"Ela havia dormido em minha cama
e despertou-se, abraçando-me e sacudindo-me: ‘Mamãe,
mamãe! Jesus me disse que eu vou para o céu! Estou
muito contente de ir para o céu, mamãe. Lá
tudo é belo, de outro e prata, e brilha. É lá
que estão Jesus e Deus’"
Recorda-nos
o Pe. François Brune, em seu livro “Os Mortos nos Falam”,
que Elisabeth Kübler-Ross, a grande iniciadora de todas as pesquisas
modernas sobre a morte, e mais exatamente sobre o acompanhamento de
doentes terminais, interessou-se particularmente pelas crianças
que estavam morrendo.
Sua convicção é muito clara:
as crianças sabem, quase sempre, por antecipação,
que vão morrer, qualquer que seja a causa da morte. Sabem mesmo
em que circunstâncias, ou melhor, é seu subconsciente
que o sabe e expressa-o, exprime através de desenhos, cartas,
poemas, cujo sentido só se compreende, geralmente, após
sua morte.
Segundo essa respeitada pesquisadora, que humanizou
uma das mais difíceis áreas da medicina, as crianças
ainda pressentem também o que vem depois, a etapa seguinte,
o “encontro na luz”, o país do amor universal e
incondicional que as aguarda, e do qual, às vezes, chegam a
ouvir o chamamento.
Reflete Brune que, no caso de morte por doença,
poder-se-ia atribuir o pressentimento da criança ao afloramento,
ao nível do subconsciente, do processo biológico já
desencadeado. Mas, quando se trata de um acidente provocado por terceiros,
ou de um assassinato, a explicação deve ser procurada
noutra parte. Elisabeth Kübler Ross fornece-nos sobre esses dois
últimos casos, vários exemplos muito convincentes. Contentar-nos-emos
aqui com o mais extraordinário. A narrativa foi feita pela
mãe da criança:
“Minha filha acordou cedo naquela manhã,
num estado que se poderia chamar de grande superexcitação.
Ela havia dormido em minha cama e despertou-se, abraçando-me
e sacudindo-me: ‘Mamãe, mamãe! Jesus me disse
que eu vou para o céu! Estou muito contente de ir para o céu,
mamãe. Lá tudo é belo, de outro e prata, e brilha.
É lá que estão Jesus e Deus’, etc, etc.
ela falava tão rápido que eu mal conseguira acompanha-la.
Como num estado de beatitude. Aquilo me deu medo, antes de tudo por
ser muito estranho. Não era, afinal, um assunto habitual para
uma conversa.
Eu estava sobretudo inquieta com a sua superexcitação.
Era uma criança calma, quase contemplativa, muito inteligente,
mas não era uma criança dada a entusiasmos. Ela possuía
um extenso vocabulário e expressava-se com precisão.
Era extraordinário vê-la tão agitada, com as palavras
atropelando-se em seus lábios a ponto de fazê-la gaguejar.
Não me lembro jamais tê-la visto em tal estado, nem no
Natal, nem nos aniversários, nem no circo.
Disse-lhe que falasse mais baixo, que se acalmasse,
que não dissesse mais aquilo (era de minha parte uma crença
supersticiosa, porque, desde o seu nascimento, eu tinha — como
uma espécie de pressentimento — a idéia de que
ela não permaneceria muito tempo comigo). Eu só falara
disso a uma amiga muito íntima. Eu não queria que me
fizessem pensar nisso, e não desejava ouvir falar disso, sobretudo
daquela maneira súbita, inesperada, um pouco louca. Ela só
havia falado antes na morte, mas de maneira abstrata. Porém,
jamais de sua morte.
Não conseguia acalmá-la e ela continuou
a falar do ‘lindo céu todo dourado, cheio de maravilhas,
e anjos dourados, diamantes e jóias, mamãe!’ E
falava de como estava contente de ir para lá, de como se alegrava,
e do que Jesus lhe dissera... Lembro-me do seu comportamento mais
que de suas expressões literais, mas consegui reter algumas
de suas palavras.
Disse-lhe então: ‘Descanse um pouco’,
e quis deitá-la de novo. ‘Se você for para o céu
me fará falta, minha querida. Estou muito contente porque você
teve um sonho muito bonito, mas agora repouse um pouco, está
bem?’ Foi inútil. Ela respondeu-me: ‘Não
foi um sonho, foi verdade!’ (e que ênfase ela colocou
naquela palavra, aquela criança de quatro anos!) ‘mas
você não precisa se preocupar, mamãe, porque Jesus
me disse que eu tomarei conta de você, que eu vou dar a você
ouro e pedras preciosas e que você não precisará
se preocupar com nada’...! Eu cito apenas as frases de que me
lembro totalmente, palavra por palavra.
Ela falou-me ainda algum tempo sobre as maravilhas
do céu, mas foi acalmando-se pouco a pouco. Quando eu disse
novamente que ela havia tido um sonho muito bonito, ela repetiu que
era verdadeiro, verdadeiramente verdadeiro. Ela aninhou-se em meus
braços dizendo que eu não me inquietasse porque Jesus
cuidaria de mim. Depois, saltou da cama e foi correndo brincar.
Eu também me levantei para preparar o café
da manhã. Era um dia como outro qualquer. Mas entre 3h e 3h
e meia, na tarde daquele mesmo dia, minha filha foi assassinada (afogada
intencionalmente).
A conversa que eu havia tido com ela, pela manhã,
fora tão surpreendente que eu imediatamente falei a respeito
com uma pessoa, por telefone, a qual se recorda disso muito bem. Quando
ela soube da morte de R., um de seus primeiros pensamentos foi: como
a criança pudera saber?
Para mim, creio ser impossível conhecer o
futuro. As leis físicas não podem ser modificadas. Minha
filha não poderia saber que ‘iria para o céu’,
mas assim aconteceu: ela acordou-me em estado de superexcitação
pouco comum, afirmando que Jesus dissera-lhe que ela iria para o céu
(sinceramente, não me recordo se ela disse ‘hoje’).
E ela morreu naquela tarde. Aproximadamente sete horas mais tarde.
Eu não posso explicar isto.
Nós não éramos uma família
muito praticante. Minha filha tinha ido à Igreja conosco duas
vezes e, naturalmente, nós líamos para as crianças
as histórias de Moisés, Jesus, Maria e José.
Elas freqüentavam a escola dominical, mas sem regularidade. Eu
me esforcei para ensinar a meus filhos a amar e respeitar os outros,
a serem bons e prestativos, mais do que a praticar uma religião.
Eu não podia ensinar-lhes o que não conheço.
Embora tivesse estudado, orado, meditado, quando minhas filhas perguntavam
sobre o céu, eu respondia nada saber sobre o que se passa após
a morte. Não foi em casa que elas ouviram a palavra ‘céu’
e imagens como ‘as estradas douradas do céu’. Nós
jamais falamos a respeito...”
Diante desse relato, Pe. François Brune liga
a convicção de Elisabeth Kübler-Ross à mensagem
de Konstantin Raudive, por ele recebida em uma sessão de transcomunicação
instrumental, em Luxemburgo:
“É isso talvez que podemos oferecer
de melhor (escreveu ele a pais que haviam perdido um filho), esta
certeza de que nosso corpo material é apenas uma crisálida,
um invólucro. E que a morte faz surgir aquilo que, em nós
é indestrutível, imortal, e que a borboleta pode simbolizar”.
“As crianças do campo de concentração de
Majdanek, antes de entrar nas câmaras de gás, desenharam
pequenas borboletas com as unhas, nas paredes. Seus filhos, também,
na hora de morrer, sabem que vão penetrar, livres, sem obstáculos,
em um lugar onde não se sofre mais, em um país de paz
e de amor onde o tempo não existe e do qual poderão
vir ao seu encontro com a velocidade do pensamento”.
Observemos que em grego antigo ou moderno, para se dizer “borboleta”,
diz-se “alma” (ou inversamente, se preferirmos). É
a mesma palavra que designa as duas coisas.
* * *
“Os Mortos nos Falam”, Pe.
François Brune, Edicel
(item 3 do cap. A Morte é um segundo nascimento)
Cf. Elisabeth Kübler-Ross, La mort et l´enfant,
Editions du Tricorne, Genève, 1986, pp. 33-40; 111-112.