido acabou chegando ao
Centro de Mulheres da Faculdade Harvard, e ficou decidido que o centro
Quadrangle, que segundo Mitchell é a instalação
atlética menos utilizada da faculdade, ficaria restrito às
mulheres apenas em certos horários. Ele disse que a mudança
é uma experiência que será avaliada em junho.
A segundo controvérsia ocorreu quando a adhan,
a chamada para as orações, soou mais uma vez em Harvard
Yard ao meio-dia, das escadas da Biblioteca Widener, durante vários
dias no final de fevereiro. A chamada fez parte da Semana de Consciência
Islâmica, patrocinada pelo clube de alunos muçulmanos,
a Sociedade Islâmica de Harvard.
Em 13 de março, um artigo de editorial escrito
por três alunos de pós-graduação denunciou
a prática, que vem ocorrendo há vários anos. Eles
escreveram que, embora o pluralismo seja positivo, a adhan apóia
a intolerância muçulmana em relação a outras
fiés, ao afirmar que o profeta Maomé é o mensageiro
de Deus. Chamando a prática de proselitismo, o artigo afirmou:
"Ao que parece, a adhan é a exceção à
regra não verbalizada de Harvard de tolerância e respeito
religioso".
Os argumentos em relação a ambas as questões
reduziram-se a uma discussão para determinar se Harvard está
sendo admiravelmente tolerante, ou se a universidade está atrapalhando
as vidas da maioria a fim de agradar a uma minoria barulhenta.
Rauda Tellawy, aluna do último ano de universidade
que cobre o cabelo com um véu, diz que durante as discussões
acaloradas sobre os horários do ginásio que se desenrolaram
na sala de debates do seu dormitório observou-se que até
mesmo alguns homens sentiam-se intimidados pela presença de mulheres
no ginásio, caso estas, digamos, não estivessem levantando
tantos pesos quanto os atletas masculinos. Tellawi diz que habitualmente
sai do ginásio caso haja homens por perto quando ela faz flexões
abdominais.
"Mesmo que a gente use roupas largas, eles verão
coisa que não deveriam ver", argumenta Tellawi. "O
islamismo não encoraja a mulher a deitar-se em frente a um
homem".
Tellawi não considerou discriminatório
o fato de terem sido reservados horários especiais para as mulheres
no ginásio. Em vez disso, ela vê a medida como uma solução
saudável. Ela observa que os alunos que seguem as regras dietéticas
kosher (prática baseada no preparo dos alimentos de acordo com
os preceitos judaicos) contam com uma área separada no seu refeitório,
e diz que algumas mulheres não muçulmanas também
apóiam os horários separados no ginásio.
O novo sistema tem sido criticado por não atrair
um número suficiente de mulheres para justificar os horários
exclusivos, e vários alunos dizem que talvez apenas 15 pessoas
utilizem o centro durante os horários de pico à noite,
apesar do fato de contarem com os próprios armários, quadras
de squash e basquete, salões de musculação e máquinas
de exercício aeróbico.
Nicholas J. Wells, um aluno do primeiro ano que costumava
malhar de manhã, diz achar que a mudança foi "injusta
para os homens e inconveniente para as mulheres". Embora seja
a favor de que se apóiem as mulheres muçulmanas, ele diz
que é necessário que haja uma maneira mais prática
de fazer isso, de forma que os moradores do Quad não percam o
acesso ao seu principal ginásio.
Lucy M. Caldwell, aluna do primeiro ano, concorda com
esse argumento. Ela critica os horários exclusivos para mulheres,
afirmando que essa foi uma solução demasiadamente drástica
para atender à demanda de uma minoria religiosa, e repele a idéia
de que muitas mulheres muçulmanas apóiam a medida.
Quando os novos horários do ginásio foram
divulgados, a Universidade Harvard foi atacada na blogosfera como sendo
um bastião do liberalismo que descontrolou-se.
Quanto à chamada às orações,
os estudantes muçulmanos dizem que a adhan é um fundamento
básico do seu credo e que ela não tem nada a ver com a
negação de outras fés. O debate concentrou-se mais
em determinar se os muçulmanos estariam tendo um direito negado
por pessoas de outras religiões.
Um aluno escreveu na seção de cartas do
website do "The Crimson", dizendo que Harvard Yard não
é uma sala de aula de religião comparativa, enquanto um
outro argumentou que se alunos podem ir até lá pelados
e urinar na estátua de John Harvard, sem dúvida há
tolerância para com outras culturas.
Muitos alunos mostraram-se indiferentes em relação
às duas questões, afirmando estar preocupados com as provas
de metade do período.
Taha Abdul-Basser, o capelão muçulmano
de Harvard, disse que os dois episódios são um indicador
do número crescente de muçulmanos nos Estados Unidos.
"Existem pessoas que simplesmente não
se sentem confortáveis com o fato de os muçulmanos,
devido às mudanças do quadro demográfico, estarem
se tornando cada vez mais visíveis", disse ele.
The New York Times
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