OS MISERÁVEIS
Conta-nos Victor Hugo, em seu livro "Os
miseráveis" que, na França, no século
dezoito, viveu um homem que se chamava Jean Valjean.
Na prisão passou boa parte de sua juventude, embrutecendo seu
espírito, acostumando-se a ser tratado como uma fera e agindo
como tal.
Quando foi posto em liberdade, após o cumprimento da pena, recebeu
um documento que, segundo lhe disseram, informava seu nome e mencionava
que ele era um ex-condenado muito perigoso.
Na verdade, seu crime fora ter quebrado uma janela e ter roubado um
pão para se alimentar e aos filhos de sua falecida irmã,
que estavam sob seus cuidados.
Embora livre, seu futuro era incerto.
Vagava entre um vilarejo e outro, quando, numa noite muito fria, atreveu-se
a bater na porta de uma casa que alguém lhe indicou como sendo
de um homem piedoso.
Um senhor de expressão bondosa e serena o atendeu e, sem fazer
perguntas, convidou-o para entrar e comer.
Valjean entrou, sem acreditar que alguém o pudesse receber com
tão poucas reservas e de forma tão acolhedora.
Quem assim o recebia era o Monsenhor Benvindo, homem caridoso e bom.
Era assim que ele tratava qualquer criatura que batesse à sua
porta, a qualquer hora e em qualquer circunstância.
Sem questionamentos, servia o que de melhor tinha e tratava o mais simples
viajante como se fosse um irmão muito querido.
Era esse o tratamento que oferecia a Valjean que, embora desconfiado,
comeu sem cerimônias e aceitou, sem hesitação, a
oferta para dormir ali.
Na calada da noite, porém, abandonou o vilarejo correndo, carregando
um pequeno embrulho e levando em seu coração muita culpa.
Traindo a confiança e a bondade do monsenhor, Valjean roubara-lhe
os talheres de prata e partira sem destino, nem rumo certo.
Na manhã seguinte, entretanto, foi levado por guardas à
presença do seu anfitrião, uma vez que, tendo sido preso
portando tais preciosidades, alegou tê-las recebido de presente
do bondoso senhor.
O monsenhor recebeu soldados e acusado com tranquilidade dizendo que
deveriam soltar Valjean porque ele havia lhe dado toda sua prataria
e que, embora Valjean tivesse levado os talheres, havia esquecido de
levar os castiçais.
Os guardas, espantados, partiram, deixando Valjean com o monsenhor que,
sem demora, colocou junto aos talheres os castiçais de prata
que possuía.
O ex-condenado, ante aquela atitude, arrependeu-se ainda mais de sua
vergonhosa conduta da madrugada.
O doador, porém, segurou-o pelos braços e olhando-o fixamente
nos olhos, disse-lhe:
- Jean Valjean, empregue o dinheiro obtido com a venda dessa prataria
no esforço de tornar-se um homem de bem.
Tomado de espanto pela atitude inesperada, Valjean partiu sem jamais
esquecer aquela promessa que, embora não tivesse partido de seus
próprios lábios, guiou seus passos pelo resto de sua existência.
* * *
Deus auxilia os homens através
dos próprios homens.
Vale-se daqueles que se dispõem a ser instrumentos divinos,
na tarefa de auxílio e conforto aos seus irmãos.
Por vezes, gestos inesperados e até singelos, são capazes
de verdadeiros prodígios para aqueles que os recebem, modificando-os
para sempre, conduzindo-os de forma definitiva para o caminho do bem.
* * *
Redação do Momento Espírita,
com base no livro Os miseráveis, de Victor Hugo, ed. FTD.
Em 21.1.2015.
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